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Cingapura revela interesse para investir em concessões no Brasil

O Brasil está no caminho certo de ajustes dolorosos mas necessários. E empresas e o fundo soberano de Cingapura (GIC) estão interessados no plano de investimentos em infraestrutura brasileiro. É o que disse Tharman Shanmugaratnam, vice-premiê e ministro das Finanças do país asiático.

Ele esteve no Brasil na semana passada, para participar do G-30 (grupo consultivo formado por personalidades econômicas e financeiras mundiais, do qual faz parte Armínio Fraga) e para se reunir com empresários. Coincidentemente, na semana passada foram anunciados grandes negócios envolvendo o GIC no Brasil.

Cingapura, pequeno arquipélago que constitui praticamente uma cidade-Estado de 5,4 milhões de habitantes, festeja em agosto 50 anos de independência. Nesse período, passou de um miserável porto de pescadores a uma das economia mais vibrantes e ricas do mundo. Para Shanmugaratnam, o segredo desse sucesso foi a educação (é o país com melhor desempenho no ranking Pisa, da OCDE) e um modelo de desenvolvimento urbano que mistura raças e classe sociais nos mesmo bairros, o que estimula a coesão social e a sensação de interesse comum. “Não há muros, não há portões.”

O ministro criticou ainda o modelo europeu de taxação elevada, copiado pelo Brasil, dizendo que isso cria uma grande injustiça geracional, pois os mais jovens têm de pagar pelos benefícios que os mais velhos se outorgaram. Leia os principais trechos da entrevista.

Valor: Qual foi o objetivo de sua visita? O sr. esteve no G-30, no Rio.

Tharman Shanmugaratnam: O G-30 foi uma razão, mas a mais importante foi me encontrar com líderes empresariais brasileiros que têm relações com Cingapura e a Ásia, e com executivos de Cingapura que veem oportunidades no Brasil. Numa viagem, é preciso pensar nas relações de negócios subjacentes, tentar meios de estimulá-las, ter uma visão de longo prazo, que é o nosso estilo em Cingapura. Buscamos ver como superar dificuldades momentâneas e construir relações para o futuro.

Valor: Dificuldades não faltam.

Shanmugaratnam: O Brasil atravessa um período muito desafiador de mudanças no cenário econômico e financeiro. O consenso é que o país está se movendo na direção certa, adotando ajustes dolorosos. Tanto a política fiscal como a monetária estão apertadas, o que não ajuda a economia no curto prazo. Mas é um ajuste necessário para o médio e o longo prazos.

As empresas com que falei entendem isso. As melhores oportunidades de investimentos estão nos períodos de dificuldades.

Valor: E onde estariam essas novas oportunidades?

Shanmugaratnam: O Brasil tem uma população relativamente jovem e uma classe média em rápida expansão. Tem uma capacidade corporativa muito sofisticada, e a qualidade de liderança corporativa é relativamente alta para os padrões internacionais. Então, as oportunidades para se beneficiar desse mercado crescente e de fazer parcerias com empresas brasileiras, que conhecem melhor o mercado local, são boas.

Além dessa visão geral, há alguns nichos nos quais Cingapura pode acrescentar valor. Somos um país muito pequeno, então temos de ser modestos no que podemos contribuir. Não devemos nos envolver em áreas nas quais não temos expertise. Uma área da qual nos literalmente vivemos tem a ver com soluções urbanas, melhorar a qualidade de vida para uma base grande da população, e não apenas para os ricos. Esse é a carta vencedora de Cingapura. Tem a ver com tratamento de água, transformar lixo em energia, com a integração de serviços públicos, de instituições educacionais nos bairros.

Outra área forte é a construção de navios. Estaleiros, como Keppel Fels e Jurong, empregam cerca de 10 mil pessoas aqui. Esse setor inclui petróleo e gás, o que é crítico para o futuro do Brasil.

Uma terceira área, que tem a ver com a posição única de Cingapura na Ásia, é a nossa experiência em construir logística de excelência, qualquer aspecto de logística, como administrar aeroportos ou portos marítimos. Sempre fomos um entreposto, um país que vive da eficiência de transportar bens, pessoas e serviços financeiros.

Valor: Então empresas de Cingapura devem participar do novo programa de concessões de infraestrutura do governo brasileiro?

Shanmugaratnam: Certamente estaremos interessados. É encorajador que o governo brasileiro tenha exposto uma visão e um plano para o desenvolvimento da infraestrutura no Brasil. Sabemos que isso não poderá ser realizado de uma vez, é um processo longo. E a participação privada é crítica.

Valor: O GIC [fundo soberano] também estará interessado?

Shanmugaratnam: Ele já é muito ativo no Brasil. Acabou de investir com o BTG Pactual numa rede hospitalar [ Rede D’Or ], o que tem a ver com soluções urbanas. Ou seja, não é só nas áreas “hard” de infraestrutura que estamos interessados, mas também na infraestrutura “soft”, que cria uma melhor qualidade de vida. Não temos recursos naturais. Por isso, nos concentramos em inovação.

Valor: Então Cingapura é uma prova de que ser rico em recursos naturais pode ser uma maldição?

Shanmugaratnam: Se você tratar os recursos naturais como uma vantagem com a qual se capitalizar para o desenvolvimento paralelo do capital humano, isso é o melhor dos mundos. Mas é uma tendência humana, em todo o mundo, quando se descobre uma riqueza, passar a depender dessa riqueza, e só pensar em desenvolver outras capacidades mais tarde.

Valor: Em 50 anos, Cingapura virou uma das economias mais ricas e dinâmicas. Qual é o segredo?

Shanmugaratnam: O segredo é o que sustenta o que se vê na superfície. O que vemos na superfície é um vibrante centro financeiro, um setor industrial avançado, talvez os melhores porto e aeroporto do mundo. Isso é a marca de Cingapura. Mas o que conta é o que sustenta essa vitalidade econômica.

E isso é, em primeiro lugar, a educação da nossa população, em contínuo melhoramento.

E, em segundo lugar, um modelo de desenvolvimento urbano que assegura a integração de pessoas de raças e classe sociais diferentes nos mesmos bairros residenciais. Isso é crítico para a coesão social de Cingapura, mas também é crítico para o nosso avanço econômico. O fato de que todos sintam que têm um interesse próprio no sucesso de Cingapura, que não se trata de ele contra mim, mas de que todos avancemos juntos. Quase 90% da população vive em bairros integrados por vários grupos étnicos e econômicos. Pessoas de mais baixa renda vivem junto de pessoas de classe média-alta. Não há comunidades muradas. Não há muros nem portões. Isso é a fonte, a base social do sucesso de Cingapura.

Valor: O sr. está em São Paulo, um paraíso da segregação social.

Shanmugaratnam: Para ser franco, vocês não estão sozinhos. Muitas sociedades são assim. Os EUA são um exemplo clássico de segregação de fato. Nós decidimos lutar contra o funcionamento natural das sociedades, para juntar as pessoas. Essa é a responsabilidade do governo eleito. Começamos a fazer isso muito cedo. Seria muito mais difícil começar agora. As pessoas vão para as mesmas escolas, recebem educação de alta qualidade, independentemente da sua origem. Buscamos que haja sempre essa interconexão.

Valor: Isso poderia soar como uma proposta de extrema esquerda no Brasil e em muitos países.

Shanmugaratnam: Nossa estratégia econômica é liberal. Usamos os mercados. O mercado de trabalho é extremamente flexível, mas nós provemos o trabalhador médio, o cidadão médio com alguma segurança do lado social. Ele possui a sua casa, seus filhos recebem educação de alta qualidade, e isso assegura que nossa sociedade se mantenha coesa. Essa é a base para ter uma economia flexível. Como estamos abertos ao mercado global, de vez em quando você perde o seu emprego, mas ajudamos para que consiga um novo emprego. Assim, somos economicamente liberais, mas na sociedade achamos que é nossa responsabilidade intervir para tentar minimizar divergências, não só de renda, mas de estilo de vida, que surgem naturalmente na maioria das sociedades.

Valor: E como fazer isso com uma arrecadação fiscal que é de apenas 17% do PIB? No Brasil é de 36%.

Shanmugaratnam: Cingapura é um caso muito interessante nesse aspecto. A arrecadação deve crescer para 18,5% nos próximos anos, pois nossa população está envelhecendo e os gastos com saúde estão subindo. E uma boa parte do gasto público é com defesa, pois somos um país pequeno, circundado por países grandes.

Como fazemos isso? De dois modos. Primeiro, pagamos salários de mercado competitivos para os funcionários públicos. Professores, enfermeiras, servidores em geral são muito bem pagos. Em troca, mantemos a força de trabalho no setor público pequena. Eles são bem pagos, mas têm de justificar seu emprego com base no mérito, no bom desempenho. E, muito importante, todo mundo sabe que não toleramos corrupção, seja ela pequena ou grande. É assim que conseguimos manter o governo enxuto. Ironicamente, para isso você precisa pagar bem as pessoas.

O segundo motivo é que tentamos encorajar a responsabilidade pessoal e das famílias. Muito pouca coisa é de graça em Cingapura. Da escola primária ao hospital, há subsídio do governo, mas você tem de pagar alguma coisa. Os serviços custam dinheiro, e as pessoas precisam valorizar isso. Claro que, para os mais pobres, garantimos que eles sejam capazes de pagar. Mas, para a maioria das pessoas, nada é de graça. O acordo é: nós taxamos você o menos possível e, em troca, quando você consome [um serviço], você paga um pouco. Se você for pobre, nós o ajudamos a pagar.

Valor: Países ocidentais, com taxação elevada, podem competir com países de taxação mais baixa?

Shanmugaratnam: Esse é um enorme desafio para as sociedades ocidentais. Francamente, [taxação baixa] não é para nós uma questão de concorrência internacional, mas de equidade entre gerações.

O Ocidente garantiu direitos sociais significativos para uma geração sortuda que cresceu depois da guerra, nos anos 60 e 70, e que está agora se aposentando com benefícios maravilhosos, mas pelos quais alguém precisa pagar. Isso tem sido financiado por dívida, que só poderá ser paga pela geração mais jovem, que é menor, pois a taxa de natalidade está caindo. Assim, o número de contribuintes não vai crescer. E, mais importante, a renda desses jovens não vai crescer. Isso é extremamente iníquo, pois favorece a classe média e média alta mais velha à custa da geração mais jovem, incluindo a classe trabalhadora. É um grande desafio para essa política, basicamente social-democrata, dos EUA e da Europa.

Em Cingapura, tentamos recompensar ou subsidiar indivíduos de um modo que assegure que a responsabilidade pessoal seja mantida. Comprar uma casa, por exemplo, é um ato de grande responsabilidade. Quando você compra uma casa, tem um estímulo grande para manter o seu emprego, pois precisa dele para pagar o financiamento. E ninguém quer perder a sua casa. Assim, muita responsabilidade deriva disso. Nós asseguramos que mesmo os mais pobres possam comprar a casa. Dos 20% com menor renda, mais de 80% deles têm casa própria.

O uso de recursos do governo para reforçar a responsabilidade pessoal é a essência da nossa estratégia fiscal. No Ocidente, infelizmente, e essa não era a intenção original dos social-democratas, desenvolveu-se uma situação na qual o governo assumiu muito da responsabilidade pessoal

Valor: Como voltar atrás nisso?

Shanmugaratnam: É muito difícil, muito doloroso, e requer liderança política.

Valor: O sr. vê essa liderança?

Shanmugaratnam: Não há uma oferta grande.

Valor: Costuma-se dizer que Cingapura é um país pequeno, fácil de administrar, e que sua experiência não é exportável. É verdade?

Shanmugaratnam: É verdade. Um país como o Brasil tem desafios imensos, que derivam de uma grande população, de muita gente ainda estar indo do interior para as cidades, o que leva à superpopulação das metrópoles. Todos precisamos ter um pouco de humildade ao avaliar se lições podem ser exportadas de um país para o outro.

Mas isso não significa que nenhuma lição seja aproveitável. Cingapura é um exemplo de um país que não inventou muita coisa, em políticas econômica e social. Tudo o que fizemos implicou estudar o resto do mundo, tenta aproveitar as lições e se possível fazer melhor.

Nós somos pequenos, o que é uma vantagem. Mas nós somos pequenos, o que é uma desvantagem. Temos um mercado interno muito limitado. Isso nos forçou a olhar para fora, o que acabou se tornando uma força de Cingapura. Continuamos buscando modos de sermos melhores que nossos concorrentes, de adicionar valor para o consumidor global.

Valor: O modelo político ocidental é um problema, já que tende a ser mais instável que na Ásia?

Shanmugaratnam: O problema não é a democracia, que continua sendo o sistema político mais sustentável no mundo moderno. Os problemas são o curto-prazismo e o populismo. A democracia não deveria ser isso, mas está se tornando cada vez mais assim. Não há nenhum razão pela qual os políticos devam pensar só no curto prazo e esconder das pessoas os desafios de longo prazo. Isso requer liderança política e cultura política.

Valor: Mas populismo e curto-prazismo ajudam a se eleger?

Shanmugaratnam: Há uma tentação, infelizmente mais comum atualmente, de se eleger com base em promessas de curto prazo. Mas isso não dura para sempre. Em algum momento você tem de pagar pelas promessas. É essa a dor que boa para do Ocidente está tendo de enfrentar agora. A Grécia está sofrendo de um modo particularmente agudo. Há países que não estão em situação tão quente como a da Grécia, mas estão em fervura lenta, uma hora terão de pagar pelo que foi prometido.

Valor: Isso inclui o Brasil?

Shanmugaratnam: Não conheço a situação brasileira bem o bastante para comentar. O país tem desafios, mas as economias emergentes tendem a conseguir se ajustar mais rápido que economias avançadas.

Muitos países exageraram, pensaram que, se algo podia ser feito no Ocidente, podia ser feito aqui também. Esse foi um grande erro do Ocidente: a exportação de lições erradas da social-democracia, em lugar das boas lições. A social-democracia é um sistema muito bom na sua versão original, que respeita o trabalho duro, respeita a responsabilidade pessoal e das famílias. A principal função do governo era a redistribuição, numa economia de mercado, sem minar a responsabilidade pessoal.

Valor: Quais são os maiores riscos hoje na econômico mundial?

Shanmugaratnam: A minha maior preocupação é que respondemos a uma crise sem precedentes com uma dependência exagerada de instrumentos de política monetária. Isso trouxe alguns benefícios, mas ter taxa de juros zero e uma quantidade significativa de liquidez por um longo período tem um custo. Houve uma busca grande por rendimento, incluindo dinheiro que fluiu para as economias emergentes e para instrumentos muito arriscados. E a busca exagerada por rendimentos normalmente não termina muito bem. Quanto mais continuarmos nesse sistema, maior será o custo potencial ao longo do tempo, sem que isso aumente muito os benefícios para a economia real.

Em segundo lugar, e isso é muito importante, um resultado desse exagero de política monetária foi o adiamento de reformas estruturais na Europa, no Japão e mesmo nos EUA. E que são necessárias, pois as fraquezas estruturais foram sendo construídas antes da crise. A crise é a oportunidade de corrigir isso. Houve alguma melhora, impressionante em países como Espanha e Itália, mas em geral as reformas ficaram para trás. Mesmo nas economias emergentes.

Valor: Que reformas o sr. citaria como prioritárias?

Shanmugaratnam: Primeiro, abrir os mercados para comércio e investimento é do interesse das nossas economias e certamente das economias emergentes. É assim que os recursos vão para as áreas em que somos mais fortes. O cidadão médio se beneficia de produtos mais baratos e de poder trabalhar em setores e empresas que são realmente competitivos. Ele se beneficia tanto como consumidor quanto como trabalhador.

Em segundo lugar, a reforma dos mercados de trabalho. A Europa tem o famoso problema dos insiders e outsiders, no qual jovens, mulheres e minorias têm muita dificuldade de achar emprego porque há uma tremenda proteção àquelas que já têm emprego. Infelizmente, muitas economias emergentes foram nessa direção, e o desemprego é muito maior do que precisaria ser. Temos de tornar o mercado de trabalho mais flexível como estratégia de igualdade. E tentar mitigar a insegurança que as pessoas sentem como resultado disso apoiando-as no lado social, dando a elas educação, treinamento, alguma forma de proteção social, mas permitindo aos mercados funcionarem de forma eficiente.

Valor: Cingapura é uma das economias mais abertas e mais livres, segundo todos os rankings, e o Brasil, uma das mais fechadas e não livres. Por onde se começa a abrir?

Shanmugaratnam: Muitos investidores ficaram encorajados com as medidas de relaxamento que já vimos [por parte do Brasil]. O investimento do GIC numa rede de hospitais só foi possível por causa da revogação da limitação de investimento estrangeiro no setor. Os meus cinco dias no Brasil me deixaram com sensação de otimismo. O Brasil vai encontrar o seu caminho em meio às dificuldades. E as companhias brasileiras agora querem tirar vantagem da Ásia, que é uma enorme fonte de crescimento. Se você olhar a classe média global, a Ásia hoje tem 30%. Em 2020, a expectativa é que tenha 60%. Haverá um tremendo crescimento do mercado, e as empresas brasileiras podem se aproveitar disso. As ligações entre a América Latina e a Ásia são das mais fracas internacionalmente e têm grande potencial de crescimento. E Cingapura se oferece como uma entrada para a Ásia. Isso não é só um discurso oficial. É o que as próprias empresas que estão ali percebem.

 

 

 

Fonte: Valor Econômico

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