País constrói hidrelétricas sem reservatório e pode precisar da energia nuclear

Em 4 de fevereiro, 12 Estados em quatro regiões do Brasil ficaram às escuras, último grande apagão energético no País. Desde então, o forte calor e as poucas chuvas reduziram a água dos reservatórios aos menores níveis desde 2001, abrindo a temporada de alerta para novos racionamentos de energia 13 anos depois do apagão que virou assunto das eleições de 2002.

Pesquisas e estudiosos do assunto concluem que, sob o comando de Dilma Rousseff – hoje presidente e no passado ministra de Minas e Energia -, o setor energético resolveu problemas cruciais, como a reformulação dos leilões, mas “deu um tiro no pé” ao optar pela construção de hidrelétricas sem reservatório. A consequência foi apelar para a produção de energia poluente para compensar a falta de água, o que deve culminar com a utilização de energia nuclear em um futuro não muito distante.

Do total de 42 hidrelétricas leiloadas entre 2000 e 2012, apenas dez (6,73%) têm reservatórios, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Os outros 32 empreendimentos são de usinas a “fio d’água” – sem capacidade de guardá-la para geração de eletricidade nos períodos secos.

Presidente da Associação dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), Mário Menel acredita que o governo cedeu aos ambientalistas ao tomar essa decisão. “Uma hidrelétrica com reservatório precisa de uma área maior: mais pessoas são deslocadas e regiões de terras férteis ou florestas inteiras são inundadas”, explica. “O problema é que a solução encontrada também polui.”

Coordenadora de energia elétrica da Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), Camila Schoti explica que, sem reservatório nas hidrelétricas, “o País recorre às usinas termelétricas, que produzem energia mais cara e ainda liberam grandes quantidades de CO2 na atmosfera”.

Enquanto o preço do megawatt hora (MWh) de uma hidroelétrica de grande porte custa R$ 84,58 em média, a mesma quantidade de energia produzida pelas térmicas custa de R$ 145 a R$ 600. Para Menel, “já perdemos a oportunidade de fazer usinas com reservatório, e refazer tudo é impossível.”

Urânio?

A preocupação dos especialistas é que sobraram poucos recursos hídricos disponíveis no Brasil para a construção de hidrelétricas. Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) afirma que as áreas inundáveis ficam na Amazônia e no Cerrado, regiões protegidas ambientalmente, próximas de terras indígenas e muito longe dos centros de consumo.

A conclusão do estudo é que o Brasil terá de construir novas usinas nucleares, como as atuais Angra 1, 2 e 3, responsáveis por 3% da geração de energia no País. A opção, no entanto, está longe da unanimidade.

Desastres com urânio – matéria prima do combustível – já escandalizaram o mundo, como o que tornou Chernobyl (Ucrânia) uma cidade fantasma em 1986 ou o que expulsou 140 mil pessoas do estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, quando falhas de manutenção na usina de Three Mile Island espalharam radiação por 16 quilômetros em 1979. No Brasil, o pior acidente aconteceu em 1987. Quatro pessoas morreram contaminadas com a radiação de uma estação de radioterapia abandonada em Goiânia.

O estudo da FGV garante que a segurança nessas usinas é muito maior hoje em dia. O acidente na cidade de Fukushima (Japão), provocado por um tsunami há três anos, só não teve maiores consequências em razão de inovações tecnológicas, como a que acionou um sistema de segurança independente da ação do operador.

Autor do estudo, Otávio Mielnik acredita que as novas usinas serão indispensáveis no Brasil entre 2020 e 2030 “diante do crescimento da demanda por energia e da redução da capacidade de armazenamento de água”. Além disso, o País dispõe de “reservas substanciais de urânio”, matéria-prima de “custo bastante competitivo em relação a outras fontes térmicas, como o carvão (quatro vezes mais caro) e o gás natural (sete vezes mais caro)”, escreve ele.

Abandono

O perigo iminente de racionamento não é apenas resultado da seca. Segundo o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), 58% das usinas de geração, 69% das linhas de transmissão e 61% das subestações hoje em construção estão atrasadas. “O atraso médio dos empreendimentos de geração é de oito meses, o de transmissão é de um ano, e o das subestações é de seis meses”, contabiliza estudo elaborado pelo Instituto Acende Brasil entregue aos principais candidatos presidenciais. “Em 2012, havia 28 usinas de geração prontas que não puderam entrar em operação por falta de transmissão.”

Unanimidade entre os especialistas, o atual sistema de leilão, em vigor desde 2003, trouxe segurança para o consumidor e empresas, que passaram a comprar no mesmo pregão as concessões para explorar e vender energia. “Antes leiloava-se a concessão, mas não havia para quem vender”, lembra Menel, que já pede atualização do modelo, mesma reivindicação do Acende Brasil. A principal deficiência seria o excesso de regras ambíguas que permitiriam a entrada de grupos empresariais “sem compromisso”, como o Bertin, que em 2008 assumiu a construção de 22 usinas termelétricas.

Os planos começaram a ruir quando o grupo abandonou o projeto depois que o BNDES (banco nacional de desenvolvimento) negou financiamento adicional. Em 2011, a empresa não entregou as primeiras usinas prometidas e ficou inadimplente na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica.

O presidente da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia), Reginaldo Medeiros, acredita que outra discussão vai começar depois de o Brasil sanar as deficiências na geração de energia: a necessidade de liberar o chamado “mercado aberto”, que permite ao consumidor escolher de quem comprar energia. “A liberdade de escolha é uma tendência no mundo. Isso ocorre em toda a Europa, mais da metade dos estados americanos, além de Nova Zelândia, Austrália, Japão, Chile, Equador e Colômbia. Nesse aspecto, o Brasil é um dos países mais atrasados.”

Outro lado

Questionada pela reportagem, o Grupo Bertim afirmou por meio de nota que “o cenário conjuntural alterou-se profundamente a partir de 2008, tendo como um dos reflexos o enxugamento de linhas de crédito.” “O novo quadro fez com que a Bertin Energia praticasse vários desinvestimentos para viabilizar uma operação com apenas seis usinas, que encontram-se em fase adiantada de construção para entrarem em operação neste ano.”

Os empresários afirmam que as inadimplências “estão sendo negociadas” e, “portanto, não se pode admitir a menção de que o Grupo Bertin não tem compromisso com o setor energético; trata-se de um Grupo sério, que, apesar das dificuldades e limitações sofridas, vem fazendo investimentos importantes com capital próprio para manter sua tradição de honrar compromissos.”

Fonte: IG

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