Inovação envolve copiar e adaptar soluções de um local para outro de modo a agregar valor para o negócio
Migrar entre vários setores e áreas tem algumas desvantagens na ótica de consolidação de carreira, mas apresenta uma grande oportunidade para inovar. Tive o privilégio de estar imerso no ambiente de startups e ter no CEO da Iguá uma liderança que também navega por esse ecossistema. Uma das provocações que trouxemos para o saneamento envolve o CHURN.
CHURN é a perda de clientes! Definição simples e poderosa, de grande preocupação das startups (afinal reter clientes é um grande indicativo de sucesso). Negócios com altas taxas de CHURN por sua vez representam alto risco de fracasso. Perder clientes ativos indica um produto ou serviço não ajustado à necessidade do cliente.
Apropriando de um conceito de quem é investidor anjo mega conceituado temos a menção de João Kepler:
“CHURN é basicamente o cancelamento, a perda ou a rotatividade de dinheiro em relação à sua base atual de clientes. CHURN mensal = clientes perdidos / total do mês anterior” Smart money
Por que olhar CHURN no saneamento?
A primeira barreira do setor saneamento para o olhar do CHURN envolve um passo antes: o desafio de se ver como prestador de serviços. Falta muito ainda o olhar de cliente no saneamento. Felizmente isso vem mudando, é parte da transformação da Iguá Saneamento, que tem por exemplo a atitude de “perceber o cliente” como parte de seu DNA.
Quando se tem a visão de clientes usualmente a preocupação recaí em faturamento e número de ligações ativas (clientes, que para o setor de saneamento são edificações, sejam casas, comércio, indústria ou condomínios). A preocupação usual ainda envolve o cadastro no sentido do perfil (a tarifa residencial é distinta da industrial por exemplo) e do número de economias (um condomínio de 10 apartamentos = 1 ligação ativa com 10 economias). Temos, usualmente, a visão de quem vende produto e não serviço, e com visão de segmentação dos clientes bem limitada.
Mas por que preocupar com CHURN? Afinal o saneamento é um monopólio, as pessoas dependem desse serviço essencial e não tem escolha a não ser a companhia local de abastecimento de água. Temos aqui uma das barreiras mentais mais fortes do setor.
Concorrência no setor
Ao ver o setor sem concorrentes desconsideramos cada vez mais duas potenciais fontes de fuga de cliente: abastecimentos alternativos (poço e caminhão pipa por exemplo) e fraude. Questões que envolve riscos para saúde das pessoas, problema para saúde pública. O posicionamento típico a esses problemas envolve a força do preço e da fiscalização ao invés de criar relacionamento para entender o cliente, suas dores, desejos e frustrações.
Nesse sentido cabe por óbvio ver reputação do serviço e ter um canal ativo de capturar a percepção do cliente, e nesse sentido a defesa de um modelo contínuo de monitorar o KPI do Net Promoter Score (NPS) – clique aqui e conheça mais sobre isso. Contudo, não basta ter a percepção do cliente nos casos de fuga do sistema, é preciso monitorar esses clientes que estão fora do sistema. Entra em campo o CHURN como KPI essencial.
CHURN como base de um modelo de gestão centrado no cliente
O cálculo do CHURN no saneamento envolve a visão dos clientes que deixaram de estar ativos em um determinado período de tempo. Imagine uma cidade com 100 mil ligações ativas de água em um determinado ano. Ao longo do tempo alguns clientes deixam de pagar suas faturas e são suspensos do serviço (ou em uma linguagem mais comum, e mais agressiva, são cortados do serviço de abastecimento de água). A cidade tem seu crescimento vegetativo e novas ligações são demandadas. Ao final de um ciclo de tempo se tem 101 mil ligações ativas.
O gestor pode olhar para esse crescimento de 1% e se sentir satisfeito. Afinal está dentro da projeção da modelagem de crescimento vegetativo.
Contudo, imagine que tivemos 2 mil novas ligações derivadas de novos empreendimentos imobiliários nesse período. Isso significa que 1 mil ligações da base original deixaram de ser ativas. O CHURN foi de 1% e se não temos esse KPI deixamos de perceber essas mil ligações que passaram a ficar a margem do sistema.
Estatística dos clientes
Precisamos saber quem são, e aqui entra a beleza do CHURN. Para ter essa estatística é preciso ter a identificação de todos os clientes e comparar sua evolução no tempo. Não basta apenas ver o total de uma base comparada a outra. A magia dos microdados entra em campo. É preciso conhecer o cliente, um a um. Diante disso abre-se caminho gigantesco para entender e atuar.
Entendendo o uso do CHURN no saneamento de modo mais didático
Para entender de modo mais didático a forma de ver o CHURN entenda que devemos ver a foto desse KPI à luz da movimentação de sua base de cadastro de clientes conforme imagem abaixo:
O CHURN representa o movimento A da figura, o % de clientes que se perdeu no período. Que eram ativos na data X e deixou de ser na data Y. No exemplo os 1 mil clientes. O movimento B representa os clientes que recuperei, não eram ativos na data X e passaram a ser na data Y, no exemplo hipotético, 100 clientes que pediram sua religação no período. Em uma visão de mercado de serviço mais maduro como telecom podemos ter uma visão do que importa é monitorar A+B, ter sempre a taxa de quem entra e sai da minha base existente em níveis baixo.
O movimento C que finaliza a compreensão da mudança da base cadastral representa o número de novas matrículas (que nascem ativas) no período. No exemplo 1.900 clientes. Importante entender a diferença entre B e C, pois são fruto de dois esforços comerciais distintos: de um lado recuperar clientes ativos, de outro atender a demanda de crescimento vegetativo da cidade (ou novos empreendimentos abastecidos pelo sistema).
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Separar os efeitos A, B e C tem um valor de conhecimento da realidade do negócio. A+B representam um retorno maior sobre o capital investido na medida que não exige novo investimento. Já o movimento C envolve, geralmente, novo investimento em redes de distribuição. Essencial dizer que o movimento A representa destruição de valor, e por isso um KPI essencial: o danado do CHURN.
Ciclos reduzidos
Entenda que podemos quebrar sempre esse movimento em ciclos menores comparados, e o esforço de relacionamento com cliente envolve reduzir o CHURN total do período, pois o esforço B´ de um período posterior significa atacar o CHURN A do período anterior. A junção da visão representaria, portanto, um efeito zero, pois o movimento B (religar) anula A (suspender clientes) se olharmos apenas a visão sem a quebra da data intermediária.
A meta teórica de qualquer sistema deveria ser um CHURN zero. Porém como qualquer indicador cabe alguma reflexão de seu uso prático.
Algumas reflexões práticas do CHURN no saneamento
- CHURN pode ocorrer quando temos imóveis desocupados. Assim, cabe entender se sua perda envolve imóveis desabitados, seja temporariamente por vacância de inquilino, seja por um prazo maior, uma indústria que faliu. Em qualquer dos casos saber quem (quais clientes) constituem esse CHURN é ponto importante para gestão e atualização da base cadastral.
- Muitas vezes iremos nos deparar com sistemas (cidades) com CHURN baixo e cabe cuidado antes de ficar feliz. CHURN baixo pode representar inadimplência alta.Clientes que não pagam e não são suspensos, e alimentam um ciclo vicioso de não valorização do serviço de abastecimento de água e tratamento de esgoto. É destruição de valor para o negócio.
- Contudo ver CHURN alto é mau sinal absoluto. No pior cenário trata-se de um movimento de esvaziamento da cidade, o que é horrível (imagine o CHURN hipotético da cidade de Fordlândia – a cidade virou fantasma). A boa notícia é que uma atuação sistemática para gestão de clientes consegue reverter esse cenário e gerar muito valor.
Características de rentabilidade
- CHURN é rentabilizar sistema e ter uma tarifa potencialmente menor(sim a tarifa envolve na sua modelagem teórica todos os aspectos de inadimplência e fuga do sistema). CHURN é gestão e conhecimento da sua base cadastral (gestão da informação é um desafio, remontar visão histórica muitas vezes inviável). Qualidade da base cadastral é um desafio complementar e com sinergia positivas. Melhorar a base de cadastro e o CHURN andam juntos.
- Sistemas maduros deveriam ter um CHURN menor que sistemas novos, a rede de distribuição universalizada, a cultura de adimplência e nível de serviço mais conhecido são elementos da maturidade do sistema de saneamento em uma cidade. Contudo, mesmo em sistemas maduros, ver o CHURN tem valor: você pode estar deixando de atender um determinado cliente por não conseguir vê-lo.
Por fim, cabe reforçar que a visão de clientes no saneamento é embrionária. Uma cultura a ser desenvolvida. Ver o CHURN em períodos distintos é essencial (o CHURN anual e suas quebras mensais, e semanais). Encurtar o tempo entre suspender clientes inadimplentes e sua religação é ação de gestão necessária. O KPI ajuda a fazer tal gestão.
Abrace a causa do CHURN
Espero que o artigo tenha ajudado a entender a importância do CHURN. Trata-se de uma medida de valor seja para startups iniciais como indicativo de retenção, seja para gigantes consolidadas. Por mais que o Netflix ou a Uber em suas escaladas exponencias de novos clientes tenham na métrica de crescimento seu maior valor, o monitoramento de seu CHURN é vital. Nem nesses casos o CHURN é zero (alguns clientes deixam de estar ativos), e sempre revelam aprendizados de valor sobre seu produto ou serviço.
Para o saneamento é um item muito relevante. Podemos conviver com a falsa visão da barreira de entrada, mas ao não entender e atuar no mercado informal, desprezamos rentabilidade existente. Atuar no CHURN exige empatia, criatividade e capacidade de resolução. Trata-se de uma métrica de valor para transformar a cultura em torno do cliente.
