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Resistência de moradores dificulta avanço do saneamento no país

Imagem Ilustrativa

Levar saneamento básico a todos ainda é um desafio no Brasil, país de dimensões continentais em que 35 milhões de pessoas ainda não têm acesso à água tratada e 100 milhões continuam sem coleta de esgoto. Mas, em muitos lugares, as empresas de saneamento encontram um obstáculo que não tem a ver com infraestrutura: a resistência de parte da população.

Empresas precisam investir no corpo a corpo para convencer população dos benefícios e garantir que todos conseguirão pagar pelos serviços

Para quem não está acostumado a pagar a conta de água, um novo boleto todos os meses pode parecer um prejuízo. As inúmeras vantagens de ter água limpa e esgoto devidamente tratado são ofuscadas pelo costume de conseguir água em poços e despejar dejetos em locais inapropriados, hábitos que prejudicam não só a saúde da população, mas o meio ambiente, em geral.

As empresas de saneamento já entenderam que, para conseguir acessar locais desabastecidos, é preciso fazer um trabalho de conscientização, principalmente em áreas mais carentes. Em Manaus (AM), por exemploa concessionária Águas de Manaus, do grupo Aegea, faz uma verdadeira peregrinação nas comunidades para explicar a necessidade do saneamento básico.

A empresa se depara com lugares em que a situação é bastante precária, muitas vezes com água sendo coletada de poços irregulares e fezes e urina jogadas em igarapés. Ainda assim, há resistência à instalação dos serviços. Gisele Dantas de Oliveira, 42 anos, moradora do bairro Cachoeirinha, na zona sul de Manaus, diz que alguns vizinhos ainda não querem pagar a conta.

Durante visita da reportagem a Manaus, em maio, a convite da Águas de Manaus, uma moradora de uma comunidade próxima se revoltou contra a instalação da rede de água e pediu para que os tubos de borracha que conectavam casas a um poço irregular fossem colocados de volta.


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Saneamento

A resistência à coleta de esgoto às vezes é ainda maior, porque os benefícios do esgoto tratado são menos visíveis do que da água que sai da torneira. Eder Campos, diretor de Clientes, Inovação e Serviços da Iguá Saneamento, que tem 18 operações em seis estados brasileiros, conta que é comum que as pessoas não saibam sequer se estão conectadas às redes.

Pesquisa de acompanhamento feita pela empresa em cidades com esgoto recém-implantado mostra que 40% das pessoas não tinham se conectado 60 dias após a chegada da rede na região. Outras 16% não sabiam dizer se estavam ou não conectadas.

Para Carlos Almiro, head de ESG da BRK Ambiental, empresa privada de saneamento presente em mais de 100 municípios brasileiros, a abordagem tradicional não funciona para famílias de baixa renda. É preciso se aproximar da população. Ele afirma que, no curto prazo, as pessoas não veem benefício em ter acesso ao saneamento básico. 

“Fizemos uma pesquisa com famílias em Pernambuco, e a mensagem que ‘o saneamento impacta a sua saúde’ não conecta com as rendas baixas, porque elas pensam no curto prazo. Ou seja, qual renda vai ter para alimentar a família amanhã”, conta Almiro. A pesquisa foi feita no início deste ano, como parte do diagnóstico de campo para subsídio ao microcrédito.

Nem sempre a resistência acontece porque a população não quer ou não pode pagar pela água e pelo tratamento de esgoto. Às vezes, é uma dificuldade de entender a relação entre o saneamento e a melhora na saúde e na produtividade das pessoas. “Em alguns casos, a população não quer pagar a tarifa por não entender que é um serviço, e não um imposto”, afirma a presidente executiva do Instituto Trata Brasil, Luana Siewert Pretto.

Segundo ela, devido a essa dificuldade de correlação, o obstáculo do convencimento das pessoas é algo muito comum não só em regiões pobres. “Mesmo em locais desenvolvidos, às vezes as pessoas não percebem que, com saneamento, as crianças vão ficar doentes com menos frequência, por exemplo. Não entendem que a falta de saneamento leva o filho a ter dor de barriga. Se não entende o benefício, acha que é mais uma tarifa”, diz Pretto.

Redes ociosas 

Em tese, quando existe uma rede disponível, os moradores são obrigados a fazer a ligação. Mas não é o que acontece na prática, já que raramente há punição para quem não faz. Milhões de famílias não se conectam porque não querem. Esse problema foi evidenciado em um estudo do Instituto Trata Brasil, que mostrou que 3,5 milhões de moradores das 100 maiores cidades do país optaram por não fazer a ligação.

Os dados são de 2015, mas, segundo Pretto, o problema persiste em 2022. “É algo bastante cultural ainda nos dias de hoje. Uma mudança nisso seria muito lenta”, observa. O principal motivo apontado pelos moradores para não se conectarem às redes era a falta de capacidade de pagamento da tarifa de esgoto, em 36% dos casos.

Alguns alegaram falta de informação (18,4%) e a ausência de sanções para quem não se interligasse (13,2%). Pretto conta que há situações específicas, como quando as pessoas não querem estragar o piso da casa, por exemplo. Por isso, muitas vezes, o trabalho nas comunidades precisa ser no corpo a corpo, principalmente em famílias de renda mais baixa.

E, para isso, as empresas costumam contar com a ajuda de lideranças comunitárias. “A gente mapeia lideranças e às vezes faz até sorteios para premiar famílias que se conectaram ao esgoto. É preciso que os clientes entendam que a água é de qualidade, para aproximar a empresa da ponta”, conta Almiro.

Inadimplência

Segundo Eder Campos, da Iguá Saneamento, a comunicação direta com os clientes passou a ser uma prioridade não só para trazer pessoas para a rede, mas para mantê-las conectadas. “Muita gente deixa de pagar a conta, a empresa corta o serviço e depois essas pessoas não voltam”, afirma.

A falta de capacidade de pagamento é um fator de preocupação razoável. Em 2018, 9,2 milhões de famílias brasileiras não pagaram a conta de água e esgoto, mesmo tendo os serviços, segundo o Trata Brasil. No caso da Iguá, o índice de inadimplência hoje é de 7,8%, mas chegou a 8,1% em 2021. O objetivo agora é voltar para os índices antes da pandemia de covid-19, quando era de 4,8%.

O problema da falta de pagamento precisa ser enfrentado até em locais que já atingiram a universalização dos serviços de água e esgoto. No Distrito Federal, por exemplo, a principal dificuldade relacionada ao saneamento não é chegar até a casa das pessoas — 99% têm acesso à água e 95%, ao esgoto — mas garantir que elas vão pagar a conta.

A inadimplência no DF também aumentou durante a pandemia de covid-19, conta o diretor de operação e manutenção da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), Carlos Eduardo Borges. Antes, o percentual ficava em torno de 3% a 4%. Nos últimos dois anos, atingiu um pico de 11% e, agora, começa a encostar em 7%.

Em regiões mais carentes do DF, a situação é pior: até 30% não pagam as contas de água em alguns locais. Nesses casos, as empresas entram com programas de renegociação de dívidas e tarifa social, que costuma beneficiar famílias que estão registradas no CadÚnico do governo federal e que realmente têm dificuldade para pagar o serviço.

Essa tarifa costuma ser bastante reduzida, geralmente pela metade, para garantir que ninguém ficará sem acesso a água e tratamento de esgoto por falta de dinheiro. “Tarifa social é questão de política pública e de justiça social. Não é a empresa que define, é o poder concedente em cada contrato”, conta Campos, da Iguá. “É  importante porque garante a capacidade de pagamento das pessoas”, diz.

O que leva à inadimplência, em geral, não é uma eventual alta no preço da água, que em Brasília, por exemplo, não aumenta há três anos, mas a crise econômica e o desemprego, diz Borges. O gasto com saneamento, segundo o Trata Brasil, corresponde em média a 3,7% da receita das famílias mais pobres, menos do que serviços como telecomunicações, por exemplo, que correspondem a 5,6%.

Embora nas áreas regularizadas do DF o saneamento básico chegue a todos, há mais de 200 mil pessoas em ocupações irregulares próximas à capital que não têm acesso oficial à água e ao esgoto. Isso gera outro problema social, às vezes ainda mais difícil de ser contornado: a grande quantidade de ligações clandestinas, os chamados “gatos”.

“Além da irregularidade, essas ligações clandestinas provocam aumento do índice de perda de água. Sem contar que conexões irregulares colocam em risco o sistema de abastecimento, porque são feitas sem acompanhamentos. A rede passa em locais sem esgotamento sanitário e isso pode ser uma porta de entrada para bactérias”, conta Borges, da Caesb.

Fonte: Exame.

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