“É uma mudança de paradigma”. É assim que o engenheiro agrônomo e professor doutor Jozrael Henriques Rezende resume a questão que afeta a maior parte das cidades: a ocupação desordenada de margens de rios.
A situação piora nos municípios em que os mananciais cortam a zona urbana.
Na região, Botucatu, Jaú, Lençóis, Lins, entre outros, enfrentam esse problema. E uma questão que também não é resolvida: o investimento para minimizar custa caro e nem sempre a solução de engenharia é a melhor.
“Tem que mudar o modelo de desenvolvimento, a forma como se utiliza os fundos de vale. É preciso buscar um conceito diferente de drenagem urbana”, comenta Rezende.
O problema afeta a maior parte dos municípios brasileiros. O Conselho de Arquitetos e Urbanismo de São Paulo (CAU) iniciou em todo o Estado uma série de debates com especialistas para buscar projetos e mobilizar a sociedade para a recuperação dos rios de forma sustentável.
O gerente de Gabinete do CAU, José Eduardo Tibiriçá, destaca que o objetivo é preparar as cidades para o convívio “saudável” com os rios. Um dos encontros ocorreu em Bauru com participação de ecologistas e especialistas.
Rezende, por exemplo, é crítico ao projeto que vem sendo feito em Jaú para minimizar os problemas de enchentes frequentes que o município passou a enfrentar.
O investimento com recursos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) gira em torno de R$ 60 milhões, mas a obra caminha a passos lentos devido as dificuldades econômicas.
Aurélio Alonso |
Lago do Silvério em Jaú em obras com recursos do PAC |
Docente e pesquisador da Faculdade de Tecnologia de Jaú (Fatec), o professor afirma que a construção de diques para conter a água quando aumenta o volume do rio em região da cidade que a ocupação urbana é próxima do manancial não é a melhor solução.
A prefeitura justifica que o objetivo do trabalho de desassoreamento é enfrentar o problema de enchentes no Lago do Silvério e no Jardim Sempre Verde.
A crítica de Rezende é que existe uma urbanização das cidades que não se preocupa com a drenagem da água. “É um processo que ocorre, porque se impermeabiliza a cidade inteira.
Quando chove a água não infiltra no solo e chega rapidamente ao rio. A calha não consegue dar conta de todo esse volume, como as margens e os fundo de vale são todos ocupados ocorrem as inundações e os prejuízos aos moradores”, esclarece o especialista.
A impermeabilização do solo significa perda da capacidade de absorção da água pelo solo.
Este processo acontece principalmente nas cidades, em razão do asfaltamento, calçamento de ruas e calçadas, da própria construção de edificações e da cimentação dos quintais e jardins das casas.
Forma-se assim uma espécie de capa sobre o solo, impedindo que a água seja absorvida.
A cidade de Lençóis Paulista enfrentou uma das maiores enchentes na sua história em 2016.
Desde que o novo prefeito assumiu, Anderson Prado, o tema vem sendo debatido no Comitê Gestor da Bacia Hidrogáfica do Rio Lençóis criado exclusivamente para que a questão seja tratada com outros municípios que recebem água dos afluentes.
Rezende defende que as soluções devem ser conjuntas. O problema tem que ser tratado na Bacia Hidrográfica toda.
Em Botucatu, embora a topografia favoreça, o Ribeirão Lavapés e seus afluentes têm trazido problemas de enchentes na região da rodoviária.
A administração municipal planeja a construção de cinco “piscinões” – reservatório de água subterrâneo que controla a vazão de água.
O secretário-adjunto de Planejamento, Sergio Bacchi, explica que dos cinco projetos somente dois devem sair do papel. A prefeitura busca recursos para os investimentos. Leia mais nas páginas 18 e 19.
ESPECIALISTA DEFENDE MUDANÇA NO MODELO
PMJ/Divulgação |
Jozrael Henriques Rezende defende um novo modelo de desenvolvimento nas cidades |
O professor doutor Jozrael Henriques Rezende defende que chegou o momento de mudar a questão de enfrentar o problema das enchentes com obras que custam caro e muitas vezes transfere o problema de um local para outro.
Formado em engenharia agrônomo, ele é professor doutor em ecologia e recursos naturais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Ele cita, por exemplo, que nos anos 50 e 60, existiu uma tendência “higienista” de aterrar alagados ou mesmo canalizar rios para passar grandes avenidas.
O resultado disso são inundações e grandes prejuízos à população. Rezende foi convidado para falar sobre “Revitalização e renaturalização de rios urbanos” no dia 30 de agosto, em Bauru, no 3º Encontro Regional do Rios + Cidades, patrocinado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU/SP).
Soma-se a isso, a ocupação urbana descontrolada próxima a rios. Um dos exemplos é a capital paulista com o Rio Tietê, mas a dificuldade de uma convivência “saudável” com os rios é recorrente na maior parte das cidades brasileiras.
Outro fator da modernidade é a “impermeabilização”. A perda da capacidade de absorção da água pelo solo. As cidades são todas asfaltadas, sem áreas que possibilite a infiltração da água.
Muitas vezes há grandes canaletas para escoar a água pluvial, fora a construção de edificações e da cimentação dos quintais e jardins das casas, o que forma uma espécie de capa sobre o solo, impedindo que a água seja absorvida.
“É uma mudança de paradigma. Tem que mudar o modelo de desenvolvimento, a forma como se utiliza os fundos de vale. Essas consequências nefastas (inundações) que a gente costuma ver nas cidades poderia não ocorrer.
A ocupação de fundo de vale e como deve ser feita a drenagem urbana precisam mudar”, explica o especialista.
O novo conceito é buscar em locais próximos a rios áreas que possam servir para a infiltração da água pluvial no solo. De acordo com o especialista, a revitalização e renaturalização de rios e córregos urbanos e a reabilitação de suas margens é uma tendência mundial na atualidade.
Segundo Rezende, a tendência de “tamponar” ou canalizar rios vem da década de 60 que se preocupava com a estética, mas traz problemas ambientais em períodos de cheias.
A avenida Nações Unidas, em Bauru, é um exemplo disso.
“Em Bauru, existe o problema porque um rio foi canalizado. Quando chove, ele segue o caminho e vai correr e transbordar para avenida”, cita.
Não é o único exemplo, na Capital, as retificações nos Rios Tietê e Tamanduateí retiraram as curvas que permitiam amorteciam a vazão nos períodos de aumento do volume. A água desce mais rápida e como a ocupação urbana é desordenada acaba trazendo prejuízos, porque as áreas são inundadas.
De acordo com ele, há três conceitos para revigorar manancial degradado.
A restauração de um rio é recriar o anteriormente existente, restabelecendo as condições prévias do ambiente natural (restauração ecológica), já a reabilitação trata do beneficiamento do ambiente, dando a este função social, econômica e ecológica (parques lineares) e revitalização tem como objeto uma área decadente e o objetivo é promover vitalidade outra vez.
DEFINIÇÕES
Muitas vezes se confundem termos como enchentes, cheias e inundações, principalmente quando publicado na imprensa. Cada qual tem uma conceituação.
A enchente é elevação do nível da água no canal devido ao aumento da vazão antes do extravasamento (transbordamento).
Já cheia é nível da água atingindo a cota máxima devido ao aumento da vazão e extravasando (transbordando). A inundação muito recorrente em cidades é transbordamento das águas de um curso d’água, atingindo a planície de inundação ou área de várzea.
Já alagamento é acúmulo momentâneo de água em determinado local por deficiência no sistema de drenagem. E a enxurrada é escoamento superficial concentrado e com alta energia de transporte, essa que provoca danos em residências e provoca muitos danos.
PROFESSOR DISCORDA DO PROJETO DE JAÚ
Tanto na palestra de Bauru como em entrevista ao JC o engenheiro Jozrael Henriques Rezende citou o que vem sendo feito em Jaú para desarrorear o Lago do Silvério de que “não serve de exemplo para ninguém”.
A reportagem tentou ouvir a prefeitura de Jaú enviando os questionamentos por escrito, mas até sexta-feira não tinha sido respondido.
Desde a última gestão a prefeitura tenta resolver as pendências para a macrodrenagem na cidade com recursos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
O trabalhos começaram no Lago do Silvério com estimativa de investimento de R$ 40 milhões – na cidade inteira está orçado em R$ 60 milhões, com contrapartida de R$ 16 milhões do município de Jaú.
O projeto é transformar o lago numa lagoa de contenção de águas das chuvas proveniente do córrego dos Pires. Ao longo dos anos, o Lago do Silvério ficou assoreado, tomado por mato e terra. O desassoreamento é a dragagem e limpeza realizada no fundo dos rios e lagoas.
Para Rezende, o assoreamento no Lago do Silvério ocorre por causa da erosão nas margens. “Eles tiram a areia do fundo do lago e depositam em outro local. Quando vem a estação chuvosa leva a areia de volta ao lago. Os processos erosivos não estão sendo controlados”, alertou.
Ele também discorda dos diques que estão sendo construído em outra região para proteger as casas construídas à beira dos córregos. “Só que o dique não vai deixar a água extravasar.
Só vai agravar o problema das enchentes rio abaixo. Estão gastando dinheiro e não vai resolver”, vaticinou.
O projeto visa corrigir a parte hidrológica e o leito de água para combater o assoreamento do lago.
BOTUCATU PLANEJA FAZER PISCINÕES
Os alagamentos e transbordamentos de riachos ocorrem nos períodos de intensa chuva. O aumento da ocupação das cidades é um fato recorrente em qualquer cidade brasileira: as moradias foram construídas perto de mananciais e sem respeitar muitas vezes zonas de alagamento.
A cidade de Botucatu não foge dessa tendência. Nos últimos anos com o registro de enchentes próximo aos Ribeirão Tanquinho e Lavapés a administração municipal passou a elaborar projetos para minimizar e tentar solucionar o problema a médio prazo.
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Os trechos próximos ao Ribeirão Lavapés e seus afluentes, onde houve ocupação desordenada, têm sido atingidos por cheias |
O secretário-adjunto de Planejamento e responsável pelo escritório de projetos de engenharia e arquitetura da prefeitura de Botucatu, Sergio Bacchi, explica que a topografia do município é bem mais favorável do que Bauru, mais plana, para elaboração de projetos alternativos.
“O Rio Lavapés é mais acidentado tem ressaltos que dificultam a jusante (é o lado para onde se dirige a corrente de água), mas tem pontos de estrangulamentos onde acontecem enchentes”, afirma.
Esses locais ficam na Água Fria e Antárticta, próximo da rodoviária, onde houve uma ocupação mais próxima dos rios.
Bacchi cita que no período de chuva a quantidade de água que atinge um dos ribeirões acentua o volume e chega muito mais rápido. Esse problema ocorre porque a água da chuva não infiltra no solo. A calha desses ribeirões não é suficiente para suportar o volume e transborda.
A prefeitura de Botucatu planejou “piscinões” – reservatório que retém a água durante um período e vai lentamente soltando o volume para os mananciais. Na Capital, tem dado certo, mas é também objetivo de crítica de não ser a melhor solução, segundo o professor doutor Jozarael Rezende de Jaú.
Bacchi admite que são projetos com alto custo para o município. A prefeitura tem planos de por enquanto investir na construção de dois desses projetos.
Mas busca recursos estaduais e federais. Fora as desapropriações que já foram feitas, cada “piscinão” tem custo estimado em R$ 10 milhões.
Mas o engenheiro admite que a melhor solução seria abrir a calha dos rios para aumentar a declividade, conforme a vazão que ocorre a cada 100 anos.
Mas com a urbanização as margens foram tomadas e fica muito difícil essa desocupação. Além disso, o custo seria bem maior. “Tem que avaliar se a alternativa prevista cabe no orçamento do município.
Sinceramente é uma decisão difícil e um problema complexo. A microdrenagem em área já ocupada é muito difícil”, alegou Bacchi.
LENÇÓIS PAULISTA APOSTA EM TRABALHO CONJUNTO NA BACIA HIDROGRÁFICA
Após mais de um ano, o município de Lençóis Paulista ainda faz os reparos em pontes danificadas na zona rural pela enchente de 2016, uma das maiores na história do município que deixou debaixo d’ água dezenas de casas de moradores.
Desde que o prefeito Anderson Prado (PSB) assumiu a atual gestão vem mobilizando o Comitê Gestor da Bacia Hidrográfica do Rio Lençóis, composto dos municípios banhados pelo manancial, para medidas que vão surgir efeito a médio prazo.
“Não existe nenhuma grande obra. Criamos regras para que os reservatórios existentes possam funcionar como piscinões. Não adianta jogar o problema para mais para baixo do rio”, explica o prefeito, eleito presidente do Comitê.
O Conselho Técnico é formado por representantes das maiores empresas instaladas na região, clubes de serviços e organizações não governamentais.
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Rio Lençóis, que enfrenta problema de assoreamento na malha urbana |
Mas o Rio Lençóis está assoreado, segundo o prefeito. Será necessário um trabalho de dragagem para aumentar a profundidade em cerca de 1,60 a 2 metros.
O estudo de cotas topográficas fluviométricas elaborado com a empresa Zilor constatou que o manancial apresenta topografia de fundo plana e sem caída.
De acordo com o ambientalista Sidney Aguiar, o rio está muito assoreado e precisa passar por um processo de desassoreamento de forma emergencial.
Em nota técnica, o Conselho Gestor faz um alerta: “As intervenções precisam ser muito bem planejadas para interferir de forma correta e concisa, caso contrário a situação pode se agravar”.
E tem que ser até a segunda quinzena de outubro, quando inciam-se as torrentes de verão e se estendem até janeiro, quando alcançam o ápice das chuvas da região.
O prefeito esclarece também que outra medida importante adotada foi a redução no volume de água da represa do Castelhano em cerca de 80% e do reservatório da Prata.
Os dois reservatórios são espécie de “piscinões” – retém a grande quantidade de água. Se estiverem com volume baixo suportam o aumento da vazão no período de muita chuva.
De acordo com o Conselho Gestor, há oito reservatórios artificias de alta capacidade com dispositivo de segurança aptos a serem usados de retenção e transposição de volume.
Mas a resolução baixada endurece os critérios para construção, reparos e outorgas de barramentos artificias de águas na bacia hidrográfica do Rio Lençóis.
Mesmo com toda essa mobilização, o próprio Conselho não deixa de constar em um relatório que o risco de ocorrer novas inundações não estão descartadas.
O sistema de drenagem do Rio Lençóis está saturado e comprometido por elevação do fundo e obstruções estruturais, principalmente pelas pontes instaladas no Centro de Lençóis, grande parte dimensionada.
Prado, no entanto, destaca que o mais importante é que se busca em conjunto com os outros municípios resolver os problemas de vazão em toda a bacia hidrográfica do Rio Lençóis.
CONGRESSO EUROPEU
O modelo de gestão dos recursos hídricos desenvolvido na bacia do Rio Lençóis foi inscrito e será apresentado em um Congresso Europeu sobre gerenciamento de águas em Bruxelas, na Bélgica.
O foco principal da apresentação será em torno das problemáticas vividas há décadas na bacia do Rio Lençóis e como está sendo tratadas essas situações dentro do gerenciamento integrado e compartilhado.
O modelo empregado na bacia é a única tentativa de aumentar os períodos de retornos dessas inundações, que hoje estão a cada ciclo de cinco anos e, cada vez mais frequentes e violentas.
O ambientalista Sidney Aguiar é um dos integrantes e fundadores do Conselho Gestor da Bacia Hidrográfica do Rio Lençóis criado para tomar as medidas que possam minimizar e reduzir os prejuízos com enchentes.
Fonte: JC Net.