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Resíduo de eletroeletrônico não é sucata

*Por Henrique Mendes | [email protected] | 11 97983-1833

Acompanho de perto a evolução da logística reversa de eletroeletrônicos em nosso país. Avançamos bastante, mas ainda há desafios que nos esperam.

Tendo em vista a conscientização crescente sobre o tema, puxada pela assinatura do Acordo Setorial e a publicação do decreto 10.240/20, observamos um número cada vez maior de campanhas de comunicação e estratégias de divulgação que apresentam esta nova possibilidade aos consumidores, explicando que os eletrônicos usados podem e devem ser recuperados, alimentando toda uma nova cadeia baseada na recuperação dos recursos presentes nestes equipamentos.

No entanto, ao se pensar nas metas de coletas que as empresas precisam cumprir (chegando a 17% do volume comercializado no varejo em 2018), precisamos preparar o parque industrial da reciclagem do país até 2025. Temos hoje exemplos de empresas nacionais que atuam com qualidade de nível mundial, seguindo os mais rigorosos controles operacionais e de processo, garantindo segurança e rastreabilidade. Mas, por outro lado, temos também um setor informal que atua comprando e vendendo eletroeletrônicos como se fossem sucatas, sem o devido cuidado e controle que esta operação requer.

Tenho participado de grupos de trabalho que discutem o avanço da Logística Reversa e da Economia Circular como um todo e, para tanto, precisamos de mais clareza e regras mínimas. É preciso separar as atividades realizadas pelas empresas ao longo do sistema de logística reversa. Temos um cenário em que várias empresas se auto intitulam “recicladoras de eletroeletrônicos”, sendo que não realizam nenhuma atividade de reciclagem. Há também empresas que, de fato, realizam atividades de desmontagem e processamento dos equipamentos, mas foram dispensadas de qualquer licenciamento ambiental por parte da agência responsável  no estado.

Cada atividade realizada na logística reversa tem sua complexidade e suas características próprias. Temos as empresas que realizam a coleta do material, o transporte, o armazenamento, triagem, desmontagem e por fim, a reciclagem. Em alguns casos, uma mesma empresa pode realizar mais de uma destas etapas e isto precisa estar claro em seus cadastros e licenças de operação.

Entendemos como crucial, a distinção e especificação das atividades descritas na imagem acima. Isto porque, como demonstrado, nem todas as empresas realizam a desmontagem, processamento ou a reciclagem em si. Destaco estas etapas pois, a partir da desmontagem dos equipamentos, é que temos o momento crítico da logística reversa dos eletroeletrônicos.. A partir deste ponto, teremos resíduos resultantes  do desmembramento de eletrônicos e, alguns destes resíduos, podem, sim, ser classificados como perigosos, tais como o gás CFC (de alguns tipos de equipamentos de refrigeração), as baterias de lítio e o óleo do compressor dos refrigeradores.

É por conta destes componentes e substâncias que entendemos que a atividade de manufatura reversa não deve ser tratada como um processo de reciclagem convencional. Isto porque, quando falamos em reciclagem de forma genérica, as imagens que normalmente veem a nossa cabeça são de cooperativas ou pequenas empresas com seus trabalhadores separando embalagens em uma esteira. Normalmente o que se tem nestes casos são apenas embalagens plásticas, ou de papel e papelão, além das garrafas de vidro e latas de alumínio. Todos resíduos inertes e não perigosos.

No entanto, a etapa de triagem dos eletroeletrônicos pode ser realizada em conjunto com a desmontagem, a qual precisa ser feita de forma controlada e profissional, justamente para evitar que resíduos perigosos sejam liberados no meio ambiente de forma imediata e irrecuperável (como o CFC), ou que exponha os trabalhadores a riscos de saúde ou integridade física.

As empresas que realizam a manufatura reversa de eletrônicos se assemelham muito mais a indústrias do que a cooperativas. Apesar disso, em conversas que tivemos com várias agências ambientais, identificamos que nenhuma delas possui um procedimento de licenciamento ambiental específico para a atividade de manufatura reversa dos eletroeletrônicos. A atividade é realmente nova, mas, de toda forma, expomos a necessidade de criarmos meios para identificação e controle específicos destas empresas, para o bem de todos os envolvidos nesta cadeia.

Ao meu ver, um dos costumes que contribuem para esta percepção simplificada da atividade de manufatura reversa de eletrônicos é o fato das pessoas e empresas tratarem o resíduo de eletroeletrônicos como sucata.

Por mais que boa parte dos eletroeletrônicos tenham ferro ou outros materiais metálicos na composição,  há centenas de outros componentes que fazem parte do equipamento. Logo, reduzir a complexidade destes resíduos à sucata é o que permite que empresas, sem a devida capacitação, continuem a se apresentar como sendo “recicladoras de eletroeletrônicos”.

De acordo com a lei 9.605/1998, constitui crime ambiental o ato de manipular, acondicionar, armazenar, reciclar ou dar destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da lei ou regulamento. Destaco aqui que  eletrônicos usados (devolvidos nos PEVs) não são resíduos, muito menos, são perigosos. Além disso, é fundamental destacar que nem todo componente descartado, resultante da desmontagem dos eletroeletrônicos, é perigoso. No entanto, a manufatura reversa é, sim, a parte crítica de todo esse sistema, onde os resíduos de eletroeletrônicos são gerados. Esta é a atividade que carece de maior controle e profissionalização para termos a segurança de que aqueles resíduos e processos (que de fato conferem algum grau de periculosidade) estão sendo monitorados a contento.

Logo, seria adequado que houvesse a criação de um procedimento de licenciamento ambiental específico para a atividade de manufatura reversa dos eletroeletrônicos, assim como a criação de um código CNAE, também específico, para identificar esta atividade econômica que certamente se tornará cada vez mais significativa. Entendemos que seria positivo que o Ibama criasse uma ficha técnica de enquadramento para incluir a desmontagem e tratamento dos eletroeletrônicos, permitindo sua identificação de forma adequada no Cadastro Técnico Federal.

Estas são algumas sugestões que permitiram um avanço significativo rumo à profissionalização das empresas que atuam ou desejam atuar na cadeia da logística reversa dos eletroeletrônicos, conferindo mais segurança e eficiência para todos os envolvidos.

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