saneamento basico

Vulnerabilidade e sustentabilidade: saneamento em áreas indígenas a partir de uma abordagem interdisciplinar

Resumo

A agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável propõe um conjunto de 17 objetivos (ODS) que se inter-relacionam, considerando a erradicação da pobreza a ambição maior na articulação das dimensões econômica, social e ambiental. O objetivo 6 (ODS6) visa “assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos” (ONU, 2015). No Brasil, a problemática acerca do saneamento em áreas indígenas, relacionada ao ODS 6, é muito complexa e pouco compreendida. O cenário abrange um quadro epidemiológico com alta incidência e prevalência de doenças como diarreia e parasitoses intestinais em taxas superiores as da população não indígena, incluindo desnutrição e baixo peso associados à falta de saneamento básico. Segundo dados da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), até 2009, somente 35,48% das aldeias em terras indígenas e apenas 63,07% da população indígena no Brasil tinha acesso à água tratada (FUNASA, 2009). O estado nacional reconhece as graves carências em saúde e saneamento como problema social, pelo menos desde a implantação da Política Nacional de Atenção a Saúde dos Povos Indígenas, que instituiu o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena e forneceu diretrizes para a atenção primária e saneamento (BRASIL, 2002). Atualmente, a responsabilidade por realizar intervenções em saneamento em áreas indígenas é da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), órgão do Ministério da Saúde criado em 2010, responsável por “planejar e coordenar as ações de saneamento e edificações de saúde indígena” (BRASIL, 2016). A organização da SESAI estrutura-se em 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), cobrindo o território nacional, responsáveis pela implantação e execução dos serviços (BRASIL, 2002). Este resumo trata de pesquisa qualitativa e interdisciplinar com ênfase em avaliação de risco ambiental e na antropologia da saúde. A metodologia empregada parte de etnografia sobre a situação do saneamento entre os Munduruku do município de Borba (AM). Através da etnografia foram identificadas: as intervenções estatais em saneamento na Terra Indígena Kwatá-Laranjal; o histórico de implantação; a estrutura organizacional das equipes de manutenção e operação; a efetividade da participação comunitária; a avaliação pelos indígenas, entre outros. Esses dados servem de apoio para uma discussão sobre saúde desde uma visão ampla, conforme propõe a Agenda 2030 e consoante à perspectiva cultural sobre a qualidade de vida para os Munduruku, assim como a necessidade de incremento das intervenções em saneamento, intersetorialidade e autonomia.

Introdução

A problemática acerca do saneamento em áreas indígenas é muito complexa e pouco compreendida. Sabemos que está em curso uma grande transformação social e ambiental. A crescente população indígena, a depleção de recursos ambientais, a modificação de padrões de moradia e o incremento no consumo de mercadorias industrializadas compõem um cenário complexo que impõe desafios urgentes. Esta realidade exige reflexões críticas sobre os impactos e problemas emergentes, como na relação entre ambiente, saúde e qualidade de vida das populações indígenas considerando a perspectiva nativa como central para este processo. O desafio é pensar em modos de transferência de tecnologia e de conhecimento que possam impactar e serem percebidas como positivas para a sustentabilidade e qualidade de vida das comunidades locais.

A população indígena brasileira soma cerca de 800 mil pessoas, registrando-se 274 línguas diferentes, o que demonstra a grande diversidade étnica. Esta população habita centenas de territórios reconhecidos pelo estado nacional, cada qual com particularidades no que se refere à qualidade ambiental e níveis de poluição, incluindo a periferia das grandes cidades, áreas rurais degradadas e, mesmo, os habitantes das densas florestas, como na Amazônia. Nos diferentes contextos, os povos indígenas têm vivenciado impactos significativos relacionados à forma cada vez mais densa de ocupação das aldeias e à influência das cidades vizinhas.

A falta de saneamento básico no Brasil (água tratada, coleta e tratamento de esgotos e lixo) é fato notório e em terras indígenas o quadro é ainda mais grave. Dados oficiais apontam que até 2009, somente 35,48% das aldeias e apenas 63,07% da população indígena no Brasil tinha acesso à água tratada (FUNASA, 2009). A complexidade do cenário das políticas públicas de saneamento para as populações indígenas no Brasil abrange um quadro epidemiológico com profunda trajetória histórica, no qual se mantêm incidência e prevalência de doenças como diarreia e parasitoses intestinais em taxas superiores as da população não indígena, evidenciando a correlação deste quadro com o baixo nível de investimentos em saneamento e implantação de intervenções ineficazes por parte do estado nacional (COIMBRA et al., 2013). Mesmo em regiões como a Sudeste, na qual cerca de 91% das moradias são atendidas por redes de abastecimento de água, a situação do abastecimento de água potável em terras indígenas é precária (PENA; HELLER, 2008).

Uma análise das condições ambientais das terras indígenas no Brasil (VERDUM, 2004, p.1) indica que “tanto os direitos consuetudinários como constitucionais das populações indígenas não são respeitados”. Ainda segundo esse autor (p. 2), a “exploração predatória dos ‘recursos naturais’”, e a perspectiva materialista de que a água é apenas um recurso “inesgotável” a ser apropriado, claramente contradiz as perspectivas cosmográficas indígenas, para quem, frequentemente, a água é o elo com o invisível e espiritual. Com base em estudos da etnologia indígena, compreende-se que, para as populações ameríndias, a água é um elemento com significado simbólico fortemente relacionado ao funcionamento do cosmo e à reprodução biossocial das coletividades (DIAS-SCOPEL, 2015; SCOPEL; DIAS-SCOPEL; WIIK, 2012). Desse modo, a invasão, poluição, assoreamento e destruição de rios e lagos impõem tanto danos materiais sobre a saúde das pessoas, quanto danos de uma ordem moral que, por sua vez, impacta negativamente sobre a saúde coletiva indígena.

O 1º Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição Indígena (1º INSNI), que caracterizou o estado nutricional de mulheres e crianças com base em amostra probabilística representando o total da população indígena no país, foi altamente relevante para ampliar o conhecimento sobre a saúde das populações indígenas. A comparação dos resultados do inquérito com índices da população não indígena brasileira mostrou haver graves iniquidades em saúde, destacando-se deficiências nas condições de saneamento nas aldeias e a correlação destas condições com taxas de morbi-mortalidade elevadas principalmente entre crianças, com destaque para as gastroenterites, diarreias e déficit nutricional (COIMBRA et al., 2013). É importante registrar que estudos recentes têm revelado que as gastroenterites podem responder por quase metade das internações hospitalares de crianças indígenas e por até 60% das mortes em crianças menores de um ano (ESCOBAR-PARDO et al., 2010; LEITE et al., 2013; LUNARDI; SANTOS; COIMBRA JR, 2007; ORELLANA et al., 2007).

O objetivo geral da pesquisa foi investigar o cenário atual de implantação de políticas públicas de saneamento em terras indígenas, sendo objetivos específicos: a identificação das intervenções em saneamento promovidas pelo estado nacional na TI Kwatá-Laranjal; a identificação de riscos ambientais relacionadas ao saneamento ambiental na TI; a descrição das formas de participação dos indígenas nos processos de implantação, operação e manutenção; análise das estratégias de intervenção eficazes e dos desafios; e a análise das avaliações indígenas sobre as intervenções executadas e as demandas existentes.

Autores: Daniel Scopel; Raquel Paiva Dias Scopel e Eliana Elisabeth Diehl.

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