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Carbono no Tratamento de Esgoto

Análise da pegada de carbono no Tratamento de Esgoto

Por Juliana Neves – Consultora na HydroInfo | Engenharia Química | Tratamento de Efluentes | Modelagem e Simulação de Processos – 03/2023

RESUMO: Você sabia que é possível contribuir para uma menor pegada de carbono otimizando seu processo de tratamento de esgoto? Neste artigo, descrevo um pouco mais sobre as possíveis fontes de gases de efeito estufa em uma ETE e como podemos quantificar e minimizar essas emissões.

Com o crescente debate sobre medidas ESG (Environmental, Social and Governance) voltadas à sustentabilidade, as questões relacionadas às mudanças climáticas têm sido alvo de muitas pesquisas e iniciativas empresariais atualmente. As responsáveis pela área de tratamento de efluentes, mais recentemente, também têm voltado a sua atenção para essas questões e com razão. De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) [1], o setor de resíduos (que inclui o tratamento de esgoto) foi responsável em 2020 por 4% das emissões totais de gases de efeito estufa no Brasil e cerca de 16% das emissões de metano (CH4).

Vale ressaltar que a existência do tratamento de efluentes em si não é a fonte do problema neste cenário, mas sim as escolhas de determinadas rotas tecnológicas e a falta de otimização de processos já existentes para a mitigação de emissões de GEE.

A realização de análises mais detalhadas sobre as principais fontes de emissão em uma ETE tem uma grande importância nesse contexto, tendo em vista a possibilidade de identificar gargalos e oportunidades de melhoria para a gestão, tanto no quesito de eficiência quanto em redução de custos.

Portanto, em estudos para identificar essas fontes e quantificar essas emissões, os principais pontos avaliados geralmente são:

Emissões de CO2, N2O e CH4 a partir de tratamento biológico

Diferentes métodos de tratar o efluente apresentam diferentes gerações de GEE e em proporções variáveis. Em tratamentos biológicos, essas emissões são geradas a partir, por exemplo, de processos de decaimento endógeno, da oxidação da matéria orgânica biodegradável e da remoção de nitrogênio. Sendo assim, processos anaeróbios também apresentam uma contribuição importante nas emissões devido à geração de metano pelas reações biológicas envolvidas. Portanto, incluir essas etapas no cálculo da pegada de carbono da ETE é fundamental, sendo relevante considerar não somente a linha de tratamento do efluente, mas também os processos de tratamento do lodo e da rede coletora de esgoto.

Consumo de energia elétrica

O uso de bombas, difusores para aeração, agitadores, entre outros equipamentos utilizados em uma ETE tem uma contribuição nas emissões de GEE que, a depender do caso, pode ser relevante. A fonte de energia elétrica utilizada pelas companhias fornecedoras de energia é um fator que altera o impacto dessa contribuição, tendo em vista que a geração derivada de fontes renováveis apresenta emissões consideravelmente menores do que fontes fósseis, por exemplo. No Brasil a matriz elétrica é composta por mais de 82% de fontes renováveis [2], o que é um diferencial frente à realidade internacional. Com isso, os fatores usualmente empregados para o cálculo de estimativas de emissões de GEE podem ser diferentes dos encontrados em algumas literaturas.

Transporte

Apesar de a matriz elétrica brasileira ser composta majoritariamente por fontes renováveis, a matriz energética ainda apresenta cerca de 52% de fontes não renováveis [2]. Diferentemente da elétrica, a energética inclui também gastos com veículos, por exemplo, o que ainda prevalece a utilização de combustíveis fósseis. Em ETEs, o fornecimento de reagentes químicos, transporte do lodo e de materiais em geral têm. Portanto, uma contribuição no cálculo de emissões do processo, ainda que não seja usualmente a maior parcela de impacto.

Uso de produtos químicos

Em relação a processos nos quais ocorre a aplicação de produtos químicos (como coagulantes e agentes de desinfecção), as emissões são calculadas como fontes indiretas e são principalmente provenientes do seu processo de síntese e de transporte [3,4]. Contudo, essas emissões nem sempre são consideradas no cálculo, a depender da quantidade de produtos utilizados em cada processo e dos critérios da análise realizada.

Destinação do lodo

Um outro ponto avaliado na análise de fontes indiretas é o destino do lodo gerado pelo processo. No Brasil, esse produto geralmente é direcionado para descarte em solo, sendo em sua maioria em aterros sanitários. Há também a possiblidade de reaproveitamento do lodo como fertilizante para a agriculta e uma pequena parcela atualmente é destinada à incineração [5]. Cada uma dessas finalidades apresenta um potencial diferente de geração de GEE, o que deve ser avaliado para cada caso.

Contudo, é importante mencionar que, em uma análise de redução de GEE em ETEs, a busca pela redução da própria geração de lodo deve ser um primeiro objetivo antes de se pensar em diferentes destinos, tendo em vista indicações da Política Nacional de Resíduos Sólidos (lei nº 12.305/2010) com relação à gestão integrada e gerenciamento num geral de resíduos sólidos. Apesar de atualmente não ser a realidade no país, a ordem de prioridade deve ser “não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos” [6].

Produção e utilização de biogás

Este ponto é particularmente relevante de ser mencionado por conta da possibilidade de ocorrer uma contabilização positiva ou negativa das emissões relativas a este processo. O impacto da produção de biogás pode ser algo prejudicial ao meio ambiente, porém, caso não seja aproveitado e seja liberado sem tratamento para a atmosfera. Por outro lado, a sua produção pode ser uma oportunidade de aplicação de conceitos da economia circular no processo. O biogás tem um excelente potencial de ser utilizado como um biocombustível para geração de energia tanto elétrica quanto térmica, podendo ser reaproveitado para a própria manutenção da ETE [7]. Dessa forma, em um cenário ideal, a sua produção pode tornar o processo autossuficiente em energia, não necessitando de alimentação por parte de fontes externas.

Fonte: https://doi.org/10.1016/j.ese.2022.100180

Além do que foi citado, porém, demais fontes de emissões de GEE podem ser elencadas e analisadas em um estudo de estimativa da pegada de carbono de um processo. Mas, de uma forma geral, os pontos descritos são fundamentais para realizar um cálculo adequado.

Para a quantificação do resultado, portanto, hoje já existem diversas ferramentas disponíveis no mercado que podem auxiliar nesta avaliação.

No entanto, especificamente para ETEs, as opções ainda são limitadas. Sendo assim, uma das alternativas possíveis seria a utilização de simuladores de processo que aplicam modelos numéricos capazes de mensurar tanto as emissões provenientes do tratamento realizado quanto dos demais pontos elencados neste artigo.

O software WEST, desenvolvido pela DHI, é uma das ferramentas disponíveis no mercado que apresentam essa capacidade de análise a partir da simulação de um processo. Após realizar uma calibração adequada com dados do processo e atingir uma representação numérica satisfatória, uma análise sistêmica de toda a cadeia de operações é feita pelo modelador e então uma estimativa da contribuição de cada fonte geradora é calculada pelo software. A partir disso, o usuário é capaz de identificar possíveis gargalos nas operações diárias, visando priorizar a inclusão de atividades, processos e/ou equipamentos que possam contribuir para a redução das emissões.

Resultados de simulação utilizando o software WEST (DHI) para avaliação da pegada de carbono de um processo.

Para mais informações sobre o software WEST para modelagem e simulação de estações de tratamento de efluentes, você pode entrar em contato. Acompanhe também a página da HydroInfo (representante oficial da DHI no Brasil).

Referências:

[1] – Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG)

[2] – Empresa de Pesquisa Energética. Matriz Energética e Elétrica. Ministério de Minas e Energia, Governo Federal, Brasil.

[3] – SNIP, Laura. Quantifying the greenhouse gas emissions of wastewater treatment plants. Thesis project Systems and Control – MES (Environmental Sciences). Wageningen University, Agrotechnology and Food Sciences, The Netherlands. 2010.

[4] – SHAHABADI, M. B.; YERUSHALMI, L., HAGHIGHAT, F. Estimation of greenhouse gas generation in wastewater treatment plants – Model development and application. Chemosphere, Volume 78, Issue 9, 2010, p. 1085-1092. DOI: https://doi.org/10.1016/j.chemosphere.2009.12.044

[5] – KRAHEMBUHL, C. B. B. P.  Emissão de gases de efeito estufa na disposição final de lodo de esgoto. Dissertação de Mestrado em Agricultura Tropical e Subtropical, Área de Concentração em Gestão de Recursos Agroambientais. Instituto Agronômico, Programa de Pós-Graduação em Agricultura Tropical e Subtropical. Campinas, 2021. Disponível em: https://www.iac.sp.gov.br/areadoinstituto/posgraduacao/repositorio/storage/pb247618.pdf

[6] – Política Nacional de Resíduos Sólidos – Lei nº 12.305/2010.

[7] – OLIVEIRA, B. V. S. Avaliação da eficiência energética em estações de tratamento de esgotos sanitários: Estudo de caso no município de Jaraguá do Sul. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Tecnológico, Graduação em Engenharia Sanitária e Ambiental, Florianópolis, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/195594/TCC%20Bruno%20Vinnicius%20Souza%20de%20Oliveira.pdf?sequence=1&isAllowed=y

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