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Adequação da água consumo humano

Adequação da água para consumo humano: capacidades e exigências

Adequação da água consumo humano

Por: Cassiano Gonçalves Simões do Carmo

A demanda de consumo de água individual é muito semelhante à demanda do uso dos recursos hídricos para seus vários usuários, depende de quantidade e qualidade.

A Política dos Recursos Hídricos se estrutura positivamente sem dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade, mas será que na prática isso de fato ocorre?

Cabe certo ceticismo em observar que a quantidade, atual e praticamente, recebe maior peso. Ao menos isso é amparado pela Política Nacional do Saneamento Básico. Com certa segurança na esfera da qualidade para o uso mais essencial: o consumo de água potável.

Panorama geral sobre potabilidade no Brasil e no Mundo

A trajetória da evolução dos padrões de potabilidade da água no Brasil é complexa e rica em nuances. Esta evolução, assim como em qualquer processo adaptativo, foi influenciada pelas pressões exercidas (exigências) e pelas respostas disponíveis (capacidades).

Até a atualização do atual ordenamento jurídico brasileiro, pela Constituição de 1988, o Brasil se orientou nessa matéria por meio do Decreto Federal nº 79.367, publicado em 9 de março de 1977, marco importante na definição dos padrões de potabilidade da água no Brasil. Este decreto levou à criação da Portaria nº 56 Bsb, datada de 14 de março de 1977. Esta portaria não apenas estabeleceu os padrões de potabilidade da água, mas também atribuiu a responsabilidade de supervisão e controle ao Ministério da Saúde em âmbito nacional.

Este decreto levou à criação da Portaria nº 56 Bsb, datada de 14 de março de 1977.

Sob o novo ordenamento, a primeira norma a tratar sobre os padrões de potabilidade foi a Portaria nº 36 GM, publicada em 19 de janeiro de 1990, que marcou um importante avanço na legislação sobre a qualidade da água, sendo assim revogando a anterior. A Portaria nº 1469 surge uma década depois, em 29 de dezembro de 2000. A portaria nº 518 de 25 de março de 2004 atualizou a de 2000. Em seguida, a de 2004 foi atualizada sete anos depois pela nº 2.917 de 12 de dezembro de 2011, provendo novos parâmetros químicos, a inclusão de alguns agrotóxicos, metais e parâmetros microbiológicos.

As portarias publicadas da última década foram: a extensa Portaria de Consolidação Nº 5, de 28 de setembro de 2017, tendo em seu Anexo XX a disposição dos padrões de potabilidade; e a vigente Portaria GM/MS Nº 888, de 4 de maio de 2021. A cada nova publicação de portaria, estabeleciam-se diretrizes mais rigorosas para o controle e a vigilância. Assim como um maior rigor nos parâmetros de qualidade da água destinada ao consumo humano.

Adequação da água consumo humano

Um fator em comum, entre todas as atualizações, que inclusive às fez surgirem, foi a evolução da concepção sobre o que vem a ser água adequada para consumo humano; por meio da identificação de novos poluentes e das concentrações nocivas dos novos e já identificados; e métodos de tratamentos, por meio de insumos de maior qualidade e novas técnicas de tratamento das estações, novas ou já existentes. Dando atenção às datas das publicações, é possível identificar que há um certo estreitamento entre os anos de cada atualização ao passar do tempo.

Será que esse padrão seguirá ao longo dos próximos anos?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) é a entidade que estabelece as normas internacionais sobre a qualidade da água e a saúde humana. Essas diretrizes são usadas como base para a regulamentação e definição de padrões em todo o mundo. Ainda, cabe reconhecer sua influência na própria evolução dos padrões brasileiros, por meio de instruções, divulgação de informação e métodos, e ainda por pressão à mudança nacional dos parâmetros e concentrações abrangidos.

Dentre os padrões de potabilidade dos países desenvolvidos, destacam-se os da Austrália, Estados Unidos, e dos pertencentes e adeptos às normas da União Europeia. A União Europeia apresenta valores que são sugeridos para os países do Bloco, que podem esses optar por maior abrangência e exigência dos padrões apresentados. No geral, esses países apresentam maiores restrições em seus padrões de potabilidade que as apresentadas pela própria OMS. Esses também são dirigentes no controle dos poluentes emergentes, compostos por desreguladores endócrinos e perfluoroalquiladas, e também dos micro e nanoplásticos.

Qual o fator em comum que leva esses países a possuírem padrões mais rigorosos? Seria uma maior preocupação com a saúde da sua população, por meio do conhecimento da existência de poluentes e de seus danos à saúde? Seria maior disponibilidade de recursos para investimento em infraestrutura, tecnologias para tratamento e análises rotineiras necessárias, que são dispendiosas?

O que se pode extrair disso, ao menos, e importar para o Brasil, sem quaisquer custos, é o conhecimento da existência dos poluentes, não contemplados pelas normas nacionais, e os seus efeitos à saúde.

Métodos e tecnologias para o tratamento da água potável

O tratamento de água potável é um processo complexo que envolve diversas etapas que ao longo do tempo foram aperfeiçoadas com os avanços científicos e por melhores tecnologias que se tornando mais acessíveis. Sob os moldes convencionais, os processos seriam, de maneira geral, coagulação e floculação; sedimentação; filtração; e desinfecção. A maioria das estações de tratamento de água foram projetadas e construídas há décadas atrás e para contemplarem horizontes relativamente longos de anos de projeto, tanto no Brasil quanto no mundo. Essas foram projetadas para tratar a água sob os moldes convencionais. Durante esse processo, houve grandes quantidades de alocação de recurso financeiro e de áreas, além de atualmente servirem de maneira consolidada o abastecimento de água das cidades, sem possibilidade de longas intervenções em suas estruturas.

Contudo, as potencialidade para os serviços de abastecimento já são abastadas por tecnologias avançadas. Mas não suficientemente para substituir em massa os métodos convencionais. Ou será que já seriam?

Os tipos de tratamento avançado são vários, podendo destacar: nanofiltração; osmose reversa; uso de carvão ativado; processos oxidativos avançados; e ozonização. Dependendo de cada objetivo, utilizam-se esses tratamentos. Por exemplo, em casos de tratamento para o reuso da água para fins potáveis, dessalinização e até tratamento de efluentes, domésticos e industriais. Naturalmente, pela composição das estruturas, complexidade de produção e insumos necessários para operação desses tipos de tratamento, esses se apresentam com um custo consideravelmente superior aos métodos convencionais.

Mas porque se empregaria tais métodos para tratar, por exemplo, um manancial superficial com abundante água doce? Justamente porque só recentemente, depois da instalação da massiva quantidade de estações de tratamento convencionais, que identificaram os poluentes de escala micro e nanométrica que são nocivos à saúde.

Acesso à água e seu tratamento: qualidade e quantidade

É mais precisamente neste campo que, materialmente, há a dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade. No Brasil, no último dado divulgado pelo SNIS, em 2021, 33 milhões de pessoas não contam com o serviço de abastecimento de água. No caso do país, em que o serviço de abastecimento ainda nem é universalizado, como se cogitar o aumento das exigências da qualidade de água para consumo, pelos padrões de potabilidade? Neste caso, é natural que aloquem os recursos financeiros disponíveis para expansão da cobertura, visando-se mais quantidade do que a qualidade. A qualidade, nessa circunstância, acaba por ficar em segundo plano.

Mas e nos casos em que já há a universalização do serviço de abastecimento? Passivamente esperarão à exigência pelo possível estreitamento dos padrões posteriormente à universalização – que deveria ocorrer em 2033? Poderiam, individualmente, inspirar tratar ainda mais a água do que é exigido?

Quem vem primeiro: a capacidade ou a exigência?

No complexo mundo dos serviços públicos e da regulação, a questão de quem vem primeiro – a capacidade ou a exigência – é um tema de debate contínuo. É possível argumentar que a capacidade deve preceder a exigência. Os prestadores deveriam desenvolver a maestria das exigências atuais, antes que se exija mais eficiência dos serviços prestados?

Também é possível argumentar que é a exigência que impulsiona o desenvolvimento da capacidade. A necessidade de atendimento das exigências é o que o impulsiona os prestadores do serviço público a se desenvolveram para tal atendimento. Sem exigências ou demandas, não há forças externas para elevar a qualidade do serviço prestado. A regulação deveria ser mais rigorosa para fomentar os avanços na qualidade dos serviços prestados?

Talvez a resposta esteja em algum lugar no meio. Talvez a capacidade e a exigência sejam como a alusão ao ovo e galinha – de quem origina o outro -, cada uma impulsionando a outra em um ciclo contínuo de melhoria e desenvolvimento. Mas no fim, o que todos esperam é poder abrir a torneira com segurança de que irão receber água. E que essa seja fonte de saúde, e não de danos.

  • Cassiano Gonçalves Simões do Carmo
  • Engenheiro Sanitarista e Ambiental, pela Universidade Federal de Santa Maria
  • Mestre em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos, pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
  • Pesquisador em Gestão de Perdas de Água
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