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Articulação para retirar saneamento da ANA entra na transição; especialistas reagem

Articulação para retirar saneamento ANA

Por Amanda Pupo:

Chegou ao novo governo a articulação para que a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retire da Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) a missão de editar diretrizes regulatórias do Novo Marco Legal do Saneamento. A ideia é liderada pelo advogado Wladimir Ribeiro, que tem assessorado o GT de Cidades na transição, do qual participa o deputado federal eleito Guilherme Boulos (PSOL). Ao Broadcast, Ribeiro defendeu a retirada das atribuições da ANA a edição de normas de referência para o saneamento e seja alocada no Ministério das Cidades, que será recriado no governo Lula.

O desejo, contudo, encontra forte resistência em parcela importante do setor, que vê retrocesso na medida, encarada como um ataque ao modelo instaurado pelo marco legal do saneamento aprovado pelo Congresso em 2020. “Tirar da ANA a competência de regulação e transferi-la para o ministério significa ferir de morte o novo marco do saneamento”, disse o economista e ex-presidente da Sabesp Gesner Oliveira.

Com mais de 80 agências reguladoras espalhadas pelo País, a prestação de serviços de água e esgoto sofre historicamente com a fragmentação de regras regulatórias – que interferem em temas como cobrança tarifária. O cenário, junto da antiga lei que possibilitava que estatais fechassem contratos com municípios sem licitação, afugentou o investimento privado no saneamento. Para tentar dar mais segurança jurídica e solucionar o atraso, simbolizado por quase metade dos brasileiros que ainda vivem sem acesso à rede de esgoto, o marco de 2020 atribuiu à ANA a missão de editar normas de referência para orientar o trabalho dos órgãos que regulam os contratos de água e esgoto.

Articulação para retirar saneamento ANA

Advogado que tem histórico de atuação junto a estatais de saneamento, Ribeiro afirma que sempre foi contrário a atribuir esse papel à ANA. Para ele, que foi consultor do governo Lula na elaboração da Lei de Saneamento Básico, de 2007, a função deveria ser exercida por um órgão nacional supervisor de regulação. Na sua ausência, portanto, caberia ao ministério setorial editar normas de referência para as agências subnacionais. Assim, haveria mais “apoio e convergência” da política pública com a regulação, avaliou. “Quem faz política pública tem que ter o cuidado de preservar o espaço da regulação e, do outro lado, dizer em que medida essa regulação, dentro do espaço autônomo, como pode contribuir para o sucesso da política pública”, disse.

Enquanto Ribeiro vê como positivo o entrosamento entre a política pública e a regulação, especialistas e integrantes do mercado ouvidos pelo Broadcast, como o ex-presidente da ANA Jerson Kelman e o expresidente da Sabesp Gesner de Oliveira, enxergam a combinação como danosa. Na mesma linha, o advogado Maurício Portugal, especializado em aspectos regulatórios, aponta que deixar a função exercida hoje pela ANA – um órgão regulador autônomo – para um ministério permitirá “interferência política” em um tema que deveria ser eminentemente técnico.

“Um telefonema de um prefeito [as prefeituras são as titulares dos serviços de saneamento] para um ministro pode mudar a edição de uma norma, por exemplo. Enquanto o que queremos é que essas normas sejam feitas de forma robusta, técnica, com equipe imunizada de questões políticas”, afirmou Portugal, integrante da equipe que redigiu o projeto que se tornou a Lei de PPPs (2004).

Questionado sobre resistências à ideia de retirar a competência da ANA, Wladimir Ribeiro disse existir uma “confusão” entre supervisão regulatória e regulação de fato, alegando que a ANA “entendeu mal” seu papel, sentindo-se uma “superreguladora”. Ele alega que a ANA não tem capacidade de dialogar com os demais atores do setor para elaborar normas que reflitam a realidade do País e tenham convergência com a política escolhida pelo governo. Se o papel ficar no ministério, as diretrizes seriam produzidas sob “acordos”.

“Porque vai se produzir acordo, e vai se respeitar os contratos, [com ministério perguntando] ‘o que vocês acham que tem que ter na norma de referência que abranja a realidade tão diversa que todos vocês tem’?”, citou. “Como a ANA vai fazer interface da política pública com a regulação se a política pública está no ministério?”, disse o advogado. Segundo ele, a primeira norma de referência para o setor foi publicada no governo Temer pelo extinto Ministério das Cidades, relativa à elaboração dos estudos de viabilidade técnica e econômico-financeira que norteiam os contratos de saneamento. “É [a norma] mais importante. A questão é devolver ao ministério o que já era dele. Então, a tendência é essa”, disse.

Assim como Maurício Portugal, Jerson Kelman – também ex-diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e ex-presidente da Sabesp – vê problema na avaliação de que as normas de referência deveriam sopesar o componente político. “O regulador precisa, no horizonte de tempo, ver vários anos à frente. O tempo total da concessão. Mas aí imagina que o governo avalia que há problema inflacionário e que é necessário reduzir as tarifas. Aí, se trabalha num método de cálculo tarifário, uma orientação geral que congele a tarifa, num exemplo mais caricatural. Isso é interesse do governo de plantão”, citou Kelman, que ajudou na elaboração do programa de governo de Simone Tebet (MDB-MS), ex-candidata à Presidência e que apoiou Lula no segundo turno e é cotada para assumir um ministério no novo mandato do petista.

O economista Gesner Oliveira segue a mesma avaliação, ao considerar que a regulação é assunto de Estado, e não de governos. “Porque no fundo você está tratando de interesses intergeracionais.

O regulador deve achar um equilíbrio entre os consumidores do presente e do futuro”, disse Oliveira.

Ele também dá como exemplo a política tarifária, que no saneamento é afetada por decisões políticas com frequência, algo que o marco legal tentou combater. “Se o regulador baixar muito a tarifa agora, os consumidores do presente ficarão contentes, mas os do futuro irão perder”, disse o ex-presidente da Sabesp, para quem retirar o papel da ANA no saneamento representaria um “retrocesso de 30 anos”.

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Fonte: Broadcast.

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