saneamento basico
Piauí Concessão PPP Saneamento

Reequilíbrio de contratos de concessão em saneamento

Concessão em saneamento

*Giovani Oliveira e Frederico Turolla

Há diversas alternativas para a Participação do Setor Privado (PSP) na prestação de serviços de saneamento no Brasil.

A PSP acontece, como em várias atividades econômicas que vinculam um Poder Concedente público a um concessionário ou parceiro privado, através de contratos de longo prazo.

Os contratos de PSP, por sua natureza de longo prazo, devem ser ajustados com o tempo. Este artigo parte da estrutura contratual tipicamente utilizada no Brasil para apresentar os mecanismos de ajuste dos contratos de concessão. É um artigo não técnico, voltado a informação dos envolvidos. O foco principal da discussão é o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos com o setor privado no ambiente da Regulação Contratual.

Os tipos de contratos da PSP em saneamento

A figura a seguir mostra os principais caminhos da PSP em serviços de saneamento básico no Brasil (a sigla CESB se refere às Companhias Estaduais de Saneamento Básico).

Conforme mostra a figura, os contratos de longo prazo em saneamento são, principalmente, os de concessão, notadamente os de concessão comum e de Parceria Público-Privada ou PPP (concessão administrativa ou patrocinada). A tabela a seguir destaca os contratos e a formato das receitas de cada contrato.

Para informação, os contratos de concessão não são os únicos: há também os contratos de programa, locação de ativos ou built-to-suit e outros. No setor de saneamento, a relação de longo prazo entre as companhias estaduais e os municípios foi, desde 2005, estabelecida através de contratos de programa, mas novos contratos deste tipo em saneamento estão proibidos pelo novo marco regulatório de 2020 (Lei no. 14.026/2020). No setor há ainda alguns contratos de locação de ativos, tipicamente firmados entre companhias estaduais e municipais.

LEIA TAMBÉM: Marco Legal do Saneamento: perspectivas tecnológicas e políticas

Entretanto, a maioria dos contratos que envolvem empresas privadas são de concessão, tanto comum quanto PPP. A legislação brasileira acaba direcionando um desenho do ambiente de concessões privadas junto aos municípios como o da figura a seguir.

O desenho da figura acima cobre a relação de municípios com seus prestadores privados, situação em que um concessionário é diretamente contratado pelo governo municipal. Entretanto, há outros tipos de contrato com o setor privado. Os contratos de PPP firmados pelas companhias estaduais junto a operadores privados são também bastante relevantes, assim como as subconcessões.

Como são remunerados os contratos de concessão?

Os contratos de concessão são firmados, necessariamente, a partir de licitações competitivas. No momento da licitação, o Poder Concedente oferece um contrato que trava as obrigações de cada parte (pública e privada) e, em alguns casos, especifica algum parâmetro de remuneração ao parceiro privado. Essa remuneração pode vir de tarifas públicas pagas pelos usuários do serviço (caso da concessão comum), de contraprestações e aportes pagos pelo Poder Concedente (caso da concessão administrativa), de um mix dos dois (concessão patrocinada) e, em todos os casos, de eventuais receitas alternativas, complementares, extraordinárias ou acessórias e de projetos associados.

Nos contratos federais de concessão comum de distribuição de energia elétrica e de operação de aeroportos, a remuneração do concessionário não foi travada no momento da licitação. O governo federal mantém agências nacionais com independência, que em tese rediscutem, em bases técnicas, a remuneração do concessionário a cada ciclo regulatório normalmente estipulado em 4 anos. Nesse ambiente, aplica-se a regulação conhecida como Regulação Discricionária, na qual há um importante papel alocado a uma agência reguladora para definir metodologias e aplicar essas metodologias à remuneração do concessionário. Ou seja, nesses contratos federais, a remuneração do contrato é relativamente flexível e ajustada a cada ciclo tarifário. Ou seja, o operador não sabe qual será a sua remuneração ao longo do contrato e esta dependerá das decisões técnicas da entidade reguladora.

Os contratos de programa e alguns contratos de concessão das companhias estaduais de saneamento com os municípios seguem a lógica da Regulação Discricionária. As agências reguladoras estaduais que regulam esses contratos executam os processos de Revisão Tarifária Periódica para reposicionar a tarifa média do serviço a cada ciclo tarifário. Portanto, a remuneração das CESBs não é fixada no momento da assinatura do contrato.

Em boa parte dos contratos de concessão firmados por entes subnacionais, ou seja, estados e municípios, principalmente por estes últimos, a regulação não tem natureza discricionária, mas sim contratual. No modelo de Regulação Contratual, a remuneração do parceiro privado é especificada mais claramente no contrato e, em algum grau, durante toda a longa a duração do contrato, são mantidos os parâmetros definidos na licitação. Mesmo que uma agência reguladora participe da relação contratual, seu papel na área econômico-financeira não é o de estipular a remuneração do concessionário, mas sim o de mantê-la conforme pactuado. Esta falta de flexibilidade da remuneração tem uma vantagem importante: reduz o risco regulatório, evitando expor o concessionário a mudanças políticas que acabam afetando a composição e a direção das agências reguladoras.

Um mapa mais amplo dos contratos de saneamento com exemplos no Brasil é apresentado no quadro a seguir. Nessa tabela, apresentamos uma separação entre os serviços de atacado (tratamento de água e de esgotos) e de varejo (distribuição de água e coleta de esgotos) pois em muitos casos há uma separação entre esses dois segmentos da cadeia produtiva do saneamento, que têm características distintas entre si.

Os eventos tarifários: reajuste e revisão

Para entender a regulação econômica, é preciso diferenciar os eventos tarifários. Regularmente, com periodicidade mínima anual, os contratos fazem jus ao Reajuste Tarifário, que simplesmente atualiza as tarifas pela inflação. Apesar de ser um evento vital, em muitos casos não é realizado com a periodicidade desejável, corroendo as finanças do contratado e ensejando graves problemas para toda a sociedade.

Em vários contratos, existe a figura da Revisão Tarifária, que pode ser ordinária ou extraordinária. No ambiente da Regulação Discricionária, a Revisão Tarifária Periódica é um evento de grande importância no contrato, sendo o momento em que se redefinem parâmetros de remuneração. Em geral, essa redefinição é realizada através da regulação por taxa de retorno, que remunera o concessionário a partir de uma margem estipulada sobre seu custo, ou pelo teto de preços (price cap) que procura antecipar ganhos de produtividade futuros que o regulador pressupõe que o concessionário é capaz de obter, forçando-o a buscar a eficiência sob pena de comprimir suas margens. Este último é conhecido como regulação por incentivos, por gerar pressões no sentido da materialização de ganhos de produtividade e do compartilhamento dessas economias com os usuários. A Revisão Tarifária é coordenada pela Agência Reguladora.

No ambiente da Regulação Contratual, a Revisão Tarifária não é tão pesada tecnicamente. O foco típico, no ambiente da Regulação Contratual, recai sobre a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, toda vez que um risco se materializa e quebra esse equilíbrio. Em muitos contratos desse tipo existe a previsão de uma Revisão Tarifária Periódica, que funciona muito mais como um momento de avaliação dos desequilíbrios. Não é, como na Regulação Discricionária, uma revisão da própria remuneração do operador, mas sim uma oportunidade para reestabelecimento das condições de partida inicialmente pactuadas. Em vários casos, se prevê a participação de uma Agência Reguladora no processo de reequilíbrio econômico-financeiro, mas o papel dessa agência é bem mais leve, tecnicamente falando, que o da Regulação Discricionária.

Reequilíbrio econômico-financeiro de contratos

O desequilíbrio dos contratos de longo prazo submetidos à Regulação Contratual é um fato inevitável de sua vida econômico-financeira. Claro que alguns parâmetros estabelecidos nas condições de partida vão se alterar com o tempo, materializando riscos que deverão ensejar os reequilíbrios.

Por um lado, os contratos são pactuados sob determinadas premissas de partida que, sabe-se de antemão, não refletirão as condições futuras sob as quais o contrato se desenrolará ao longo dos anos.

A chave para a definição do impacto das alterações de condições sobre o contrato está na alocação de riscos subjacente. Hoje se utiliza, com frequência, o instrumento conhecido como Matriz de Riscos. A matriz de riscos do contrato constitui a estrutura de alocação dos riscos aos contratantes, público e privado, estabelecendo qual parte absorverá os impactos de uma lista de ocorrências inesperadas já previamente estipuladas em contrato.

A matriz de riscos não consegue ser completa em função dos diversos imprevistos que podem ocorrer. Não se pode descartar eventuais imprecisões na alocação de riscos que podem gerar dúvidas: por exemplo, se o risco de demanda está alocado a uma parte, mas um grande deslocamento da demanda ocorreu por força de uma decisão macroeconômica causada pelo governo, deve-se entender que se materializou o risco de demanda ou de decisão política? Chega-se a estabelecer bandas de variação de demanda para endereçar essa questão.

Por outro lado, é necessário estabelecer critérios objetivos para o reequilíbrio, de forma contextualizada ao ambiente e ao regramento de cada contrato. Alguns eventos são razoavelmente inequívocos como ensejadores dos reequilíbrios. Pode-se citar como exemplo uma obra essencial não realizada pelo parceiro público, privando o parceiro privado de um ativo que seria essencial à prestação de uma parte dos serviços contratados e evitando a geração da receita correspondente. Há diversas outras obrigações que, quando atribuídas ao parceiro público e não executadas, são fontes claras de reequilíbrio do contrato. Da mesma forma, a inadimplência do concessionário quanto às suas responsabilidades, quando as condições para a execução estão presentes, deve gerar reequilíbrio contratual em favor do parceiro público.

Reequilíbrios e o avanço da Participação do Setor Privado

Contratos de longo prazo são sistemas de incentivo que buscam maximizar o retorno à sociedade a partir das ações de parte a parte. Para que atinjam os objetivos para os quais são concebidos, é preciso cuidar para que os parceiros contratuais cumpram suas responsabilidades e que sejam tempestivamente penalizados pelo não cumprimento, compensando a outra parte na forma do contrato.

Um grande desafio para o desenvolvimento dos serviços públicos brasileiros está justamente na tempestividade da aplicação dos mecanismos de reequilíbrio. É um fato notório que a falta de celeridade dos reequilíbrios econômico-financeiros de contratos não é apenas um fator que desincentiva a Participação do Setor Privado em novos contratos, mas sim um elemento que encarece o custo de capital para novas parcerias.

Outro grande desafio é a superação do ímpeto de discricionariedade na aplicação dos instrumentos contratuais por entidades reguladoras. O ambiente da Regulação Contratual foi desenvolvido justamente para dar conta do excessivo risco regulatório envolvido na discricionariedade, com base no histórico das práticas do setor público no ambiente subnacional brasileiro. Abrir mão de flexibilidade, ou de discricionariedade do regulador, é uma forma de obter economicidade e efetividade dos contratos. A reintrodução forçada desses elementos desvirtua o pactuado e também encarece as novas iniciativas de Participação do Setor Privado em todo o país, em desfavor dos usuários e da sociedade.

Se a Participação do Setor Privado é uma saída para muitos dos graves problemas hoje enfrentados pelos cidadãos, a efetividade na gestão contratual, particularmente do lado do setor público, é o elemento que poderá potencializar esse instrumento.

Últimas Notícias: