saneamento basico

Drenagem urbana sustentável para a concretização de metas de ODS/ONU

Expressiva obra de recuperação do leito natural do rio Cheonggyecheon em Seul – Coréia do Sul e a revitalização urbanística de seu entorno caracterizam exemplo brilhante de Drenagem Urbana Sustentável

A desconstrução baseia-se na premissa da renaturalização, a qual, objetiva retornar ao balanço hídrico pré-urbanização (aumento do tempo de concentração e diminuição do pico de vazão), com alta permeabilidade, e demonstra inegável importância de preservação dos fundos de vale e Áreas de Preservação Permanente – APP’s, no Brasil, determinadas pelo Código Florestal.

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O Desenho Urbano influencia diretamente na drenagem urbana, ou seja, o controle e gerenciamento dos projetos urbanísticos impacta no desempenho final da rede de infraestrutura, especificamente de águas urbanas.

A compatibilização e eficiência dos projetos de infraestrutura – viária e saneamento – estão interligados ao controle do uso e ocupação do solo urbano, tendo em vista que o escoamento superficial é proporcional a impermeabilização. Tal afirmação está intimamente relacionada a densidade populacional e baixa permeabilidade do solo, características estas da intensa urbanização.

Entende-se como Saneamento Básico: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas pluviais. A Lei Federal N. 11.445/2007 estabelece diretrizes nacionais e o item “d” do inciso I do art. 3º define quanto à drenagem:

Drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas (alterado pela Redação dada na Lei nº 13.308/2016).

Segundo TUCCI (2014), drenagem urbana, no seu sentido intrínseco, pode ser mensurada como o conjunto de medidas, que tem por objetivo minimizar os riscos a que as populações estão sujeitas, ocasionadas pela intensa urbanização, diminuindo os prejuízos causados por inundações e permitindo o desenvolvimento urbano de forma harmônica, planejada e sustentável. 

Desequilíbrio do ciclo hidrológico urbano

Inundações, enxurradas e alagamentos são repetidamente noticiadas em centros urbanos brasileiros, e na maioria das vezes, erroneamente justificadas como desastres naturais provocados exclusivamente pela alta precipitação de determinado período do ano. No entanto, a explicação para tais ocorrências deve-se a uma somatória de fatores naturais (meteorológico e geotécnico) e antrópicos (urbanização).

Observando a dinâmica de urbanização, percebe-se a expansão considerável da área impermeabilizada e redução da permeabilidade do território, acarretando um desequilíbrio do ciclo hidrológico urbano. Vertiginosamente, acrescenta-se um volume de vazão no escoamento superficial reduzindo, com isso, a infiltração no solo.

É extremamente complexo o controle dos efeitos provocados pela urbanização no meio ambiente, levando-se em conta: o aumento significativo no volume total de efluentes produzidos pela população residente, seu tratamento e “descarte” correto; a ocupação distribuída ou adensada insuficientemente o que acarreta a necessidade de ampliação da infraestrutura; a diminuição considerável das áreas verdes para acomodar multirresidenciais, estacionamentos, centros comerciais e a consequente impermeabilização do território.

BMP (Best Management Practices), LID (Low Impact Development), SUDS (Sustainable Urban Drainage systems), WSUD (Water Sensitive Urban Design) e GI (Green Infrastructure) são algumas designações para as técnicas sustentáveis em Drenagem Urbana, que surgiram em países desenvolvidos como solução alternativa, econômica e viável para o sistema tradicional de macrodrenagem urbana.

Dentre os dispositivos recomendados: microrreservatório, pavimento permeável, poço de infiltração, jardim de chuva, faixa gramada, vala de infiltração, trincheira de infiltração e telhado verde, os quais, realizam o controle na fonte, ou seja, contribuem para a retenção no lote, consequentemente evitam a ocorrência de inundações e alagamentos à jusante da bacia hidrográfica urbanizada.

Este tema enquadra-se como instrumento para a concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, estabelecidos pela Organização das Nações Unidas – ONU, em atendimento as metas dos Objetivos 6, 11 e 13: implementar políticas e planos integrados para a inclusão, a eficiência dos recursos, mitigação e adaptação à mudança do clima, a resiliência a desastres; e tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos nas comunidades, além de incentivar o reuso da água.

Drenagem Sustentável

Os sistemas de drenagem urbana sustentável são dispositivos e técnicas desenvolvidos acerca do seguinte tripé: quantidade, qualidade e amenidade/biodiversidade, as quais devem ser alcançadas de maneira equilibrada (Woods-Ballard et al.,2007).

Miguez (2005) define BMP – Best Management Practices como um conjunto planejado de ações implementadas na bacia, com o objetivo de atenuar os impactos da urbanização, considerando não somente preocupações com a quantidade de água, mas também aspectos de qualidade das águas.

Define-se SUDS – Sustainable Urban Drainage Systems como: “elementos integrantes da infraestrutura hidráulica urbana, preferivelmente vegetados (naturalizados), e destinados a filtrar, reter, infiltrar, transportar e armazenar água de chuva, de forma que não sofra nenhuma degradação, ou inclusive permita a eliminação, de forma natural, de parte da carga contaminante que possa ter adquirido por processos de escoamento urbano prévio” (Gonzalo, 2008, tradução nossa).

Outro conceito que visa à sustentabilidade dos projetos de controle de inundações é o Desenvolvimento de Baixo Impacto (LID – Low Impact Development), conforme Coffman et al (1998) são projetos com objetivo de criar uma “paisagem funcional” capaz de agrupar características de projeto que buscam simular as funções de infiltração e armazenamento da bacia pré-urbanizada.

A seguir, as definições e funções de cada técnica de drenagem citada:

Telhados verdes

Toda a cobertura ou telhado, plano ou inclinado devidamente impermeabilizado e com sistema de drenagem para escoamento pluvial excedente, que agrega em sua composição, uma camada de solo ou substrato e outra camada de vegetação. São classificados quanto ao porte adotado em extensivos ou intensivos, no qual, diferem entre si unicamente pela espessura do substrato e vegetação utilizada. Os telhados verdes ainda podem ser classificados como acessíveis e inacessíveis, sendo o primeiro uma área aberta ao uso de pessoas, como jardim suspenso ou terraço, e os inacessíveis que não permitem a circulação de pessoas (CORREA & GONZALEZ, 2002).

Microrreservatórios

Sistema de drenagem pluvial em uma residência com dispositivo que funciona com o encaminhamento das águas precipitadas nos telhados e nos pavimentos impermeáveis ao microrreservatório. A água é direcionada a uma tubulação de saída, conectada à rede pública de drenagem urbana e deve possuir seção inferior à de entrada, de maneira a restringir a vazão de saída do escoamento. A partir do momento em que a vazão de chegada é superior à de saída, as águas precipitadas começam a ser armazenadas, retardando e diminuindo o pico do hidrograma de saída (DRUMOND, 2012).

Pavimentos permeáveis e porosos

Definidos como sendo aqueles que possuem espaços livres em sua estrutura por onde a água pode escoar, podendo infiltrar no solo ou ser transportada através de sistema auxiliar de drenagem. Este tipo de pavimento busca reduzir o volume de água referente ao escoamento superficial e, por consequência, reduzir a solicitação do sistema de drenagem urbana e a probabilidade de enchentes. Como efeitos complementares, tem-se a melhora da qualidade de água infiltrada por carrear menor quantidade de poluição difusa e a contribuição para a recarga (FERGUSON, 2005).

Poço de infiltração

Sistema consiste em um poço escavado no solo, revestido por tubos de concreto perfurados ou tijolos assentados em crivo, envoltos por uma manta geotêxtil fazendo a interface solo/tubo, e fundo revestido por uma camada de agregados graúdos, também envolta por geotêxtil, de forma a permitir a infiltração, para o solo, do volume de água pluvial escoado para o seu interior (REIS; OLIVEIRA; SALES, 2008).

Jardim de chuva ou biorretenção

Áreas escavadas e preenchidas com uma mistura de solo de alta permeabilidade e material orgânico. Tendem a proporcionar a máxima infiltração das águas escoadas e o crescimento vegetativo, controlando a quantidade e qualidade das águas advindas do escoamento superficial, através das propriedades químicas, biológicas e físicas das plantas, microorganismos e solo compõem o sistema (TROWSDALE & SIMCOCK, 2011).

Faixa gramada

Projetadas para receber o escoamento superficial de áreas impermeáveis e aumentarem a oportunidade de infiltração antes que o escoamento atinja a rede de drenagem. A sua utilização depende da topografia local, das condições de infiltração e a remoção de poluentes dependerá do comprimento percorrido pelo escoamento até a rede de drenagem. São próprias para regiões não muito secas, quando seria necessária a irrigação. Necessitam de manutenção, que pode ser feita como a manutenção geral das áreas verdes do local (FCTH, 1999).

Valas de Infiltração

Dispositivos de drenagem lateral, frequentemente empregados paralelos às ruas, estradas, estacionamentos e conjuntos habitacionais, entre outros. Eles concentram o fluxo das áreas próximas e propiciam condições para uma infiltração ao longo do seu comprimento. Durante chuvas intensas o nível das águas se elevam e permanecem com água durante algum tempo, pois a infiltração é vagarosa. Desta forma, o volume das valetas deve ser grande o suficiente a fim de que não ocorram alagamentos (TUCCI, 1997).

Trincheiras de infiltração

Tipicamente de formato alongado e estreito, geometria adequada à otimização da área ocupada pelas mesmas nos lotes urbanos, mas que requerem um pré-tratamento da água, que é supostamente obstruída pelo influxo de sólidos finos e a colmatação após algum tempo de operação do sistema, aumentando, ao mesmo tempo, a relação entre a área efetiva de infiltração, composta pelas paredes laterais, e o volume de armazenamento, o que pode ser feito por uma manta geotêxtil removível e lavável (MIKKELSEN et al., 1997; LAWRENCE et al., 1997).

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS

Em 2015, representantes da ONU firmaram um pacto através da Agenda 2030, cujo plano de ação indica 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, e 169 metas, visando a erradicação da pobreza e promover vida digna para todos. São objetivos e metas claras, para que todos os países adotem conforme suas prioridades e atuem em parceria global, guiando as escolhas necessárias para melhorar a vida das pessoas (PNUD, 2015).

Dentre os 17 ODS recomendados no plano de ação, no que se refere a aplicação das técnicas sustentáveis em drenagem urbana, enquadram-se nos ODS 6, 11 e 13, e respectivas metas 6.b, 11.b e 13.2. Considerando que as referidas técnicas são apresentadas como ação de prevenção/mitigação à ocorrência de desastres naturais: alagamentos e/ou inundações urbanas.

Objetivo 6. Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos.

Meta 6.b. Apoiar e fortalecer a participação das comunidades locais, para melhorar a gestão da água e do saneamento.

Meta 11.b: Até 2020, aumentar substancialmente o número de cidades e assentamentos humanos adotando e implementando políticas e planos integrados para a inclusão, a eficiência dos recursos, mitigação e adaptação às mudanças climáticas, a resiliência a desastres; e desenvolver e implementar, de acordo com o Marco de Sendai para a Redução do Risco de Desastres 2015-2030, o gerenciamento holístico do risco de desastres em todos os níveis.

Objetivo 13. Tomar medidas urgentes para combater mudança do clima e seus impactos.

Meta 13.2: Integrar medidas da mudança do clima nas políticas, estratégias e planejamentos nacionais.

Ao contribuir para aumentar a retenção, detenção e infiltração a implantação de dispositivos de drenagem sustentável, consequentemente, impedem a ocorrência de desastres naturais. As ações podem ocorrer nos lotes particulares e áreas públicas desempenhando função paisagística, ecológica, conforto ambiental, além do manejo sustentável das águas pluviais urbanas.

Considerações Finais

Como forma de precaver a ocorrência de inundações e/ou alagamentos urbanos, além do desenvolvimento de projetos de infraestrutura eficientes e responsáveis, deve-se criar uma base sólida de indicadores para medir a eficiência do sistema de drenagem urbana, abaixo citam-se atividades, medidas estruturais e não-estruturais a serem avaliadas e/ou vislumbradas para um planejamento urbano sustentável:

1.Áreas de Preservação Permanente – APP, Áreas de Proteção Ambiental – APA, praças, parques de preservação, lineares e recreativos, além das Zonas Especiais de Interesse Ambiental contribuem significativamente para ampliação das áreas permeáveis no território cada vez mais impermeabilizado das áreas urbanas;

2.Educação ambiental estimula a população a adotar ações que garantam a sustentabilidade urbana, incorporando conceitos de qualidade ambiental, uso racional de recursos, e principalmente a aplicação de métodos eficazes que contribuam para o manejo e controle do escoamento superficial, retornando às condições de pré-urbanização, mitigando assim a ocorrência de desastres naturais no meio urbano, conforme Baptista (2005);

3.Gerenciamento do uso do solo como medidas de restrição da ocupação nas áreas alagáveis, além de controle na ocupação das áreas com lençol freático aflorante;

4.A limpeza e manutenção dos sistemas de drenagem urbana aumentam sua eficiência, e consequentemente a vida útil. Organização e distribuição periódica das equipes de limpeza e manutenção dos Sistemas de Drenagem Urbana, tanto da microdrenagem (sarjetas, bocas-coletoras, poços de visita), quanto da macrodrenagem (galerias, canais, etc);

5.Estímulo à aprovação de projetos de loteamentos e multirresidenciais que apliquem as técnicas sustentáveis (BMP/LID), e a certificação “VERDE”. Os projetos ecologicamente eficientes, os quais seguem padrões com preocupação socioambientais devem ser divulgados a população, incentivando as práticas e os empreendimentos que atendem a seus requisitos (eficiência energética, reuso de águas pluviais, etc);

6.Estimular a implementação das técnicas sustentáveis por meio de campanhas, ações, programas e projetos educacionais divulgando assim a importância dessas técnicas para otimização da rede de drenagem urbana, tornando os cidadãos participativos.

Enfim, a publicização das técnicas junto aos profissionais de Arquitetura e Urbanismo e/ou Engenharias, além dos empreendedores, incentiva sua utilização nos projetos de drenagem contribuindo para a drástica diminuição da vazão direcionada para a macrodrenagem, auxiliando, desta forma, no crescimento urbano de forma ordenada e menos impactante ambientalmente.

Autoras:
Adriana Idalina Rojas Gutierrez: Arquiteta e urbanista, pós-graduada em Gestão da Drenagem Urbana – Programa de Pós-graduação da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Geografia – FAENG/ UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)
Ivanete Carpes Ramos: Arquiteta e urbanista, pós-graduada em Gestão da Drenagem Urbana – Programa de Pós-graduação da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Geografia – FAENG/ UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).

Fonte: Archdaily.

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