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A concessão de cada um

Desde a edição da Lei Federal 8.987 de 1995, que disciplinou o regime de Concessões de Serviços (e Bens) Públicos após a Constituição de 1.988, vivemos ciclos de debates sobre a conveniência a acerto de se permitir que a iniciativa privada preste um Serviço Público.

A publicação da Lei das chamadas “Parcerias Público Privadas” (que em verdade são meras formas de Concessão), adicionaram lenha ao debate, pois ao permitir que o Poder Público pague parte ou a totalidade da “tarifa” da concessão, ampliou consideravelmente o universo de potenciais contratos de concessão.

Ainda assim, a cada eleição vemos ferrenhas discussões sobre o tema, usualmente ancoradas em um simplório binário “a favor ou contra” a privatização.

Vencida as eleições, cremos, é tempo de fazer uma análise um pouco mais detida, abrindo início a um diálogo que, idealisticamente, permita à sociedade melhor se posicionar sobre o tema.

Por primeiro, é necessário afastar – uma vez mais – a confusão usual entre “privatização de um Bem Público” e a “Concessão de um Bem ou Serviço Público”. Privatizar, de forma genérica, significa transferir para a Iniciativa Privada. Todavia, a Privatização de um Bem se dá pela sua alienação (venda), solução em que o Poder Público deixa de ter qualquer gerência sobre o bem, ao passo que na Concessão, o Poder Público delega ao Privado o que ele, Poder Público, quer, na forma como quer, e apenas temporariamente.

A distinção é de relevo. Tomemos por exemplo imóveis da Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô/SP. O Metrô/SP, ao longo dos anos, alienou (vendeu) parte dos imóveis que não mais tinham uso para sua atividade fim. Estes, então, foram “privatizados”. Todavia, para outros imóveis, entendeu a Companhia que outro uso poderia ser dado, um que trouxesse sinergia para suas atividades. Assim, ele “concedeu” sua titularidade por “n” anos, indicando o que queria que fossem feitos nestes imóveis e, ainda mais, exigindo uma participação na remuneração futura. Assim, surgiram os Shoppings Centers nas estações de Metrô…

Note-se que neste segundo caso, o “vencedor” da licitação não tem a propriedade do imóvel, de forma que ele não foi “privatizado”. O Privado, neste caso, assume temporariamente a gestão do bem que segue sendo público. E ainda assim dentro de regras pré-definidas pelo Metrô/SP.

Da mesma forma pode-se apontar os serviços de telecomunicações, costumeiramente apontados como exemplo de privatização… Estes são sim prestados por empresas privadas, mas não deixam de ser Serviço Públicos, estando submetidos a um conjunto de regras pré-definidas (e fiscalizadas) pelo Poder Público.

Nosso intento é tratar, portanto, das Concessões, e não de simples operações de venda de ativos públicos.

Pois bem. A Concessão é marcada pela imposição do Poder Público sobre o que deseja que seja feito, a forma como deseja seja feito e, em alguns casos, até mesmo a rentabilidade limite que ele tolerará seja auferida pelo Parceiro Privado.

O Contrato de Concessão não se difere em muito de um Contrato Administrativo qualquer, possuindo o Poder Público todas as mesmas garantias e privilégios tipicamente por ele ostentadas em uma relação contratual.

Esta particularidade contraria o senso comum que empresta às Concessões a ideia de que o Parceiro Privado poderá fazer com o Serviço Público o que desejar. Isso não é correto.

Será o Poder Público, e só ele, quem indicará os limites e formas de atuação do Parceiro Privado. É certo que a Iniciativa Privada tentará maximizar seus ganhos, procurando eficiência na forma como prestará os serviços a ela confiados. Não obstante, é o Poder Público que dará os parâmetros a serem observados.

Traduzindo isto em exemplos concretos, quando se reclama – por exemplo – que uma determinada linha de ônibus não possui ar condicionado, é muito provavelmente porque o Contrato proposto pelo Poder Público não o exigiu, ou alternativamente, porque o Contratado não está sendo fiscalizado adequadamente. Mas não porque o Agente Privado opta por prestar um serviço ruim (ou menos adequado).

O agente privado oferece seu preço em resposta aos parâmetros dados pela Administração Pública, de forma que se o Edital exige uma determinada comodidade, ela é precificada e incluída na matriz da proposta comercial. Do contrário, não será ofertada.

O exemplo pode ser extremado, mas reflete qualquer relação contratual seja ela privada ou pública… Um empreiteiro não irá instalar um equipamento de ar condicionado em uma reforma por sua liberalidade. Ele o fará se for contratado para isto.

Quando começamos a compreender isto, torna-se mais fácil entender que a Concessão não é mais do que uma solução alternativa às demais formas de prover a população de um Serviço Público qualquer.

Voltando ao exemplo do ônibus, é certo que uma Cidade pode (i) Constituir uma empresa pública que preste, ela diretamente, os serviços de transporte coletivo, (ii) contratar, pelo regime da 8.666 de 1.993, os serviços com empresas privadas ou, finalmente, (iii) conceder o direito de exploração destes serviços com empresas privadas.

Usualmente se opta pela terceira solução pois a gestão direta de uma empresa como esta é tormentosa e não raro, muito dispendiosa, ao passo que a contratação direta dos serviços é limitada pelo prazo de 5 anos (inciso II do artigo 57 da Lei Federal n. 8.666 de 1.993), tornando a recuperação do investimento muito difícil.

A Concessão coloca-se, então, como a modalidade contratual que permite aproveitar a capacidade de otimizar custos da Iniciativa Privada, com o prazo adequado para que os investimentos necessários para a prestação dos serviços (garagens, frota, contratação de equipes etc) sejam devidamente amortizados.

O que é importante destacar neste momento é que a opção pela Concessão, nestes casos, não é decorrente de um posicionamento ideológico. Em verdade, é decorrência do pragmatismo financeiro com o dinheiro público: A concessão é a solução mais econômica para o cidadão.

É, realmente, simples a este nível.

Todavia, o Poder Público deve adotar as cautelas necessárias para que o Contrato que ele proponha reflita na prestação de um Serviço Público digno e adequado não somente no momento da contratação, mas por todo o ajuste.

E aí reside um arte de antever a evolução e inovação dos serviços que nem sempre é bem captada.

Seja como for, e para encerrarmos este pequeno primeiro introito ao tema, o que queremos aqui firmar é que os Contratos de Concessão não subvertem nem alteram o objeto que eles contratam. Desta forma, a operação de uma linha de ônibus não deixa de ser Serviço Público acaso contratada por Concessão.

A prestação dos serviços preservará sua natureza e essência de um Serviço Público, e eles manterão submissão à gestão (ainda que indireta) do Poder Público.

Caberá, contudo, ao Poder Público saber fazer valer sua supremacia sobre a Iniciativa Privada, e extrair dela todo o seu potencial de otimizar os custos e prestar um bom serviço, transferindo a comunidade suas economias e ganhos, sem retirar-lhe qualidade na prestação dos serviços.

Autor: Alexandre Frayze David

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