Regulação Hídrica ESG
Por: Lucas Souza
A recente publicação do relatório final da Agenda Regulatória 2022–2024 pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) marca o início de um novo ciclo para a política hídrica no Brasil. Com 71% das metas executadas — o maior índice já registrado pela agência — e a consolidação de 29 atos normativos, o documento evidencia o amadurecimento institucional da ANA e eleva o nível de exigência sobre os grandes usuários de recursos hídricos e os prestadores de serviços de saneamento.
O relatório destaca eixos com impacto direto sobre o setor produtivo: regulação dos usos da água, fiscalização, estrutura tarifária e diretrizes para a prestação dos serviços de abastecimento e esgotamento sanitário.
A conclusão de 100% das metas nos eixos de fiscalização e implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos reforça o compromisso da autarquia com uma gestão mais eficiente, técnica e coordenada.
Esse fortalecimento regulatório está diretamente alinhado ao previsto pelo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020). Isso conferiu à ANA a competência de editar normas de referência para orientar a regulação dos serviços de água e esgoto. O objetivo é promover eficiência, universalização e segurança jurídica nos contratos. Até 2033, a meta é alcançar 99% da população com acesso à água potável e 90% ao tratamento de esgoto.
Regulação Hídrica ESG
Essas medidas têm potencial para melhorar a qualidade e a disponibilidade dos serviços de saneamento, mas também exigem uma nova postura por parte do setor privado. A era da gestão reativa ficou para trás. A lógica regulatória atual demanda rastreabilidade, auditoria e conformidade em tempo real. Empresas que operam concessões ou dependem intensamente da água precisam estruturar controles, investir em tecnologia e revisar processos.
De fato, a transformação já está em curso. O mercado de soluções tecnológicas para gestão hídrica cresceu 22% em 2023, movimentando R$ 2,3 bilhões, segundo a Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon).
Grandes operadoras de saneamento, como BRK Ambiental e Aegea, têm investido em digitalização, sensores e sistemas integrados de monitoramento. No agronegócio, que responde por cerca de 50,5% do consumo de água no país, empresas como Ambev e JBS têm implementado projetos de reúso, captação eficiente e redução de perdas.
Conflito entre diretrizes estaduais e federal
Esse é um dos principais gargalos identificados no próprio relatório da ANA: a assimetria regulatória. Estados como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul mantêm regras próprias, muitas vezes divergentes das diretrizes federais. Em paralelo, municípios criam normativas locais que, em alguns casos, inviabilizam investimentos. Um exemplo citado é o do Rio de Janeiro, onde uma norma municipal sobre captação de água conflitou com diretrizes federais, paralisando projetos de três empresas por oito meses.
Outro ponto crítico é o tempo médio de publicação de atos normativos: 628 dias — quase dois anos de espera por regras definitivas. Apesar da necessidade de consulta pública e rigor técnico, esse ritmo compromete a previsibilidade e a capacidade de planejamento das empresas. Para que a regulação seja um vetor de confiança e estabilidade, ela precisa ser não apenas robusta, mas também ágil.
A resposta a esses desafios passa por três frentes. A primeira é a criação de um conselho federativo permanente, com participação dos estados e municípios, para promover a uniformização regulatória. A segunda é a aceleração dos processos normativos dentro da ANA, com metas claras de tramitação. E a terceira é a introdução de incentivos econômicos para quem investe em eficiência. Como descontos em outorgas para projetos de reúso ou bônus tarifários para redução de perdas.
Ativo estratégico
A experiência do setor hospitalar ilustra de forma clara como a gestão eficiente da água e da energia impacta diretamente a sustentabilidade operacional. Segundo o relatório ESG nos Hospitais Anahp. Resultados e Boas Práticas, o consumo médio de água nos hospitais associados à entidade chegou a 0,96 m³ por paciente-dia em 2020 — o equivalente a 960 litros —, evidenciando a magnitude do uso hídrico no ambiente hospitalar. Parte significativa desse consumo, cerca de 35%, está concentrada em lavanderias, sistemas de refrigeração e processos de esterilização. Empresas e instituições que monitoram esses insumos em tempo real, com tecnologia adequada, não apenas reduzem custos, mas também se posicionam de forma estratégica frente às novas exigências regulatórias e às expectativas da sociedade.
Nesse contexto, o setor privado precisa abandonar a lógica da adequação pontual e assumir o protagonismo. A ANA avançou de forma importante ao estruturar uma agenda técnica, transparente e ambiciosa. Agora, cabe às empresas responderem com governança, dados, investimento e inovação.
Fonte: Conjur.