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Como a Califórnia está lidando com a pior seca da sua história

Os californianos sabiam que uma grande seca viria, mesmo que não soubessem a gravidade dela –agora a pior registrada na história–, tinham consciência de que anos secos são inevitáveis e tiveram todos os tipos de ideias para lidar com eles. Mas, mesmo com todo o planejamento, a situação atual da Califórnia (EUA) tem sido um desastre. Reservatórios estão secando. Colheitas murcham nos campos. Pela primeira vez na história, as cidades terão de enfrentar um corte obrigatório de 25% em seu uso de água.

No caso da Califórnia, não é como se os governantes não quisessem ver a seca. A questão é que ninguém foi capaz de resolver um problema subjacente que é, simultaneamente, menos assustador e também muito mais difícil de lidar do que um período de seca: o colapso do sistema hídrico do Estado americano e sua conturbada política de água.

Projetado ao longo do século passado, numa época em que o Estado tinha um sexto de sua população atual –38 milhões de habitantes, o que o torna o mais populoso do país–, o sistema de gerenciamento de água da Califórnia não é apenas difícil de administrar em épocas de escassez. De certa forma, ele encoraja a ineficiência e o desperdício, de acordo com estudos do governo federal. Isto é em parte uma questão de engenharia e, em outra, uma questão política, mas se tornou um enorme dilema para um Estado lutando para se adaptar à seca sem precedentes.

Grande parte das picuinhas que permeiam a crise na Califórnia são acusações que partem de dois lados: dos fazendeiros e dos ambientalistas. Os primeiros são acusados de usarem muita água, e os últimos, de criarem mais restrições para o consumo dela. Sobra até para os campos de golfe e jardins que recebem muita irrigação. Para economistas, bastaria precificar corretamente a água.

Vale a pena tentar entender o complexo sistema de água da Califórnia, a fim de compreender por que todos estes conflitos têm surgido –e por que correções são tão difíceis.

Água vem do norte e é usada no sul

Historicamente, a água na Califórnia era extremamente escassa na metade sul do Estado. A maioria das precipitações ocorre para o norte, principalmente no inverno. Hoje, 75% do abastecimento tem origem na parte norte, acima da capital Sacramento, enquanto 80% dos usuários de água vivem na metade sul do Estado. O sistema que torna isso possível opera sob um emaranhado complexo de regras geridos pelos governos federal, estaduais e agências locais.

Durante o século 20, tanto o Estado como o governo federal construíram um elaborado sistema de canais, aquedutos e reservatórios para trazer água ao sul. As peças-chave deste sistema incluem:

– O Projeto Central Valley, construído pelo governo federal em 1930, que traz a água para a região e se tornou chave para a agricultura da Califórnia.

– O Projeto Estadual de Água, construído na década de 1960, que traz a água para San Francisco e Los Angeles, assim como para Central Valley.

– O Aqueduto do rio Colorado (que tem 2.334 km de extensão), construído em 1930, que traz água do rio Colorado ao sul da Califórnia. A água deste rio é dividida entre a Califórnia, Wyoming, Nevada, Utah, Colorado, Novo México, Arizona e México, de acordo com regras que datam a 1922.

Sistema hídrico sob estresse

Este sistema atingiu um ponto de ruptura. A seca atual, que começou em 2012, é pior do que qualquer coisa que a Califórnia tenha sofrido em sua história. Praticamente todo o Estado –de área de 423.970 km², quase duas vezes o tamanho do Estado de São Paulo– está com racionamento de água.

Além do índice pluviométrico baixo, a Califórnia tem sofrido temperaturas excepcionalmente altas, que aceleram a evaporação da água. De acordo com o Serviço Nacional de Meteorologia, esses dois fatores se combinaram para tornar este o pior período de seca, pelo menos desde 1895, quando começou a medição.

As pressões sobre o sistema podem ser vistas em toda parte. Reservatórios como o Lago Oroville e Lago Shasta –ambos ao norte do Estado– são fundamentais no sistema de armazenamento de água e operam bem abaixo da capacidade. Em Central Valley, a oferta de água já foi reduzida para os usuários –e para alguns agricultores.

Cerca de 41% das terras agrícolas vão enfrentar cortes de águas e 620 mil acres são esperados para ficarem improdutivos, com perdas econômicas de cerca de US$ 5,7 bilhões. Isso prepara o palco para conflitos entre diferentes usuários.

Usuários

O abastecimento de água desenvolvida na Califórnia está dividido entre três setores principais. Em um ano médio, cerca de 40% é utilizado pela agricultura e 10% é utilizado por vilas e cidades.

Os outros 50% são geralmente deixados para proteger e restaurar o meio ambiente. A água flui rumo às bacias a fim de manter os ecossistemas e preservar a qualidade líquida.

Alguns agricultores, confrontados com a diminuição do abastecimento de água, têm mostrado frustração com os limites colocados no uso da água por várias regras ambientais. Os ambientalistas, entretanto, apontam que alguns ecossistemas enfrentam níveis perigosamente baixos de água, colocando peixes e outras espécies em risco de extinção.

No que diz respeito ao consumo, os agricultores são os principais usuários de água no Estado, uma vez que a Califórnia desempenha um papel fundamental na agricultura dos EUA.

O Estado é responsável por cerca de um terço dos vegetais do país e dois terços de suas frutas e nozes. O solo fértil e clima temperado são ideais para plantações de pistache, brócolis, tomate e alface, por exemplo. As culturas que recebem a maior atenção são as de amêndoas.

Os agricultores da Califórnia consomem a água de várias fontes diferentes. Parte das chuvas cai diretamente nas plantações. Mas muita água para a irrigação vem do sistema elaborado de entrega de água do Estado, que é alimentado por precipitação no norte e derretimento de neve das montanhas.

As leis que definem como os agricultores recebem água a partir desses sistemas são complexas e muitas vezes baseadas em direitos históricos. Há “direitos de ribeirinhos”, que dão acesso para aqueles que estão fisicamente próximos às vias navegáveis. Há leis de “dotação prévia”, que dão direitos a quem primeiro desviou a água para uso benéfico, décadas atrás. Para aqueles que têm direitos de água, o preço final é geralmente muito baixo.

Quando há menos água de superfície durante as secas, muitos agricultores passam a bombear água de aquíferos subterrâneos –acumulada ao longo de muitas décadas.

Ao contrário de outros Estados do oeste americano, essas regras de bombeamento são bem soltas: qualquer pessoa pode utilizar, tanto quanto quiser, contanto que seja para um propósito útil. Durante a seca atual, um estudo de 2014 da Universidade Davis descobriu que os agricultores da Califórnia vêm substituindo cerca de três quartos de chuva perdida com as águas subterrâneas.

Esta prática tem ajudado os agricultores a evitar o desastre imediato, mas há um problema de longo prazo. Estes aquíferos não se enchem facilmente, uma vez que se desenvolveram ao longo de muitos anos. Além do mais, uma vez que estes aquíferos são drenados, a terra acima deles começa a afundar, o que significa que eles não poderão segurar tanta água no futuro.

Consumo residencial

As cidades representam apenas 20% do consumo de água humano da Califórnia. Mas isso não significa que eles estão conservando tanto quanto possível também.

De acordo com dados do Projeto Hamilton (que pesquisa o setor público dos EUA), a média nas residências é de 124 litros de água per capita por dia –na maioria das vezes, para regar jardins–, duas vezes mais do que uma pessoa no Estado do Maine. De acordo com o estudo, o uso da água varia brutalmente, com os residentes em Beverly Hills usando 165 litros por dia e residentes em San Francisco usando apenas 46.

Em março deste ano, o governador Jerry Brown, do Partido Democrata, anunciou as restrições obrigatórias de água pela primeira vez, o que forçará as cidades a reduzir o consumo de água em 25% no ano que vem –com algumas variações de cidade para cidade. Alguns serviços públicos de água serão incentivados a utilizar “preços de conservação”, embora muitos dos cortes poderão ser feitos através de leis mais contundentes.

Leia abaixo algumas das propostas elaboradas para resolver a crise de água na Califórnia:

Cortes obrigatórios: o governador Jerry Brown ordenou que as cidades cortem seu uso de água em 25%. Entretanto, especialistas como Jay Famiglietti, da Universidade da Califórnia, têm alertado que esta ação não resolve nada no que diz respeito à agricultura, que consome quatro vezes mais água que as áreas urbanas.

Projetos de água-reciclagem ou dessalinização: em 2014, os eleitores da Califórnia aprovaram uma emissão de títulos de água no valor de US$ 7,5 bilhões para financiar novos projetos de reciclagem de água, dessalinização e de prevenção de secas. As tecnologias existem, mas custam muito caro. Em San Diego, por exemplo, a construção de uma usina de dessalinização deve gerar 50 milhões de litros por dia de água salgada utilizável, mas ao custo de US$ 1 bilhão, com o consumo de uma grande quantidade de energia e fornecerá apenas 7% da água necessária da região.

Diante de protestos por engarrafar água em tempos de seca, a Nestlé gastará milhões para converter água residual do leite em um líquido que a empresa pode utilizar para limpar suas fábricas –e polir sua imagem corporativa.

A maior companhia engarrafadora de água dos EUA instalará novos sistemas de filtração em uma fábrica em Modesto, a 144 quilômetros a leste de San Francisco, a fim de poder reutilizar os resíduos da fabricação do leite condensado “Carnation” em vez de jogá-los pelo esgoto. O líquido tratado será usado em lugar da água doce para limpar e esfriar.

Restrições de bombeamento de águas subterrâneas: o legislativo estadual aprovou também restrições ao bombeamento de águas subterrâneas provenientes da agricultura, o que irá ajudar a conservar um recurso vital e limitado. Mas estas restrições só valerão por mais cinco anos. Depois, serão aplicadas gradualmente entre 2020 e 2040. E mesmo essas regras fracas foram travadas por muitos dos interesses agrícolas da Califórnia.

Fonte: Saneamento Básico, o SITE !, UOL Notícias, USA Today

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