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A atuação do Sistema de Controle Interno e sua relevância nas Agências Reguladoras de Saneamento Básico

Resumo

Pela presente pesquisa, foram trazidas à discussão os fatos sociais, políticos e econômicos que culminaram na necessidade de se estabelecer um Estado Regulador e sua atuação na prestação dos serviços públicos de saneamento básico, por meio das agências reguladoras. Outrossim, de maneira detalhada, foi exposta a importância, finalidade e necessidade do controle das organizações públicas, como fundamento do exercício da democracia; bem como suas espécies, que também são afetas às agências reguladoras, em que pese sua independência e autonomia; quais sejam, o Controle Externo e o Controle Interno, este foco do presente estudo.

Na sequência, foram apresentados os conceitos que relacionam a abrangência de um Sistema de Controle Interno e seus componentes, especialmente a Gestão de Riscos e os controles internos, à Governança. Por fim, por meio de pesquisa de campo efetivada junto às Agências Reguladoras de Saneamento Básico, foi avaliada a atuação do Sistema de Controle Interno nessas agências, concluindo-se que, haja vista que não demonstraram possuir níveis adequados de controles internos, conforme padrões internacionais de avaliação; necessitam fortalecer o seu próprio Sistema de Controle Interno, que se demonstrou relevante para se efetivar uma boa governança e atingir os objetivos organizacionais, que se traduzem em garantir a efetividade e a qualidade da prestação dos serviços de saneamento básico, com incentivo à universalização. Por fim, foram apresentadas recomendações para a instituição de um adequado Sistema de Controle Interno nas Agências Reguladoras de Saneamento Básico.

Introdução

A atuação das agências reguladoras dentro dos limites legal e constitucionalmente obrigatórios, cujo objetivo é impedir ilegalidades e desvios nas suas atuações, garantindo maior legitimidade e efetividade a elas. Como espécie de Controle Externo, tem-se o realizado pela própria sociedade, chamado de Controle Social ou Popular, que se dá por meio de diversos instrumentos de participação, capazes de trazer maior legitimidade democrática ao processo decisório das agências, como as consultas e audiências públicas, de caráter prévio, e também outros, como a Ação Popular, mais coercitiva e efetivada com o auxílio do Poder Judiciário.

Tem-se também o controle externo exercido pelo Poder Legislativo, realizado pelas casas parlamentares, como a Câmara dos Deputados e Senado, na esfera federal, que se divide em duas modalidades: o Controle Político, que analisa as decisões administrativas, observando a adequação quanto ao mérito, oportunidade e conveniência, conforme o interesse público, e utiliza instrumentos como as CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) e a sustação de atos normativos do executivo; e o Controle Financeiro, que tem por objeto a fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial do ente, e é exercido com auxílio dos Tribunais de Contas.

Os Tribunais de Contas, por sua vez, detêm várias outras competências exclusivas de controle externo, como emitir parecer prévio sobre a prestação de contas do chefe do Poder Executivo e julgar as contas dos demais administradores e responsáveis por recursos financeiros, bens e valores públicos. Têm competência de, por iniciativa própria, realizar inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades administrativas dos três poderes, e, vem se destacando, através dos anos, no aperfeiçoamento de seus métodos de controle, utilizando-se de modo muito mais frequente, das inspeções e auditorias operacionais em seus trabalhos, que procuram aferir o desempenho da gestão de um programa, atividade ou organização e seus resultados, subsidiando mecanismos de responsabilização por esse desempenho. Impende salientar que esse tipo de auditoria vem sendo muito utilizada pelos Tribunais de Contas para controlar as atividades e atos das agências reguladoras.

Como outra espécie de Controle Externo, há o controle jurisdicional, exercido pelo Poder Judiciário, que, quando provocado, verifica a legalidade dos atos regulatórios, mas sob a égide de outros princípios, como o da moralidade, eficiência, economicidade, impessoalidade, entre outros. Para o exercício desse controle, há vários instrumentos constitucionalmente previstos, como o habeas data, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, Ação Popular e Ação Civil Pública, em que o Ministério Público tem grande relevância, no ajuizamento de ações em defesa dos interesses sociais e individuais, e da ordem jurídica. Destaca-se que, conforme JUSTEN FILHO (2002), independentemente da instauração do processo judicial, o Ministério Público pode instaurar inquérito civil público, em que colherá provas e informações atinentes ao desempenho das funções próprias das agências reguladoras. Por outro lado, originado do poder geral de autotutela da administração, que pode e deve rever seus atos em caso de desvio de legalidade ou finalidade, tem-se o controle exercido pelo Sistema de Controle Interno, foco do presente trabalho, que, no caso das agências reguladoras, seria o mantido pelo Poder Executivo ao qual estão vinculadas.

O Sistema de Controle Interno do Poder Executivo, também chamado de Controle Interno Governamental, integra a sua própria estrutura, servindo-lhe de suporte, oferecendo ao titular do governo e seus delegados, por meio de medidas de controle, gerenciamento de riscos e procedimentos de auditoria, maior segurança nas tomadas de decisão para a execução de metas, programas, avaliação de resultados, entre outros, e apoiando o controle externo no exercício de sua função. Assim, o controle interno é um mecanismo para reduzir o risco da organização, de não atingir os seus objetivos, a um nível aceitável. Frise-se que o gerenciamento de riscos e a implantação de controles internos é o paradigma vigente mundialmente e é seguido e incentivado por grandes organismos multilaterais como o Banco Mundial (BIRD), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre outros. Assim, a função do Sistema de Controle Interno é exercer um trabalho coordenado, com clara definição de responsabilidades, de modo a garantir que os processos de riscos e de controles sejam conduzidos a maximizar as possibilidades de a organização atingir seus objetivos, o que é uma boa prática de governança.

Importa destacar que, em 2016, o Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal não foi considerado adequado pelo Tribunal de Contas da União – TCU, conforme Relatório de Levantamento1 que deu origem ao Acórdão TCU-Plenário nº 1171/2017, que apontou carecer o sistema de aderência às Normas Internacionais de Auditoria Interna, no clareamento de papéis, responsabilidades e procedimentos de controle, especialmente na gestão de riscos. Tal situação, presume-se, deve ser ainda mais crítica nos poderes executivos estaduais e municipais, que, em grande medida, estabelecem seus processos a reboque do poder executivo federal.

Como exposto anteriormente, as agências reguladoras, por sua vinculação com o Poder Executivo, teoricamente, integram o seu Sistema de Controle Interno. Mas também, sabe-se que as agências possuem independência decisória e autonomia administrativa e financeira, atributos necessários à sua atuação e estabelecidos para que mecanismos de interferência política não se sobreponham a excelência técnica e capacidade de conciliar interesses múltiplos e, por vezes, conflituosos, inerentes e esperados nas atividades que exercem e para as quais foram criadas. Essa situação, somada à já destacada deficiência estrutural do Sistema de Controle Interno como um todo e à lacuna de normatização e obscuridade doutrinária da questão, faz com que, nas agências de serviços de saneamento básico não disponham desse sistema ou quando existentes, tem pouca efetividade, o que gera maior risco do não atingimento de objetivos organizacionais. Ademais, essas agências são recentes no ordenamento jurídico e regulam serviços de competência dos municípios, os entes da federação que mais sofrem com falta de recursos e estrutura. Assim, em decorrência dessa indefinição, as ações de controle interno das agências reguladoras carecem de melhor estrutura e estabelecimento de procedimentos, baseados em estudos científicos e normatização, para serem mais eficientes e eficazes; de modo que, além de proporcionar, com o desempenho otimizado, maior segurança no cumprimento dos objetivos organizacionais; as formas de controle externo, consignadas anteriormente, no cumprimento dos seus papéis, não sejam frequentes e acabem por fazer com que as agências atrasem ou cancelem seus projetos, consumindo mais de seus poucos recursos; por não terem observado ou identificado previamente, por ações de Controle Interno, riscos e resposta adequada a eles, e oportunidades de melhoria ou falhas em seus processos regulatórios ou administrativos.

Quanto a ações de controles externos em agências reguladoras; foi constatado2 que, somente em 2014, o Tribunal de Contas da União emitiu 159 julgados que envolviam decisões normativas ou processos relacionados a agências reguladoras federais, dos quais aproximadamente 75% resultaram em aceite de recomendações do egrégio tribunal; o que, certamente, ocasionou, no âmbito dessas agencias, maior consumo de recursos em alterar, refazer ou cancelar processos, muitas vezes já finalizados. Certamente, ações adequadas de controle interno poderiam contribuir para que esse número não fosse tão expressivo como se apresenta. As agências reguladoras foram criadas originalmente para fiscalizar a prestação de serviços públicos exercida pela iniciativa privada, ou que recebam seus recursos, após processos de privatização das empresas estatais e instituição da concessão dos serviços públicos no Brasil, oriundos da Reforma do Estado ocorrida nos anos 1990 e que implementou a administração pública gerencial. A regulação, além de controlar a qualidade na prestação do serviço, estabelece regras para o setor regulado e envolve medidas que procuram assegurar o interesse público e a estabilidade do mercado. Outra razão para a criação de uma agência reguladora é a necessidade da existência de órgãos independentes e de alta capacidade técnica para controlar setores de grande impacto ou interesse social e econômico, ou alta relevância estratégica, como o setor de exploração de petróleo e biocombustíveis, e o de gestão dos recursos hídricos.

Especificamente em relação ao nível subnacional, agências reguladoras estaduais (e distrital), municipais e consorciadas, foram sendo criadas, à medida que os serviços públicos de competências dos respectivos entes federativos foram sendo concedidos ou receberam recursos para investimentos em sua infraestrutura; entre eles, os serviços públicos de saneamento básico, que, por suas características e complexidade estrutural, ainda possuem um grande déficit de cobertura e de atendimento. Segundo a Associação Brasileira das Agências de Regulação (ABAR), em 2014, especialmente quanto aos serviços públicos de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto, existiam 50 agências reguladoras: 23 estaduais ou distrital, 24 municipais e 3 de consórcios de municípios.

O saneamento básico é um direito assegurado pela Constituição Federal e definido pela Lei nº. 11.445/2007 como o conjunto dos serviços, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza e drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais. A regulação apresenta-se como um dos eixos centrais da Lei de Diretrizes Nacionais de Saneamento Básico, juntamente com o planejamento e o controle social, exigindo-se para os prestadores dos serviços, a obrigatoriedade de delegação por meio de contrato, exceto para as autarquias e departamentos municipais. As agências reguladoras de saneamento básico, como autarquias especiais que são; têm como finalidade, por meio da normatização e fiscalização; proporcionar maior estabilidade nas relações entre os usuários dos serviços públicos; o Estado, responsável primeiro por sua disponibilização; e seus prestadores, os delegatários, que exploram economicamente esse mercado; promovendo, assim, maior qualidade e universalidade na prestação dos serviços públicos de saneamento.

Entre os objetivos estabelecidos para a regulação do saneamento básico, conforme o artigo 22 da Lei nº 11.445/07, estão: 1) estabelecer padrões e normas para a adequada prestação dos serviços e para a satisfação dos usuários; 2) garantir o cumprimento das condições e metas estabelecidas; 3) prevenir e reprimir o abuso do poder econômico; e 4) definir tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos como a modicidade tarifária. Assim sendo, mostram-se ainda de grande importância as atividades desempenhadas pelas Agências Reguladoras dos Serviços Públicos de Saneamento Básico, especialmente exigindo o cumprimento efetivo das metas estabelecidas nos planos de saneamento aos prestadores dos serviços, os quais devem prever investimentos e a ampliação dos serviços, e consequente e crescente melhoria de qualidade. Portanto, haja vista a competência que possuem, essas entidades reguladoras devem ser responsáveis pelo controle dos seus atos de modo muito mais preeminente; e a atuação do Controle Interno nessas agências deve ter primazia e ser muito bem estruturado, organizado e apto para exercer o seu papel, especialmente no caráter preventivo. O estabelecimento de um adequado Sistema de Controle Interno é instrumento estratégico para uma boa prática de governança. É preferível que, por meios internos, as agências reguladoras de saneamento básico, previamente, atuem na melhor instrução e correção de seus atos, que, por não o fazerem adequadamente, venham a não cumprir satisfatoriamente o papel para o qual foram criadas e, ao final, afetar negativamente os prestadores e os usuários dos serviços públicos que regulam. Ademais, o consequente consumo maior de recursos é evitado e as demais formas de controle supracitadas não terão necessidade ou oportunidade de agir de modo mais coercitivo.

Autor: Rogerio Castor Cunha Mattos.

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