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Equipe do RESAG entrevista o Prof. José Carlos Mierzwa, referência quando o tema é inovação e recursos hídricos.

Com o problema crescente da falta de água nas grandes cidades, é fundamental conhecer alternativas ao atual cenário brasileiro e como melhor abordar a difícil situação que se apresenta à sociedade como um todo.

Entre 2014 e 2016 o estado de São Paulo viveu uma agudizada crise hídrica, época em que as autoridades anunciaram que isso ocorria porque faltou chuva. É certo que o regime climático influencia na disponibilidade da água, mas fica a pergunta : a responsabilidade da falta de água em uma cidade como São Paulo é exclusivamente natural ?

Na verdade não. Embora as condições climáticas tenham forte influência sobre a disponibilidade hídrica, o problema da escassez de água na região metropolitana de São Paulo e qualquer outra região metropolitana do país é influenciada pelo padrão de uso e ocupação do solo e elevada densidade demográfica. À medida que as cidades se expandem, há uma alteração significativa das características da cobertura vegetal, com supressão de grandes áreas verdes e impermeabilização do solo. Com isto, ocorre uma redução da capacidade da região em manter a água da chuva por meio de sua infiltração no solo e, consequentemente, a capacidade de reposição de água dos mananciais, ou seja, a água escoa e rapidamente é conduzida para córregos e rios que escoam esta água para fora da região. Além disso, o adensamento populacional resulta em uma demanda de água bastante grande, muitas vezes superando a capacidade da região em atender esta demanda. Por fim, há o problema dos esgotos gerados, cujos níveis de coleta e tratamento são bastante baixos, o que compromete a qualidade da água dos corpos hídricos da região, inviabilizando o uso da água.

Nesta época de crise aguda, ganhou protagonismo o reuso da água. Houve avanços nas políticas e equipamentos municipais neste sentido ?

No auge da crise foi divulgada uma proposta para implantação de dois sistemas para reuso de água para a região, contudo, as ações relacionadas à isto não foram iniciadas, o que ocorreu foi a priorização do aumento da oferta de água para a região por meio da interligação entre sistemas e a ampliação da importação de água de outras regiões, estas obras foram realizadas, mas as ações de reuso não. O principal avanço que ocorreu no período foi a publicação de uma Resolução conjunta da Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos, Secretaria de Meio Ambiente e Secretaria Estadual de Saúde, para o reuso de água a partir de Estações de Tratamento de Esgotos Sanitários.

Qual seria, na sua opinião, uma boa estratégia para estimular a implantação de sistemas de reúso de água nas edificações ?

A implantação de programas de reúso de água em edificações deve ser considerado com bastante cuidado, principalmente pelas exigências em relação à infraestrutura de tratamento e distribuição da água de reúso. O ideal é que seja priorizado um programa de redução de consumo, por meio da utilização de equipamentos hidráulicos mais eficientes, ou restritores de vazão, assim como a implantação da medição individualizada da água. Estas ações acabam trazendo um grande benefício para os condomínios, principalmente de apartamentos, pois além da redução do consumo de água, que implica na redução do volume de esgotos, haverá a redução do consumo de energia para o bombeamento da água até o reservatório superior, sem que seja necessário implantar qualquer tipo de infraestrutura.

A  implantação de programas de reúso requer a implantação de sistemas de tratamento para a produção da água de reúso, uma rede diferenciada para a distribuição desta água e o monitoramento contínuo da operação e desempenho da unidade de reúso, sendo que, muitas vezes a vazão de água de reúso passível de utilização é muito pequena comparada aos consumos. Esta condição se altera quando o consumo para fins não potáveis é relevante, como no caso de Shoppings Centers e grandes centros empresariais, neste caso, pode haver a necessidade de adaptações da infraestrutura de distribuição da água, mas muitas vezes isto é adotado mais por questões econômicas, em função do custo da água fornecida pelas concessionárias de abastecimento, do que por razões de escassez.

Quais casos de sucesso internacional poderiam servir de exemplo e adaptados ao panorama brasileiro ?

Acho que não é necessário recorrer a casos de sucesso internacionais, pois temos vários exemplos no Brasil. O mais relevante é o projeto AQUAPOLO, que começou a operar em 2012, produzindo água de reúso para o Polo Petroquímico de Capuava. Esta unidade tem capacidade para produzir 1.000 L/s de água de reúso, o que é equivalente ao consumo de uma cidade com 500.000 habitantes. Além destes existem outros exemplos, como o programa pioneiro da Companhia de Saneamento de São Paulo, para a produção de água de reúso para uma indústrias do setor têxtil, no final da década de 1980. Além destes exemplos podem ser mencionados o caso de programas de reúso em Shoppings Centers como no caso do Shopping Plaza Sul  e o Grand Plaza Shopping , entre outros.

 Sabendo que as indústrias são grandes consumidoras de água, como avança o reúso da água no parque industrial nacional ?

Como destaquei, no caso do Projeto AQUAPOLO, há um grande interesse das indústrias em programas que melhorem a gestão da água, adotando práticas de redução do consumo e também de reúso. Outros exemplo significativo é o caso do sistema de reúso implantado no CETREL na Bahia, com a previsão de fornecimento de até 800 m³/h de água de reúso para o Polo Industrial de Camaçari. Além destas iniciativas, vários indústrias passaram a implantar programas de reúso de água, como o Grupo Ambev.

 Recentemente tem sido noticiado mundo afora a presença de microplásticos nas águas. Os sistemas de filtração atuais estão preparados para retirar essas partículas das águas que consumimos ?

Considerando-se as tecnologias convencionais de filtração, talvez não, mas os novos processos de separação por membranas, de microfiltração e ultrafiltração sim. Estas tecnologias estão sendo amplamente utilizadas em diversos países do mundo. No Brasil, o uso destas tecnologias ainda é limitado, em São Paulo, em função da crise hídrica, a Companhia de Abastecimento passou a utilizar membranas de ultrafiltração para o tratamento de água.

Está em curso no Congresso Nacional um projeto de lei mais permissivo ao uso de agrotóxicos no Brasil. Atualmente os sistemas de produção de água potável estão preparados para retirar agrotóxicos da água que consumimos ?

A questão do tratamento de água no Brasil não está limitada à capacidade para eliminar defensivos agrícolas (“agrotóxicos”), mais sim uma ampla variedade de contaminantes presentes nos esgotos lançados nos mananciais diariamente, como fármacos e produto de higiene pessoal e uma outra infinidade de substâncias utilizadas. Obviamente a questão dos defensivos agrícolas é crítica, mas a questão dos compostos presentes nos esgotos também. Neste sentido, uma preocupação inicial é o controle do aporte destes contaminantes no meio ambiente, acredito que práticas adequadas de manejo da aplicação de defensivos agrícolas, barreiras de contenção para minimizar o escoamento superficial e o aporte nos rios sejam estratégias que reduzem o risco associado, isto também vale para os contaminantes presentes nos esgotos, é necessário melhorar a infraestrutura de coleta e tratamento de esgotos, com a utilização de tecnologias mais eficientes, que sejam capazes de minimizar o lançamentos de substâncias químicas potencialmente prejudiciais à saúde nos corpos d’água. Outra ação diz respeito à necessidade de modernização das tecnologias para tratamento de água da maioria das estações do Brasil, que ainda utilizam os processos desenvolvidos antes da Segunda Grande Guerra Mundial. O Brasil não avançou muito nesta área.

Gostaria de deixar uma mensagem final ao leitor do Boletim Resag, consciente da importância da água ?
A água é um insumo vital para a qualidade de vida da população, assim é necessário utilizá-la de forma adequada, bem como incentivar a adoção de estratégias mais modernas em relação à sua gestão, tratamento, uso e lançamento no meio ambiente. Para isto, a inovação tecnológica tem papel fundamental. É necessário desmistificar a visão de que inovação tecnológica e proteção ambiental são antagônicos.

jose

José Carlos Mierzwa atualmente é professor pesquisador da Universidade de São Paulo, com Pós-doutorado na Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas de Harvard (2011), livre docência na Escola Politécnica da USP (2009), doutorado em Engenharia Civil [SP-Capital] pela Universidade de São Paulo (2002), mestrado em Tecnologia Nuclear pela Universidade de São Paulo (1996) e graduação em Engenharia Química pela Universidade de Mogi das Cruzes (1989). Tem experiência na área de projetos e processos de sistemas de tratamento de água e efluentes, conservação e reúso de água e tecnologia de separação por membranas. A linha de pesquisa atual está relacionada à modificação de membranas poliméricas para aplicação em tratamento de água e efluentes e membranas cerâmicas para separação de metano e dióxido de carbono.

Fonte: Resag

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