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Resíduo limpo deve virar energia limpa para as cidades

A paixão pelo mar começou quando a jovem Carla Liguori morava em Santos. Paulistana, ela veio para Cidade ainda menina e observava, diariamente, a movimentação da maré. Hoje, a doutora em Direito Ambiental Internacional pela Universidade Católica de Santos e pela Osaka University é especialista no tema poluição das águas internacionais e nas políticas nacionais de gerenciamento de resíduos sólidos.

Autora do livro Ilha de Lixo: A Proteção Ambiental das Águas Oceânicas, Carla é reconhecida e se destaca pela ampla pesquisa sobre a ilha de lixo, imenso bolsão de resíduos à deriva no mar e que se concentra em áreas do Pacífico Norte. O trabalho, inclusive, levou a brasileira a uma temporada no Japão, onde aperfeiçoou seu trabalho.

Convidada para palestra em Santos, a especialista falou com A Tribuna sobre a pesquisa no Pacífico Norte, do trabalho em defesa dos oceanos, sobre a situação do Brasil (16º no ranking mundial em despejo de lixo plástico no mar, com 47 mil toneladas por ano – a China é a primeira, com 8,82 milhões de toneladas por ano), sobre as ações ambientais desenvolvidas em Santos e na Baixada Santista e da importância da conscientização sobre as questões ambientais.

O que a levou a escolher o tema mar como base de estudo?
O mar sempre foi uma paixão. Vivi em Santos por 18 anos e olhava para ele todos os dias e, assim como ele se movimentava, alguma coisa dentro de mim me movimentava para que eu passasse a ver o meio ambiente. Ao longo da minha carreira jurídica, descobri o meio ambiente quando estava trabalhando com empresas. A sustentabilidade e a necessidade de evolução e de tratamento dos conflitos atuais da sociedade fizeram com que eu me voltasse a esse lado e passasse a pesquisar sobre novas ferramentas para a solução de conflitos ambientais.

E o tema escolhido foi a ilha de lixo?
A extensão da ilha de lixo faz com que se acredite que ela possa ser considerada como um continente. O meu projeto de estudo foi a ilha de lixo do Pacífico Norte, que vai da Califórnia, passa pelo Havaí e chega até o mar do Japão. Estamos falando de 700 mil quilômetros quadrados, ou duas vezes o estado do Texas. É uma ilha só de resíduos. Não bastasse sua área, ela tem, ainda, 10 metros de profundidade. Então, estamos falando de uma poluição quase que impossível de ser limpa. E, ao mesmo tempo, em contínuo crescimento.

O que causa essa ilha de lixo?
Os giros de água da Terra se encontram com outras correntes e fazem com que o acúmulo de resíduos lançados nas águas se concentre nesta região e gere esse grande território de resíduos. Ou uma grande ilha de lixo.

Como resolver esse problema?
Essa é a grande questão. Certamente, o que temos hoje, dentro de um sistema lógico normativo de cooperação mundial, é construir novas formas de ferramentas de cooperação e de políticas locais para que esses resíduos não cheguem ao mar. Uma vez no mar, que tenhamos ferramentas para não deixar que os resíduos alcancem os oceanos, porque aí não alcançarão o giro e o giro não vai chegar à ilha. Esse tema é o que trago no meu livro. São novas ferramentas da participação de todos os atores possíveis, desde a sociedade civil até os governos, no desenvolvimento de novas políticas e ferramentas locais, primeiro para não gerar os resíduos e, segundo, caso não consiga minimizar esses resíduos, ao menos evitar que eles cheguem à água.

Resíduo limpo

Apesar de não ser tão intenso como no local que você desenvolveu seu estudo, o problema do lixo é uma realidade no mar da Baixada Santista. Como resolver isso?
Quando falamos de uma questão global, falamos de uma interdependência complexa. E o que isso quer dizer? Tudo o que acontece em nível local, gera efeitos internacionais e vice-versa. Ainda que seja uma única cidade, onde há um problema de descarte de resíduos, isso vai gerar efeitos. E esses efeitos vão ser sentidos por todo o mundo. Nós temos alguns institutos e organizações que já trabalham na localidade. A China faz um trabalho muito interessante de gerenciamento e limpeza de áreas e a ideia é de se criar barreiras, para que os resíduos não alcancem as águas abertas. A maior poluição existente hoje é a poluição de terra. Então, o objetivo é sanar esse problema.

Como colocar os projetos em prática na região?
Tudo o que é praticado na questão de consciência ambiental em qualquer país, pode ser colocado em prática no Brasil. A primeira coisa é criar uma consciência ambiental, na população e no desenvolvimento das políticas. A outra coisa é trabalhar em conjunto com os atores locais, ou seja, a sociedade local, os institutos locais, o setor privado local. O Governo regulamentando certas possibilidades, a sociedade sabendo fazer mudar o modelo da consciência e as empresas do setor privado possibilitando a execução dessas medidas. Quando vemos uma ação conjunta, vemos o que precisamos de efetividade.

Hoje, as prefeituras, como a de Santos, apostam na reciclagem. Qual a proposta para melhorar esse trabalho e diminuir os impactos ambientais?
Nós temos uma questão muito interessante em Santos, que apesar de todo o esforço e da dificuldade ainda para gerir esse problema, é uma Cidade inovadora na questão de sustentabilidade. Ela é precursora de inúmeras ferramentas, além da lei de resíduos. Existe aqui uma gestão preocupada com essa questão.

O que você vivenciou no tempo que passou no Japão?
Pude perceber que algumas políticas locais funcionavam muito bem. E uma delas foi o desenvolvimento de um projeto onde as prefeituras, junto com o Estado, chamavam as comunidades e estas eram divididas em jurisdições locais, para ficar mais fácil monitorar e localizar o problema daquela região e desenvolver políticas específicas setoriais. O setor privado ajudava nessa divisão, nessa coleta e nessa separação junto com a comunidade local. Aquilo que poderia ser reutilizado era encaminhado para pessoas necessitadas ou efetivamente para organizações de fins sociais. E o que poderia ser reciclado era encaminhado para os locais de reciclagem, para geração de nova matéria prima.

O que falta para o Brasil?
O que nos falta hoje é um investimento de longo prazo de possibilidades tecnológicas, na Baixada e em todo o Brasil. Temos de acabar com os aterros e fazer com que o resíduo limpo vire também uma energia limpa para as cidades. Temos de usar menos os recursos naturais. Lembrar que biodiversidade é vida. É aliar a tecnologia às necessidades sociais.

A Baixada Santista discute a destinação do lixo. Na sua opinião, o que pode ser feito?
A minha pesquisa é de poluição de águas causada por resíduos de terra. É uma questão que ainda está sendo enfrentada. Somos considerados, sim, um País que cumpre as necessidades ambientais. Mas ainda temos uma defasagem muito grande em cumprir prazos, em cumprir programas, em desenvolver novas tecnologias e em pensar em políticas públicas de prevenção. O Brasil ainda trabalha não com a questão de prevenção, mas com ações de remediação. Acontece o problema e nós vamos e tentamos resolver. O Brasil é muito grande e temos muito território, então, precisamos desenvolver tecnologia, para não ter de aterrar lixo e para não produzir o tanto de lixo que produzimos. Ainda mais em cidades portuárias, como Santos, e regiões como a Baixada Santista como um todo, que está muito ligada ao mar, aos lençóis freáticos e a uma série de outras questões ligadas à água. Temos de pensar nas soluções localizadas. As necessidades de Santos não são necessariamente as mesmas de São Vicente. Temos que setorizar as ações.

O que você passa para os jovens, como mensagem?
Além da consciência ambiental, a ideia é passar esperança. Acho que podemos ter um País com futuro bem melhor para quem está vindo. Sermos muito mais felizes, com um meio ambiente saudável e equilibrado.

Como colocar essa ideia na cabeça das pessoas?
Demonstrando e deixando claro que temos a visão triste do que ocorre hoje. Demonstrando que existem ferramentas para mudar isso e a primeira delas é a consciência de se fazer melhor do que tem sido feito.

E o seu livro?
Meu livro é o resultado de uma pesquisa, que teve início em 2014. Percebi em uma das pesquisas que as pessoas passaram a deixar seus países por questões ambientais. Uma delas era por causa da falta de água para sobreviver. Isso me chamou a atenção e acabei aprofundando as pesquisas. Quando conheci a história da ilha de lixo fiquei horrorizada. A partir desse momento me dediquei à pesquisa. Então, fui convidada pela Universidade de Osaka, onde vivi e de onde trouxe muito material, já que aquela área é afetada pela ilha de lixo.

Fonte: Especialista Carla Liguori em entrevista para “A Tribuna”

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