O Brasil deu um passo decisivo rumo à modernização de sua política de resíduos sólidos.
A publicação do Decreto Federal nº 12.688/2025, conhecido como Decreto do Plástico, inaugura uma nova fase na agenda ambiental brasileira, voltada a transformar o plástico, frequentemente visto como vilão, em vetor de desenvolvimento econômico, inclusão social e inovação industrial.
A regulação estabelece metas claras de conteúdo reciclado nas embalagens, incentiva modelos retornáveis e cria critérios para medir a reciclabilidade dos produtos. Mas seu avanço mais importante está menos na letra da lei e mais na lógica que propõe: reconhecer que a responsabilidade pela poluição plástica deve ser compartilhada de forma equilibrada entre empresas, consumidores e poder público.
Ao determinar que fabricantes de embalagens não recicláveis ressarçam cooperativas de catadores pelo descarte de rejeitos, o decreto corrige distorções históricas e amplia a base econômica da reciclagem, convertendo custo ambiental em oportunidade de renda e inclusão produtiva.
Durante décadas, o debate sobre o plástico no Brasil esteve restrito à dimensão ambiental. Agora, o país incorpora também os eixos econômico e social da circularidade, reconhecendo a reciclagem como um setor capaz de gerar valor, trabalho e inovação. Segundo estudo da Fundação Dom Cabral (2024), apenas 13% dos resíduos sólidos urbanos são reciclados, o que representa uma perda anual de cerca de R$ 14 bilhões em materiais que poderiam ser reaproveitados. Cada ponto percentual adicional nessa taxa tem potencial para gerar mais de 9 mil empregos diretos, sobretudo nas cooperativas que sustentam a base da economia circular.
No caso do plástico, o desafio é estrutural. O país ainda opera uma cadeia de reciclagem fragmentada, dependente dos catadores e com baixo investimento em tecnologia e rastreabilidade. De acordo com a ABIPLAST (2024), o índice de reciclagem mecânica de plásticos pós-consumo no Brasil é de 20,6%, chegando a 24,3% no caso das embalagens. Embora superiores à média global, esses números ainda estão distantes do potencial produtivo e econômico do setor. O restante se perde em aterros, rios e oceanos, um desperdício que carrega custo ambiental e financeiro e reforça a necessidade de estruturar uma economia verdadeiramente circular, em que o plástico volte a ser insumo e não resíduo.
Reciclagem em Novo Ciclo
Esses dados dimensionam a oportunidade. O decreto exige que as empresas repensem o ciclo de vida das embalagens, do design à destinação final, integrando critérios de reciclabilidade, rastreabilidade e circularidade. Essa mudança cria um novo modelo produtivo, no qual o plástico deixa de ser um passivo e passa a ser um recurso valioso.
Historicamente, o sistema brasileiro de reciclagem foi sustentado quase exclusivamente pelos catadores. Agora, o novo marco, aliado à operacionalização da Lei de Incentivo à Reciclagem, estabelece metas, mecanismos de controle e incentivos ao investimento privado, estimulando o retorno dos materiais ao ciclo produtivo e fortalecendo o mercado de insumos reciclados.
Um dos avanços mais relevantes do decreto é o reconhecimento do papel das cooperativas. Ao determinar que bares, restaurantes e eventos destinem seus resíduos a essas organizações, o texto amplia o volume e a qualidade do material coletado, promovendo inclusão produtiva e valorizando quem atua na base da cadeia. A reciclagem deixa de ser apenas uma prática ambiental e passa a se consolidar como instrumento de desenvolvimento social e econômico.
Reciclagem como Desenvolvimento
A meta estabelecida — recuperar 50% das embalagens plásticas até 2040 — é ambiciosa e depende de cooperação entre setor público, setor privado e sociedade civil. Esta última tem papel essencial na mudança de comportamento, pois é o cidadão quem escolhe produtos com embalagens mais recicláveis, faz o descarte correto e contribui diretamente para a circularidade.
Também será fundamental ampliar parcerias entre universidades e empresas, estimulando a pesquisa em novas tecnologias de reciclagem, o investimento em plantas para produção de resinas pós-consumo e o desenvolvimento de materiais capazes de substituir plásticos de difícil reciclabilidade, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. O maior desafio será equilibrar ambição ambiental e viabilidade econômica, evitando que a regulação avance mais rápido do que a infraestrutura disponível, especialmente para pequenas e médias empresas.
Esse avanço ocorre em sintonia com o debate global sobre o tratado internacional para eliminação da poluição plástica, atualmente em discussão na ONU. O Brasil tem a oportunidade de alinhar sua política nacional a esse movimento e assumir protagonismo regional, mostrando que é possível combinar rigor ambiental, competitividade e inclusão.
Após mais de duas décadas de atuação no Governo Federal e agora no setor privado, percebo que o sucesso dessa transição dependerá menos das normas e mais da capacidade de cooperação entre Estado, empresas e sociedade. Transformar o desafio do plástico em oportunidade econômica é mais do que uma pauta ambiental — é um imperativo estratégico para o desenvolvimento do país. A economia circular deixou de ser um ideal e se tornou um caminho inevitável para o futuro.
Fonte: CNN