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Amostras de água da Cedae com coliformes fecais aumentam 50%

RIO — Uma ameaça à saúde está chegando às casas dos cariocas. E pela torneira. Nos primeiros seis meses do ano, aumentou em 50% o número de medições que mostraram coliformes fecais na água encanada do sistema Guandu, o principal da Região Metropolitana, na comparação com o mesmo período de 2014. A base da denúncia é a própria conta mensal da Cedae, que apresenta esses dados. A empresa diz que não há risco, mas médicos, infectologistas e outros especialistas afirmam que a situação é preocupante e que a população precisa se precaver.

O coliforme termotolerante indica que a água foi contaminada por fezes de humanos ou animais. Segundo especialistas, eles abrangem um grande número de bactérias que não são, na sua maioria, patogênicas, ou seja, causadoras de doenças. Mas é um dos parâmetros para se definir a qualidade da água e indica que pode haver risco à saúde.

Nesta primeira metade do ano, foram registrados esses tipos de coliformes em 24 amostras. No ano passado, na mesma época, isso aconteceu em 16. Mesmo proporcionalmente há um aumento: este ano, foram detectados coliformes termotolerantes em 7,8% das 307 amostras, contra 6,18% das 259 em igual período de 2014. De acordo com a portaria do Ministério da Saúde que regulamenta o tema (2.914/2011), a água tratada no Brasil não pode ter qualquer coliforme termotolerante.

Embora não existam dados oficiais, médicos e hospitais informam que, este ano, houve um aumento de problemas gastrointestinais da população da cidade. A má qualidade da água pode ser uma das causas para isso. O risco maior é para o consumo de água direto da torneira.

— Esses dados são preocupantes e mostram problemas que podem, sim, afetar a saúde da população. Não sabemos o que causou essa piora nos indicadores de coliformes termotolerantes. Pode ser que a qualidade da água que chega à Cedae tenha piorado com a crise hídrica. No entanto, o mais provável é tenha havido aumento do número de ligações clandestinas e infiltrações na rede, por causa da menor pressão da água nos canos — explica o professor-pesquisador Jaime Lopes, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), ligada à Fiocruz.

O médico Artur Timerman, embaixador do Instituto Trata Brasil e mestre em infectologia pela Universidade de São Paulo, afirma que os dados da Cedae indicam riscos. Eles mostram que os consumidores podem estar sendo infectados por vírus, bactérias e protozoários.

— A gama de doenças que podem ser causadas por essa má qualidade da água é grande, vai da hepatite tipo A a gastroenterite, poliomielite e diarreia, que é ainda mais grave no caso de crianças — explica o médico, que atua em instituições como o Hospital Israelita Albert Einstein.

Ele acredita que esse não é um problema apenas do Rio, pois diversas cidades apresentam indicadores semelhantes. Para o médico, o assunto precisa ser tratado com prioridade, como um caso de saúde pública:

— O fato de uma cidade que sediará os Jogos Olímpicos ainda apresentar coliformes termotolerantes em seu sistema de água tratada mostra como esse assunto não é tratado com a devida atenção no Brasil.

BOA PARA BANHO, NÃO PARA BEBER

Rebeca Vazquez Novo Martins, mestre em microbiologia e parasitologia aplicadas e professora da Faculdade de Medicina de Petrópolis, confirma a gravidade dos dados.

— Podemos dizer que a água da Cedae tem balneabilidade, mas não potabilidade. Ou seja, pode ser utilizada para banho, mas não pode ser bebida diretamente da torneira — diz ela. — O problema é que as pessoas nem sempre limpam ou trocam seus filtros nos intervalos corretos. Elas podem estar com produtos inadequados acreditando que estão protegidas.

A especialista lembra que, além do uso correto dos filtros ou de água fervida, é preciso ter um cuidado maior na preparação dos alimentos, principalmente verduras e frutas.

Márcia Dezotti, professora de engenharia química da Coppe/UFRJ, minimiza os dados. Ela diz que eles podem ser um indicativo de ligações clandestinas na rede, mais comuns em áreas mais precárias. Segundo a professora, o sistema de abastecimento do Rio tem 14 mil quilômetros de tubulações, é muito grande e sujeito a problemas. Ela frisa que, apesar de tudo, progressos têm sido feitos:

— Acredito que estamos caminhando. Partimos de situações muito precárias. E temos que lembrar que o próprio padrão brasileiro de qualidade da água está aquém do estabelecido em países desenvolvidos, onde se analisam micropoluentes em exames mais refinados.

Apesar dos problemas, historicamente, tem diminuído no país a incidência de doenças graves que podem ser relacionadas à má qualidade da água, como a cólera. Especialistas dizem que isso ocorre porque, nos últimos anos, aumentou o número de pessoas no Brasil abastecidas com água tratada — mesmo que ela não atinja os parâmetros mínimos estabelecidos em lei.

No Rio, não há dados oficiais que comprovem o aumento da incidência de doenças gastrointestinais — esses casos não são de notificação obrigatória. As secretarias de Saúde do estado e da prefeitura não se pronunciaram sobre o tema. Mas médicos do serviço público confirmam, sob sigilo, que esse tipo de problema tem crescido na cidade. Outros falam disso abertamente:

— Há mais procura nas emergências por causa de problemas gastrointestinais no verão, quando esse tipo de doença responde por mais de 30% dos atendimentos. No outono e no inverno, esse índice fica abaixo de 20%. Este ano, temos visto dias em que chega a 30%, 40% do total, mas não podemos dizer que a causa seja apenas a água. Pode ser devido ao ano estar mais quente e seco ou até em consequência da crise econômica, com pessoas consumindo alimentos mais baratos, que nem sempre tiveram a melhor higiene em seu preparo ou o armazenamento correto — diz o médico Carlos Frederico Porto Alegre, gastroenterologista da Rede D’Or.

CEDAE APRESENTA DADOS DE 2011

A Cedae informou, por e-mail, que “realiza o controle de qualidade da água rigorosamente em conformidade com a portaria 2.914/11, do Ministério da Saúde”. A empresa afirmou que a análise dos dados apurados no sistema de controle é mais complexa do que apenas um resumo divulgado no site ou nas contas de água. Também disse que o fato de existirem “amostras fora dos padrões” não significa que haja “problemas de qualidade que coloquem em risco a saúde as pessoas. Isto pode ser gerado por problemas relacionados à coleta” ou se tratar de casos pontuais, “que são corrigidos imediatamente, quando constatados”. A Cedae frisa que sua água “é própria para consumo direto na bica” e cita estudos da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Instituto Proteste) realizados em 2011.

EMPRESA NÃO É MONITORADA POR AGÊNCIA

Especialistas afirmam que parte dos problemas da Cedae se deve à fiscalização precária sobre as suas atividades. Atualmente, a empresa não é monitorada pela Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio (Agenersa). Isso só deve acontecer a partir de agosto. Cabe apenas ao presidente da Cedae estabelecer as tarifas da empresa. A obrigatoriedade de regulação está prevista na lei federal 11.445, de 2007.

— Mesmo agentes municipais de saúde, que poderiam fazer coletas e analisar a água, estão mais focados no combate à dengue. Assim, a Cedae fica praticamente sem fiscalização — diz o professor Jaime Lopes.

Rebeca Vazquez Novo Martins acredita que os números da qualidade da água da Cedae podem ser ainda piores.

— Há fortes indícios de que as metodologias da empresa para análise estão ultrapassadas — afirmou a especialista.

Para Edison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, a Cedae é uma das empresas mais fechadas do país.

— Não sabemos se os melhores investimentos são feitos. Talvez a tarifa precisasse ser até maior, para a modernização das estações de tratamento — disse ele.

 

Fonte: Correio do Povo

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