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O choro tardio pela água derramada, por Luiz Hespanha

Há pelo menos uma década, em períodos pré e pós-eleitorais, os paulistas convivem com imagens e índices preocupantes da redução do nível das águas em sistemas como os da Cantareira e Guarapiranga. E aí, duas perguntas não param de ecoar. A primeira é: onde começa a falta de planejamento e termina o estelionato eleitoral? E a segunda: incompetência e descaso com políticas públicas são ou não pontas do mesmo novelo? A seca que trouxe o racionamento e suas consequências muda de nome em São Paulo. Por aqui ela vira a “crise hídrica que provocou a elevação do nível da redução da pressão da água dentro dos limites técnicos”. O seco e certo é que a crise do abastecimento que vivemos e que piora a cada dia, há muito poderia ter seus efeitos limitados.

No entanto, as ações mais intensas continuam no terreno do malabarismo verbal, no exercício costumeiro da transferência das responsabilidades. A culpa transita entre São Pedro, que castiga São Paulo como nunca aconteceu em 80 anos, e o governo federal; que deixaria sem saída a Sabesp ao não conceder isenção do PIS/Confins (R$ 680 milhões/ano). Sobrou até para a portuguesa Catarina de Albuquerque, relatora da ONU para a questão da água, que criticou a falta de investimento no setor pelo governo Alckmin. O governador chamou às falas o secretário-geral das Nações Unidas, o sul coreano Ban Ki-moon e exigiu retratação. Sabedor da importância política de Geraldo Alckmin como liderança mundial em ascensão, Ban Ki-moon simplesmente ignorou a solicitação.

O governador e a mídia complacente não choraram antes pela água derramada. São desconhecidos da opinião pública as responsabilizações criminais e pagamentos de multas de empresas que fazem do desperdício uma prática. O autodesperdício também continua. A própria Sabesp admite um índice superior a 30%, ou seja: água perdida no caminho entre a estação de tratamento e a torneira. O acompanhamento do destino dos recursos, o histórico da tubulação, nada disso tem sido merecedor de reportagens mais aprofundadas que ultrapassem as informações oficiais disponibilizadas pela Sabesp.

Sobre o déficit da empresa e quem são os acionistas que receberam mais de R$ 500 milhões de um lucro de R$ 1,9 bi entre 2012 e 2013, nem um pio, ou melhor: nem uma gota! É que o alvo é apenas você que, numa combinação de burrice com irresponsabilidade, abre a mangueira para lavar a calçada ou o carro no domingão. Pra quê desnudar a falta de investimento na expansão do abastecimento recomendada no longínquo 2004 pela Agência Nacional de Águas, época da outorga de renovação da Sabesp? Desde então, apenas um sistema produtor em expansão, o de São Lourenço, foi criado. Segundo especialistas, com uma vazão de menos de 5 metros cúbicos por segundo seu impacto sobre o abastecimento está muito aquém da necessidade.

Inaugurações de volumes mortos e promessas para N.S. Aparecida não resolvem o problema do cada vez mais reduzido armazenamento dos sistemas Cantareira, Alto Tietê, Alto Cotia e Guarapiranga. As chuvas dos últimos dias que interromperam a queda dos níveis dos mananciais (o sistema Cantareira manteve o índice na casa dos 11%) não elimina a possibilidade de um cenário desolador e dramático num prazo relativamente curto.

À falta de água para higiene pessoal e lavagem de louças e roupas podemos somar a interrupção ou redução das jornadas de trabalho, o que inevitavelmente causará desemprego. Bares e restaurantes também reduzirão o uso dos sanitários e, também, funcionários. O mesmo acontecerá em locais de lazer como parques, cinemas e clubes. Mais desemprego! A queda da safra levará o preço dos alimentos, em especial os hortifrutigranjeiros, a níveis superiores à altura das caixas vazias de água. Mais desemprego! E o preço, hoje já dobrado, dos caminhões pipas? Convém lembrar do mais que previsível controle do tráfico de água pelo crime organizado e seu dinheiro sempre bem lavado. Animador, não?

O agravamento da situação, como sempre, atingirá de maneira mais intensa a população de baixa renda e a classe média, que já convivem com a suspensão do abastecimento. A primeira por dois, três ou mais dias seguidos; e a segunda em períodos noturnos ou determinadas horas do dia. Tudo isso não torna improvável o êxodo da elite branca rumo a Miami, ou quem sabe rumo ao eleitoralmente maldito Nordeste de belas praias, resorts e cacimbas!

Debitar a crise hídrica na conta de São Pedro deu certo durante a eleição. Mas, daqui pra frente, mesmo com a generosidade e o partidarismo da mídia, será difícil não adotar medidas efetivas para reduzir o desperdício, postergar investimentos e garantir o abastecimento de pelo menos dos chamados serviços essenciais. No Palácio dos Bandeirantes o discurso mudou e o governador, além de pedir água ao governo federal, decidiu transformar esgoto em água de reuso e, esta, em água potável. Mais uma vez o anúncio da medida no vídeo teve a pompa, a circunstância e a edição de uma reportagem produzida pela TV Sabesp.

A palavra do momento é colaboração! Mas, tão certas quanto o agravamento da crise do abastecimento são as eleições. 2016 tem uma, 2018 outra, 2020, 2022 e por aí vai. Mas não precisamos esperar tanto. Já vivemos a batalha do terceiro turno presidencial e a água será moeda eleitoral de grande valor. Para desespero, esperança e audiência do eleitorado!

Luiz Hespanha é jornalista, aluno da Pós-Graduação em Política, Mídia e Sociedade da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), na disciplina da professora Jacqueline Quaresemin.

Fonte e Agradecimentos pelo Envio da matéria: Jornalista Luis Nassif

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