saneamento basico

Populismo sanitário

As duas tragédias que assolaram o município do Rio de Janeiro na última semana demonstram que saneamento básico não comporta espaço para amadorismo e politicagem.

O município do Rio de Janeiro, nos últimos dias, vivenciou duas grandes tragédias vinculadas pela falta de saneamento básico, o alagamento em diversos bairros da cidade, especialmente na zona sul (Jardim Botânico) e na zona oeste (Campo Grande e Santa Cruz), além da queda de dois prédios construídos irregularmente na comunidade do Muzema. Ambas as tragédias levaram a morte de 10 pessoas pelas chuvas e dezesseis pela queda dos prédios, havendo ainda 5 desaparecidos.

Mas por quê tais tragédias ainda ocorrem?

A omissão do Poder Público municipal quanto aos investimentos necessários na drenagem e no manejo de águas pluviais, faz com que as galerias de águas pluviais não possuam a capacidade de absorção necessária ou que não hajam reservatórios para amortizar esse nível de chuva, que embora tenha sido intenso, de maneira alguma, fora imprevisível.

Além disso, nos últimos anos, a Fundação Rio- Águas teve sua finalidade desvirtuada, tendo passado de uma Instituição para planejar e dotar a Cidade do Rio de Janeiro de sistemas de manejo de águas pluviais visando ao controle de enchentes, à qualidade dos corpos hídricos e a promover o saneamento, para uma agência reguladora da concessão do esgotamento realizado na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Drenagem

Essa mudança de escopo fez com que essa importante Instituição perdesse o foco na drenagem e passasse a atuar de maneira contraproducente à sua missão institucional, o que ajuda ainda mais a explicar os pífios investimentos que o setor tem recebido.

No ano de 2018, o Município teve autorização para dispender 2,22% do seu orçamento anual com o saneamento básico, o equivalente a R$ 671.087.525,00.

Contudo, analisando os valores constantes para projetos de expansão dos serviços de saneamento básico no Código 17120357 do Volume II da Lei municipal nº 6318/2018 (Lei Orçamentária Anual- LOA), possuía apenas projetos na ordem de R$ 137.146.833,00 para a expansão dos serviços, o que é irrisório para o setor.

Orçamento destinado para o saneamento

Ademais, destaca-se que a maior parte do orçamento destinado para o saneamento está para despesas de manutenção na área, um montante de R$ 437.677.508,00, mas nem essa ação foi realizada com a presteza necessária.

A análise do percentual despendido para o setor no ano passado demonstra claramente que o Município do Rio de Janeiro não tem o menor interesse em atender as inúmeras demandas que possui nem tem um plano para melhorar essa situação.

O plano municipal de saneamento do Rio de Janeiro é muito fraco tecnicamente não apresentando de maneira clara soluções estruturais para a drenagem e o manejo das águas pluviais, sendo portanto mais uma mera peça de ficção do que um plano efetivo para resolução dos problemas sérios e graves pelos quais a cidade passa repetidamente.

Plano municipal de saneamento

Caso o plano municipal de saneamento fosse efetivo, deveria ser vinculativo para o Executivo municipal, inclusive com um orçamento impositivo, de modo que os futuros prefeitos fossem obrigados a, de fato, resolver as questões vinculadas ao saneamento, em especial, a drenagem de águas pluviais.

Do mesmo modo que há falta de investimentos no setor de drenagem, também há na questão de encostas, inclusive com o desmonte da Fundação Geo-Rio, que foi fundada após os graves eventos chuvosos que castigaram o Rio de Janeiro em 1966. Ou seja, há mais de 50 anos ainda não fora aprendida a lição.

É importante destacar que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro já possui diversas ações que tratam sobre os problemas de encostas no município do Rio de Janeiro, o que, por si só, já demonstra que o município e seu Prefeito, inclusive, já tinham e têm o conhecimento e a obrigação de cuidar dessas encostas.

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro deveria apurar essas mortes e denunciar os responsáveis que, por omissão, deram causa à essa tragédia. Apenas com a certeza de que tais mortes não foram oriundas de casos fortuitos da natureza, mas sim resultantes de omissões contundentes de gestores públicos por meio da redução nos investimentos e na manutenção de encostas e galerias de águas pluviais, será possível mudar essa realidade que já dura várias décadas.

Senão acabar com essa cultura de improviso e descaso na área de drenagem, o Rio de Janeiro está fadado a repetir essas mortes, torna-se necessário investir nas instituições que tem excelência na área de drenagem e de encostas, possuir efetivamente um plano sólido de saneamento básico e recursos vinculativos para acabar com mortes como essas.

A única lição positiva de toda a tragédia foi a demonstração de solidariedade de toda a população carioca e brasileira, houve centenas de iniciativas de empresas privadas, pessoas físicas, associações, igrejas, instituições públicas de apoio às vítimas e suas famílias, através da doação de comida, água, roupa, utensílios domésticos e outros itens, o que significa que, de fato, o povo brasileiro se ajuda nos momentos mais difíceis.

Colunista:

colunista

O colunista Rodrigo Hosken é advogado da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro – CEDAE, Pós-graduado em Direito Tributário e associado da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (ABES-RJ).

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