saneamento basico

Assinatura da parceria entre Aladyr, CIRRA e Portal Saneamento Básico

Foi assinado nesta semana, o Termo de Parceria entre a Aladyr (Associação Latino-Americana de Dessalinização e Reúso), o CIRRA (Centro Internacional de Referência em Reuso de Água) e o Portal Saneamento Básico, para o apoio ao projeto Conexão Água, do Ministério Público Federal, que tem como um dos objetivos, a elaboração de uma proposta para a revisão da Portaria Federal 2914/2011 do Ministério da Saúde. 

parceria

Prof. José Carlos Mierzwa – CIRRA USP

Nathalie Cruz- Mestranda USP

Marcelo Bueno- Diretor Aladyr

Alexandre Lopes- Diretor Portal Saneamento Básico

 

Veja a seguir maiores detalhes do projeto pelas palavras do Prof. José Carlos Mierzwa.

Construção do Plano de Segurança da Água e Definição de Padrões de Qualidade – Projeto Conexão Água

Autor: Prof. José Carlos Mierzwa

  1. Introdução

O Ministério Público Federal em conjunto com o Ministério Público Estadual organizou duas reuniões para a discussão de aspectos relacionados à estruturação do Plano de Segurança da Água e revisão da Portaria 2914/2011 do Ministério da Saúde (Brasil, 2011).

Nestas reuniões profissionais e pesquisadores da área acadêmica e de instituições relacionadas ao tema em discussão fizeram apresentações relacionadas aos desafios atuais do setor de saneamento, relativos à produção e distribuição de água potável para a população.

Nestas apresentações foram abordados, especificamente, os conceitos sobre múltiplas barreiras para a produção de água potável e os principais problemas relacionados à qualidade da água para abastecimento público, em especial sobre a presença, nos mananciais, de novas classes de contaminantes, os seus efeitos na saúde humana e a capacidade dos laboratórios no Brasil de realizarem as análises de quantificação dos parâmetros de qualidade exigidos na portaria 2914/2011.

O que se pôde depreender destas duas reuniões é que há uma necessidade de modernização na abordagem para a gestão da água para abastecimento público, com foco no conceito de múltiplas barreiras e programas de monitoramento mais apropriados para os problemas de qualidade atuais.

Neste sentido, abaixo é apresentado um esboço das questões que deverão ser contempladas em um programa de segurança da água consistente, assim como para a elaboração de uma proposta para padrões de qualidade de água para abastecimento.

2. Conceito de Múltiplas Barreiras

De acordo com uma publicação do Conselho de Ministros do Meio Ambiente do Canadá (2004), o controle da qualidade da água para abastecimento, baseado apenas no monitoramento de contaminantes químicos e/ou microbiológicos passíveis de quantificação é bastante limitado. A razão para isto é o fato de os programas de monitoramento limitarem-se à avaliação de micro- organismos e/ou compostos químicos para os quais existem padrões de qualidade estabelecidos. Este procedimento torna praticamente impossível contemplar os potenciais problemas de saúde, caso sejam consideradas todas as substâncias químicas presentes na água, sem mencionar o efeito da ação combinada de duas ou mais substâncias.

Considerando-se este problema, há a necessidade da adoção de uma abordagem integrada para o gerenciamento da água para abastecimento público, com destaque para o conceito de múltiplas barreiras, que considera todas as etapas do sistema de produção de água potável, desde o manancial até a torneira do consumidor final.

Para simplificar, o conceito de múltiplas barreiras preconiza a utilização de ferramentas administrativas, gerenciais, tecnológicas e educacionais para assegurar a qualidade da água que será distribuída ao consumidor final.

Assim, a garantia da qualidade da água que será distribuída ao consumidor irá depender de ações e programas de governo, relacionados à proteção de áreas de mananciais, da estruturação de órgãos e agências de fiscalização e controle, estabelecimento de programas de monitoramento da qualidade da água, da definição e implantação de estruturas de tratamento compatíveis com as necessidades de cada local, implantação de programas de manutenção das redes e reservatórios de distribuição de água e implantação de programas de treinamento e capacitação de profissionais envolvidos em toda a cadeia de produção de água potável.

Com esta compreensão, as normas relacionadas à água potável devem promover a integração dos diversos órgãos públicos que possam ter influência sobre qualquer aspecto relacionado à sua qualidade.

Do ponto de vista das barreiras para assegurar a qualidade de água para abastecimento, os planos de segurança da água devem levar em consideração:

  • 1 – A proteção dos mananciais;
  • 2 – A definição de padrões de qualidade para a água potável;
  • 3 – A implantação de sistemas adequados de tratamento de água;
  • 4 – O desenvolvimento de programas que garantam a integridade da estrutura de armazenagem e distribuição da água tratada;
  • 5 – O monitoramento da água distribuída em diversos pontos do manancial, da estrutura de tratamento, da rede de distribuição e dos reservatórios de armazenagem;
  • 6 – A implantação de sistema para análise e correção de eventuais desvios em relação às metas do plano de segurança.

Para uma melhor compreensão sobre a estruturação de um plano de segurança da água, nos itens a seguir é feita uma discussão específica sobre as três primeiras barreiras a serem consideradas na revisão da Portaria do Ministério da Saúde para Água Potável.

2.1. Proteção de mananciais

A qualidade da água dos mananciais é diretamente influenciada pelos padrões de uso e ocupação do solo aplicados à sua área de drenagem. Neste sentido, a maneira mais simples de assegurar a qualidade da água para abastecimento é proteger os mananciais contra os processos de degradação da sua qualidade, devendo-se minimizar a sua contaminação pelas atividades antrópicas, com atenção especial para:

  • Ocupação não planejada da área de formação do manancial;
  • Lançamento de efluentes domésticos ou industriais nos corpos hídricos responsáveis pela formação do manancial;
  • Contaminação indireta pela drenagem de áreas urbanas, industriais ou agrícolas;
  • Deposição atmosférica de poluentes resultantes de emissões de processos industriais ou aplicação de defensivos agrícolas;

Considerando-se que as principais causas da presença de contaminantes específicos na água de abastecimento tem relação com as condições relacionadas acima, os instrumentos legais relativos ao uso e ocupação do solo podem contribuir de forma significativa para assegurar a qualidade da água para abastecimento público.

2.2.  Definição de padrões de qualidade para a água de abastecimento

Outro instrumento relevante para assegurar a qualidade da água para abastecimento é a utilização de padrões de qualidade, baseados nos riscos potenciais que certas substâncias químicas e micro-organismos apresentam para a saúde humana. Esta barreira já foi incorporada aos sistemas de tratamento de água para abastecimento, com a definições de padrões de qualidade específicos, os quais são baseados nas Diretrizes da Organização Mundial da Saúde.

É importante ressaltar, que estes padrões, considerando o atual cenário relacionada aos contaminantes potencialmente presentes nos mananciais utilizados para abastecimento, especialmente aqueles influenciados pela ação antrópica podem não ser suficientes para assegurar a qualidade da água para uso potável.

Para ilustrar, pode-se considerar o número de substâncias químicas disponíveis comercialmente, que pelo último dado disponibilizado pelo Chemical Abstract Service, órgão internacional responsável pelo registro de todas as substâncias químicas existentes, chegou a mais de 100 milhões em fevereiro de 2016 (CAS, 2016).

Dentre os potenciais contaminantes presentes nos efluentes domésticos, industriais e águas de drenagem de áreas agrícolas encontra-se a classe dos desreguladores, ou disruptores, endócrinos. Substâncias capazes de interferir no equilíbrio hormonal dos organismos superiores, causando efeitos adversos significativos. Estão incluídos nesta categoria de contaminantes diversas substâncias químicas utilizadas na indústria, como plastificantes, nas residências, como produtos de higiene pessoal, fármacos e produtos de limpeza, e na agricultura, como os defensivos agrícolas.

Neste caso, torna-se muito complexo e oneroso assegurar a qualidade da água de abastecimento por meio da definição de padrões de qualidade numéricos para esta ampla variedade de  contaminantes.  Esta  condição  exige  uma  abordagem  integrada,  por  meio  da  utilização  de padrões de qualidade que possam avaliar o efeito potencial no ser humano do consumo de água com a presença de uma variedade de constituintes, para alguns dos quais, pela concentração em que se encontra na água não são detectados pelas técnicas analíticas disponíveis.

Ressalta-se que, além dos constituintes químicos, é necessário considerar os micro- organismos.

Isto requer a utilização de variáveis sentinelas, assim chamadas pois não são capazes de identificar e quantificar os contaminantes presentes na água, mas sim o seu efeito potencial na saúde humana. Como sugestão, pode-se utilizar as seguintes variáveis sentinelas:

  • Potencial de inibição enzimática, que pode indicar a presença de metais pesados ou outros contaminantes na água (Bitton, Jung, and Koopman, 1994);
  • Teste de estrogenicidade  e  androgenicidade,  que  pode indicar  a  presença  de desreguladores endócrinos e defensivos agrícolas (Leskinen et , 2005);
  • Contagem microbiológica de organismos patogênicos, indicadores da presença de vírus, bactérias e protozoários com potencial de efeito adverso na saúde humana;
  • Carbono orgânico total, que representa um conjunto de substâncias orgânicas presentes;
  • Condutividade elétrica, que representa um conjunto de compostos e substâncias inorgânicas;
  • pH, que pode indicar a ocorrência de lançamento de efluentes industriais no manancial;
  • Toxicidade química, que pode indicar a presença de contaminantes tóxicos não específicos;
  • Turbidez, que indica a presença de sólidos em suspensão na água;
  • Contagem de cianobactérias, que pode ser indicativo da presença de toxinas;
  • Outros indicadores que podem ser sugeridos por especialistas das áreas de saúde, biologia e química.

Os resultados destes testes poderão indicar a necessidade da realização de análises específicas, ou da necessidade de utilização de técnicas de tratamento de água capazes de eliminar os efeitos observados.

Ressalta-se que esta abordagem pode simplificar de forma significativa o processo de monitoramento da qualidade da água de abastecimento, ao mesmo tempo em que aprimora os mecanismos de monitoramento e reduz os riscos potenciais para a saúde humana e os custos associados.

2.3. Novas tecnologias de tratamento

É importante observar que, no Brasil, o tratamento de água para abastecimento é baseado, predominantemente, no processo convencional, que envolve os processos de coagulação- floculação, sedimentação, filtração, ajuste químico e desinfecção com cloro. Esta técnica de tratamento é específica para tratamento de água para abastecimento público a partir de mananciais comprovadamente protegidos e passou a ser amplamente utilizado a partir do final do Século XIX, começo do Século XX (Mierzwa, 2009).

Com o passar do tempo, em função de diversos problemas de poluição o processo convencional passou a sofrer alterações, tornando-se cada vez mais complexo para enfrentar os novos desafios em relação à qualidade da água para abastecimento público.

Face a evolução em relação aos problemas de qualidade de água, países desenvolvidos, como os Estados Unidos da América, passaram a utilizar um outro tipo de conceito em relação ao tratamento de água, que é o da melhor tecnologia disponível (USEPA, 2003).

Pelo conceito de melhor tecnologia disponível, o controle da qualidade da água de abastecimento deve levar em consideração a capacidade tecnológica atual para a remoção ou eliminação de contaminantes específicos presentes na água. Além de possibilitar um maior nível de segurança para os consumidores, a adoção deste conceito permite o avanço tecnológico no setor de saneamento.

Ressalta-se, ainda, que o conceito de melhor tecnologia disponível também deve ser considerado para o tratamento de efluentes industriais e domésticos, já que estes são as principais fontes de contaminação dos mananciais utilizados para abastecimento público.

Neste contexto, é possível destacar as tecnologias de separação por membranas e os processos oxidativos avançados, associados ou não à outras tecnologias de tratamento. A literatura sobre a utilização destas tecnologias de tratamento, tanto para efluentes, como para água de abastecimento é bastante ampla, o que permite considerar o conceito de melhor tecnologia disponível na legislação sobre qualidade de água para fins potáveis. Dentre as tecnologias mais amplamente utilizadas destacam-se:

  • Microfiltração – remoção de material particulado e organismos patogênicos, principalmente protozoários e bactérias;
  • Ultrafiltração – remoção de material coloidal, bactérias, vírus, matéria orgânica natural e outros compostos orgânicos com elevada massa molar;
  • Nanofiltração – remoção de compostos orgânicos com baixa massa molar (até 300 g/mol) e íons bivalentes;
  • Osmose reversa – remoção de compostos orgânicos com baixa massa molar (menor que 300 g/mol) e íons monovalentes;
  • Processos oxidativos avançados – remoção de compostos orgânicos potencialmente prejudiciais à saúde

Em relação aos processos de separação por membranas, o país ainda apresenta limitação em relação à fabricação dos módulos de separação, mas já existem pesquisas no Brasil que possibilitam a transferência de tecnologia para o setor público ou privado, para viabilizar a fabricação de equipamentos.

No caso dos processos oxidativos avançados já é possível a fabricação de equipamentos, uma vez que os principais constituintes podem ser adquiridos no mercado nacional.

3. Conclusões

Considerando-se as premissas apresentadas nos itens anteriores é possível verificar que é necessário utilizar uma nova abordagem em relação ao controle da qualidade da água para abastecimento.

Assim, uma abordagem apenas em padrões individuais de qualidade não parece ser suficiente para assegurar a produção e distribuição de uma água segura para a população, o que requer um aprimoramento dos instrumentos legais para esta finalidade.

A adoção de um Plano de Segurança da Água parece ser o procedimento com maior potencial para assegurar a qualidade da água para abastecimento público, o que justifica o seu desenvolvimento, com base no conceito de múltiplas barreiras.

No entanto, esta abordagem requer uma mudança no paradigma vigente no país, em relação ao controle da qualidade da água para abastecimento baseado apenas em padrões numéricos, o que, para as condições atuais, não é suficiente para assegurar a produção e distribuição de uma água segura.

4. Referências

Bitton, G.; Jung, K.; Koopman, B. Evaluation of a microplate assay specific for heavy metal toxicity. Archives of Environmental Contamination and Toxicology. 27 (1994), p. 25-28,

Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2914, de 12 de dezembro de 2011, que dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. 2011.

Chemical         Abstract         Service         (CAS).        Database          counter.         Disponível        em: http://www.cas.org/content/counter, acesso em 23/02/2016.

Conselho de Ministros do Meio Ambiente do Canadá (Canadian Council of Ministers of the Environment). From Source to tap: Guidance on Milti-barrier approach to safe drinking water. 2004.

Leskinen, P.; Michelini, E.; Picard, D.; Karp, M. Virta, M. Bioluminescent yeast assays for detecting estrogenic and androgenic activity in different matrices. Chemosphere, 61(2005). P. 259-266.

Mierzwa, José Carlos. Desafios para o tratamento de água de abastecimento e o potencial de aplicação dos processos de ultrafiltração. Tese (Livre Docência). Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009. 123 p.

United States Environmental Protection Agency. Code of Federal Regulation – 40 CFR – Chapter I (7-1-03 Edition). Part 141 – National Primary Drinking Water Regulations. 2003.

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