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Práticas em saneamento rural: um estudo no contexto da agricultura familiar

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Resumo

No Brasil, o déficit em serviços de saneamento é alto, concentrando-se em áreas rurais e periferias de centros urbanos, onde reside a população mais pobre. Nas áreas rurais, vários fatores são apontados como responsáveis pelo cenário tais como a histórica falta de iniciativas governamentais, falhas relativas à governança e a parca exploração conceitual acerca do tema ruralidade e sua relação com o saneamento, reforçando o desconhecimento dos formuladores de políticas públicas e a população alvo. A fim de promover avanços em termos de saneamento rural, foi recomendado pelo Plansab a elaboração de um Programa Nacional de Saneamento Rural, e no contexto de elaboração deste Programa desenvolveu-se a presente pesquisa.

Para que fosse possível contribuir com a análise da situação do saneamento rural, optou-se por investigar o saneamento no contexto da agricultura familiar, grupo que representa atualmente, 84% dos estabelecimentos rurais brasileiros e tem grande importância social, econômica e cultural no País. O estudo foi realizado através de quatro estudos de caso e utilizou métodos qualitativos de coleta e análise de dados, a fim de interpretar a narrativa da população, tentando capturar sua percepção acerca do tema. Baseando-se na Grounded Theory, a pesquisa de campo contou com estratégias flexíveis de coleta de dados, de forma que vários métodos qualitativos de coletas foram aplicados simultaneamente. Ao recorte deste trabalho, aplicam-se a realização de entrevistas individuais semiestruturadas e as observações dos pesquisadores. Foi realizada então uma análise de conteúdo temático-categorial, a fim de se extrair dos resultados categorias referentes aos temas de estudo.

Os resultados mostraram comunidades com limitações e privações em termos de acesso a serviços e políticas públicas, devido principalmente às condições de pequeno produtor e morador da zona rural em relação aos moradores da zona urbana. Em termos de saneamento, observou-se que estas não diferem das condições comumente observadas nas áreas rurais como um todo, sendo constituídas principalmente por soluções individuais, e cujas melhorias implementadas variam, muitas vezes, com as condições financeiras dos moradores. Verificouse também que a gestão dos serviços de saneamento está estreitamente ligada à relação comunidade – poder público, participação social e à presença de lideranças locais – as quais também estão relacionadas entre si – combinação essa que resultou em condições sanitárias mais seguras.[/vc_column_text][vc_column_text]

Introdução

No Brasil, o déficit em serviços de saneamento é alto, concentrando-se em áreas rurais e periferias de centros urbanos, onde reside a população mais pobre (GALVÃO JUNIOR, 2009). De acordo com dados do Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 33,2% dos domicílios nas áreas rurais estão ligados a redes de abastecimento de água com ou sem canalização interna. No restante dos domicílios rurais (66,8%) a população capta água de outras fontes alternativas, geralmente inadequadas para consumo humano. Em relação ao esgotamento sanitário, apenas 5,2% dos domicílios estão ligados à rede coletora de esgotos e 28,3% utilizam a fossa séptica. Os demais domicílios têm como escoadouro dos esgotos as fossas rudimentares, as valas e os corpos hídricos. A situação do serviço de coleta dos resíduos sólidos domiciliares revela que, na área rural, apenas 23,4% dos domicílios têm acesso a coleta direta de resíduos. E quanto a sistemas de drenagem, não existem indicadores específicos para áreas rurais, sendo esta dimensão do saneamento básico tratada apenas para as áreas urbanas (BRASIL, 2013).

Tal passivo identificado no País tem sido apontado como resultado da parca iniciativa governamental em áreas rurais, falhas relativas ao monitoramento da qualidade dos serviços, baixa capacidade técnica e de captação de recursos, falhas legislativas, além do desconhecimento por parte dos formuladores de políticas públicas acerca da população rural (KAYSER et al., 2015; RIBEIRO E GALIZONI, 2003). No Brasil as organizações públicas voltadas ao desenvolvimento regional são historicamente marcadas pela centralização das iniciativas e pela falta de articulação real com as experiências vividas pelos atores locais (BEDUSCHI FILHO; ABRAMOVAY, 2004). Novas visões do conceito de ruralidade e de saneamento rural, bem como uma concepção diferente de saneamento rural, ajudariam a subsidiar a elaboração de programas, projetos e ações (TEIXEIRA, 2013).

Desde a década de 1990, tem-se observado maior ênfase, no âmbito institucional, às discussões envolvendo o desenvolvimento rural, de forma que as concepções referentes ao tema têm se modificado à medida em que se percebe com maior clareza a complexidade e a diversidade da realidade rural, trazendo à tona as limitações e possibilidades de se promover seu desenvolvimento (PÉREZ, 2001).

Em vista da atual situação e tentando suprir as lacunas institucionais existentes, mais recentemente, em 2013, foi recomendado pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) (BRASIL, 2013) a elaboração do Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR), que destinará verbas, e principalmente recomendará ações, para a promoção do avanço na cobertura de saneamento no meio rural. As justificativas do Programa são, justamente, o significativo passivo que o País acumula em termos de atendimento ao meio rural e também as especificidades destes territórios, os quais necessitam de abordagens distintas das aplicadas em meio urbano (BRASIL, 2013).

Pensando no saneamento como parte da promoção do desenvolvimento rural e tendo em vista os objetivos do PNSR, faz-se necessário contribuir com uma composição mais fiel da realidade do saneamento rural no Brasil. Para tal, foram realizados estudos de caso no âmbito da agricultura familiar. Visando preencher uma lacuna no que se refere à agricultura familiar no Brasil, o IBGE incluiu na metodologia do Censo Agropecuário de 2006 aspectos capazes de distinguir os estabelecimentos rurais entre familiares e não familiares. Desta forma, constatou-se que os agricultores familiares representam 84,4% dos estabelecimentos rurais, estando inseridos em diferentes regiões do País (IBGE, 2006). Os resultados mostraram ainda que o grupo apresenta grande diversidade e com isso, grande representatividade do rural brasileiro. Tais características – diversidade e representatividade –, além da inserção em contexto de vulnerabilidade social, foram consideradas de grande importância para o estudo proposto em saneamento rural, de modo que o grupo de agricultores familiares se mostrou mais adequado para constituir o grupo de estudos de caso do presente trabalho.

O aprimoramento dos instrumentos capazes de caracterizar a agricultura familiar permite a identificação de suas potencialidades e limitações, tornando-se fundamental para a eficácia das políticas públicas nas áreas rurais (IBGE, 2006). No entanto, no âmbito do saneamento rural, observa-se grande lacuna no que diz respeito à relação de agricultores familiares com o saneamento.

Os agricultores familiares não se diferenciam apenas em relação à disponibilidade de recursos e capacidade de geração de renda, mas também em relação às potencialidades e restrições associadas tanto à disponibilidade de recursos e de aprendizado adquirido, como à inserção ambiental e socioeconômica que podem variar radicalmente entre grupos de produtores em função de um conjunto de variáveis, desde a localização até as características particulares do meio-ambiente no qual estão inseridos. O universo diferenciado de agricultores familiares está composto de grupos com interesses particulares, estratégias próprias de sobrevivência e de produção, que reagem de maneira diferenciada a desafios, oportunidades e restrições semelhantes e que, portanto, demandam tratamento compatível com tais particularidades, configurando mais um grande desafio para o sucesso de políticas públicas (BUAINAIN; DI SABATTO; GUANZIROLI, 2004).

Para superar as dificuldades nos processos de tomada de decisão, elaboração e gestão dos projetos de saneamento rural, autores apontam a importância da participação das comunidades rurais para o sucesso dos processos de implementação e sustentabilidade dos sistemas (MARKS; DAVIS, 2012; RÍOS-CARMENADO, GUILLÉN-TORRES; HERRERA-REYES, 2013; KLEEMEIER 2000). A participação da população, principalmente nos processos de tomada de decisão, podem ser relacionadas, ainda, com maior empoderamento da população em relação aos sistemas de saneamento (MARKS; DAVIS, 2012).

Além das ações coletivas, outro aspecto decisivo para o sucesso de ações de saneamento em áreas rurais é a necessidade de se dar atenção à demanda específica de cada região. Através de um estudo de percepções em três países diferentes, Peru, Ghana e Bolívia, com a aplicação de grupos focais em 400 comunidades rurais, Whittington et al. (2009) conseguiram mostrar que a tomada de decisão guiada pela demanda populacional e o modelo de gestão da comunidade, associados ao acesso a alguma capacitação técnica, ajudaram a descrever um longo avanço no sucesso da implementação de projetos sanitários em áreas rurais, constatando o sucesso de projetos implementados nestes três países.

Destaca-se também a contribuição dos estudos de percepções para atingir os avanços na implementação de sistemas de saneamento, como no estudo citado acima. No que se refere aos estudos realizados sobre a percepção pública a respeito das ações de saneamento, observa se uma grande lacuna. Enquanto, muitas vezes, o foco das pesquisas envolve conhecimentos exclusivos da área técnica, questões relacionadas a hábitos e modo de vida têm sido negligenciados, criando-se a necessidade de se buscarem respostas tendo como referencial principal o ponto de vista da população (RUBINGER, 2008). Apesar da reconhecida e legítima importância do desenvolvimento de tecnologias adequadas em sua concepção, projeto, implementação e operação, os serviços de saneamento encontram-se na esfera de política pública e, dessa forma, demandam participação do Estado e também da população, para que esta exerça seus direitos não apenas como usuários, mas também sua cidadania (HELLER; CASTRO, 2007).

Na Indonésia, um estudo de percepções foi realizado em três áreas remotas rurais, onde foi observado maior número de casos de insucesso de ações promovidas por programas do governo federal em todo País, para a implementação de estruturas de esgotamento sanitário e abastecimento de água. Nestas áreas a realização de grupos focais para investigar os motivos desta situação, mostrou que os moradores não utilizavam as estruturas sanitárias, principalmente por obedecerem políticas de comportamento já instituídas localmente. A população não estabelecia relações entre as doenças infecciosas que a acometiam e suas práticas sanitárias inadequadas, sendo estes aspectos desconsiderados na concepção dos projetos (PUTRI; WARDIHA, 2013).

Outro aspecto determinante do sucesso das ações em saneamento é a relação da população rural com o poder público. Uma vez que esta população se caracteriza por ser alvo constante de riscos, pela vulnerabilidade social gerada pela pobreza, baixa escolaridade e situação geográfica (SÁNCHEZ; BERTOLOZZI, 2007), a cobrança por melhorias nos serviços ou mesmo pela existência destes, exige que a comunidade estabeleça pontes com o poder público a fim de ter acesso às políticas públicas pertinentes.

Tendo em vista o panorama construído na presente seção este trabalho considerou as seguintes hipóteses: i) agricultores familiares têm práticas sanitárias particulares, culturalmente estabelecidas, as quais podem ser associadas a características específicas da agricultura familiar; ii) tipos distintos de comunidades dentro do contexto da agricultura familiar apresentam potenciais particulares no que diz respeito à participação da população no processo de implantação de novas práticas e sistemas de saneamento, gestão destes sistemas; iii) em relação ao saneamento rural, as responsabilidades não são claras, ou seja, a população não sabe a quem recorrer, o que muitas vezes é reflexo da relação da população com o poder público.[/vc_column_text][vc_column_text]

Autores: Bárbara Batista Porto.

 

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