Resumo
Apesar de ser um direito humano assegurado pela constituição federal a todos os brasileiros, o saneamento básico ainda apresenta condições muito precárias em todo o país, influenciando diretamente na saúde e qualidade de vida de nossa população. Esta situação se agrava nas zonas rurais, onde as condições de pobreza, isolamento e falta de acesso à informação dificultam ainda mais a chegada de tais serviços. Pensar o saneamento na área rural exige, sobretudo, o entendimento de suas peculiaridades, para a organização de sistemas de coleta e tratamento que se mostrem sustentáveis no âmbito local. Assim, o objetivo deste trabalho é realizar uma revisão bibliográfica acerca de conceitos e diretrizes discutidos atualmente no âmbito do saneamento rural, notadamente: a separação na fonte; a descentralização dos sistemas de tratamento de esgoto; e reuso do efluente tratado. Além disso, pretende-se expor alternativas para o tratamento de efluentes domésticos em comunidades rurais, com base em tecnologias que contribuam para o empoderamento destas comunidades. A pesquisa foi feita por meio de uma revisão bibliográfica narrativa, sem critérios explícitos e sistemáticos para a busca e análise crítica da literatura. O principal fator que torna inadequado o uso de fossas sépticas (ou de outras tecnologias convencionais) no campo é a falta de apropriação da tecnologia por parte dos usuários, que desconhecem sua forma de funcionamento e negligenciam sua manutenção, transferindo esta responsabilidade para entidades externas. Como forma de contrapor esta realidade, algumas tecnologias sociais de tratamento de esgoto vêm sendo elaboradas e aplicadas no campo por instituições como a Embrapa, a Emater, a Funasa, etc. Dentre elas, destacam-se a fossa séptica biodigestora, o jardim filtrante, o tanque de evapotranspiração, o círculo de bananeiras, a fossa séptica de evapotranspiração e o biodigestor modificado Acqualimp. Muito se tem discutido na América Latina sobre o uso de tecnologias sociais em projetos de saneamento rural, porém, ainda são necessárias pesquisas mais detalhadas sobre diferenças práticas existentes entre estas tecnologias e os modelos convencionais utilizados atualmente.
Introdução
Apesar de ser um direito assegurado pela constituição federal a todos os brasileiros, o saneamento básico ainda
apresenta condições muito precárias em todo o país, influenciando diretamente na saúde e qualidade de vida de
nossa população. Atualmente, as principais diretrizes relacionadas a este setor estão dispostas na Lei nº
11.445/2007, que o define como “o conjunto dos serviços, infraestrutura e instalações operacionais de
abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos
e de águas pluviais”.
Em termos de esgotamento sanitário, verifica-se que apenas 58% da população tem seus esgotos coletados e somente 42,6% do efluente produzido é tratado (SNIS, 2017). Estes índices se tornam ainda mais preocupantes quando consideramos a desigualdade de acesso ao saneamento básico nas diversas regiões do país e as diferenças entre as áreas urbana e rural, onde as condições de pobreza, isolamento e falta de acesso à informação dificultam ainda mais a chegada destes serviços.
De acordo com o último relatório dos Objetivos do Milênio (ONU, 2015), atualmente 946 milhões de pessoas ainda praticam a defecação ao ar livre, sendo a maior parte delas habitante da área rural e pertencente a grupos pobres e marginalizados. No Brasil, avalia-se que em 2009 apenas 25% da população rural do país teve acesso à rede de coleta ou ao tratamento de esgoto (COSTA & GUILHOTO, 2014) enquanto que na área urbana este índice é de 58% (SNIS, 2017).
A falta de acesso aos serviços de saneamento básico na área rural tem como consequência a grande incidência de doenças de veiculação hídrica nestes locais, além de uma degradação da qualidade de vida de seus habitantes. Um estudo divulgado pelo Instituto Trata Brasil (KRONEMBERGER & JUNIOR, 2010) estima que o número de internações no sistema hospitalar poderia ser reduzido em 25% e a mortalidade em 65% com o alcance do acesso universal ao saneamento no país. Além disso, o estudo aponta que doenças características de áreas sem saneamento (como parasitoses intestinais e diarreia) são causas da morte de 2,5 mil crianças menores de cinco anos por ano no Brasil. Em termos econômicos, os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com o tratamento de doenças ligadas à falta de higiene chegam a R$ 300 milhões por ano (FUNASA, 2011).
De acordo com a Fundação Nacional de Saúde – Funasa (2011), um dos pontos a serem considerados na elaboração de políticas públicas na área de saneamento rural é a diversidade ambiental e cultural existente nesse meio, tanto a nível nacional quanto estadual. A complexidade inerente à diversidade de povos (quilombolas, ribeirinhos, agricultores familiares, assentados, indígenas, etc.) que compõe o ambiente campesino, exige formas particulares de intervenção em saneamento básico, tanto no que diz respeito às questões ambientais, tecnológicas e educativas, como de gestão e sustentabilidade das ações.
Pensar o saneamento na área rural exige, sobretudo, o entendimento de suas peculiaridades para a organização de sistemas de coleta e tratamento que se mostrem sustentáveis no âmbito local. Dessa forma, chama-se a atenção para alguns conceitos que vêm sendo discutidos recentemente dentro do saneamento rural, tais como: separação na fonte (FAGUNDES E SCHERER, 2009), sistemas descentralizados (RODRIGUEZ, 2009) e reuso do efluente tratado (CAI, 2015). Estes conceitos fazem parte de uma nova abordagem para o manejo de esgotos na área rural, que deve servir como base tanto para o desenvolvimento de tecnologias quanto para a formulação de políticas públicas e projetos que contribuam para a universalização do seu acesso.