Saneamento Lacuna Universalização
Por Taís Hirata
Para universalizar o acesso a água e esgoto até 2033, o Brasil terá de preencher uma lacuna de ao menos R$ 197,5 bilhões de investimentos que não estão nem contratados nem em vias de serem licitados.
O cálculo é de estudo do departamento de economia da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), obtido em primeira mão pelo Valor
O levantamento aponta que até 2033 são necessários R$ 525,4 bilhões em obras para a universalização. Hoje, já há um total de R$ 327,9 bilhões de investimentos relativamente encaminhados – contratados em concessões vigentes ou previstos em planos de companhias estaduais e governos ou projetados nos contratos em estruturação pelo BNDES.
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Saneamento Lacuna Universalização
Embora aquém do necessário para a universalização em 2033, o volume de recursos é significativo, afirma Venilton Tadini, presidente-executivo da Abdib.
O estudo calculou que, caso os R$ 327,9 bilhões de investimentos se concretizem, já haverá um avanço importante. O país chegará a 2033 com um índice de 93,6% da população com acesso a água, contra 84,9% registrados em 2022, segundo os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Em relação à rede de esgoto, o atendimento chegará a 73,6% da população, contra 56% em 2022.
Nesse cenário, nenhuma das regiões do país atingirá totalmente a metas de universalização em 2033, mas o quanto faltará para isso varia muito: por exemplo, no Sudeste, o acesso à rede de esgoto chegará a 92%, enquanto no Norte a previsão é que alcance 43,8%, aponta o estudo.
Não é o suficiente, mas há um avanço dos investimentos em saneamento” — Venilton Tadini
Metas
A meta de universalização em 2033 já era vista com ceticismo por especialistas há alguns anos. Karla Bertocco, sócia da Mauá Capital, destaca que a própria lei de 2020 já previa que, em alguns casos, o prazo máximo da universalização poderia chegar a 2040.
“A capacidade de pagamento do usuário é limitada. Então se um volume muito grande de investimento é feito de forma acelerada, a conta fica muito cara”, diz.
Ewerton de Souza Henriques, diretor do Banco Fator, também observa que hoje diversas concessões em modelagem já trabalham com a data máxima de 2040 para a universalização.
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Cálculos
Segundo os cálculos da Abdib, caso a universalização do serviço de água se dê apenas em 2040. Será necessário um investimento adicional de R$ 49,7 bilhões, considerando o aumento da população no período. Na projeção de universalização do esgoto em 2041, o adicional será de R$ 33,1 bilhões. Ou seja, deverão ser demandados R$ 82,8 bilhões a mais no total, além dos R$ 525,4 bilhões inicialmente previstos.
“O aumento da participação do setor privado poderá trazer mais eficiência e reduzir essa projeção [feita com base em quocientes calculados a partir de investimentos dos últimos 15 anos], mas é uma hipótese”, afirma Roberto Guimarães, diretor de Planejamento e Economia da Abdib.
Para acelerar o ritmo de investimentos e garantir que as obras contratadas saiam do papel, analistas apontam diversos desafios. Um deles é o financiamento. “A capacidade das empresas absorverem investimentos em um montante tão elevado é um problema. Espera-se que as debêntures de infraestrutura possam preencher essa lacuna, mas o cenário de taxas de juros não tem sido favorável. Será preciso ampliar a participação do BNDES e trazer novos atores”, diz Henriques.
Analistas também apontam que atrair novos grupos ao setor ainda é difícil. “Tem muito operador e investidor se movimentando, mas ainda há receio de risco político. O fato de as agências reguladoras locais serem menores traz um risco regulatório”, afirma Gustavo Magalhães, sócio do Madrona Fialho Advogados.
Outra preocupação é com a cadeia de suprimentos, que nos últimos anos se mostrou um possível gargalo. “O ecossistema do saneamento não é só o operador. Ainda há uma situação difícil em relação aos fornecedores. Agora já há uma maior previsibilidade dos investimentos, o que pode dar condições para que a cadeia se desenvolva. Esse movimento começou, mas não de forma consolidada”, diz Bertocco.
Além disso, é preciso que a carteira de novas concessões do BNDES volte a avançar. Os analistas apontam, que não depende só do banco, mas também da disposição e capacidade dos Estados para viabilizar as licitações.
Para Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, a maior preocupação são alguns Estados que têm grandes déficits e onde os projetos não têm caminhado. “Por exemplo, o Acre investe uma média de R$ 3 por habitante, como vai atingir a meta? E alguns Estados só terão concessões viáveis se a capital entrar e estão encontrando resistência, como Rondônia”, afirma.
Para Tadini, diante do hiato entre os investimentos necessários e os já encaminhados, seria necessária uma ação da União, em especial nas regiões Norte e Nordeste, onde a lacuna é maior. “Esses Estados vão precisar acelerar a entrada do setor privado ou então será preciso definir novas políticas públicas de apoio federal para acelerar a universalização.”
Fonte: Valor.