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A nova Lei de Licitações e seus impactos para o setor de saneamento básico

Imagem Ilustrativa

Contratos de performance, com remuneração baseada em ganhos de eficiência e indicadores de sustentabilidade, devem crescer

A recente edição da Lei Federal nº 14.026/20, conhecida como o novo marco legal do setor de saneamento básico, trouxe grande entusiasmo ao setor de infraestrutura por incentivar o aumento da participação privada em mercado hoje largamente dominado por empresas de economia mista e autarquias municipais. Segundo dados da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Saneamento (Abcon), a participação privada no setor ainda é restrita a 5,2% dos municípios brasileiros (Abcon, 2020), com incremento relevante a ser considerado no ano de 2021, advindo do leilão bem sucedido da CEDAE de abril passado.

De outro lado, importa destacar que mais de 80% da população brasileira, distribuída em quase 95% de seus municípios, continua a ser atendida por empresas de economia mista estaduais e autarquias municipais, ou até mesmo por provedores privados, contratados pelos agentes públicos por meio de concessões e parcerias público privadas.

Assim, a edição da Lei nº 14.133/21, que passa a reger as contratações públicas em substituição gradual à tão conhecida Lei nº 8.666/93, certamente traz impactos relevantes para o setor. A despeito de não ter sido considerada uma lei disruptiva, as melhorias advindas da nova Lei devem contribuir para acelerar as contratações públicas no setor e, mais importante, torná-las mais eficientes.

Com a intenção de unificar todas as regras constantes em diplomas legais e infralegais, que tutelavam os procedimentos licitatórios e a própria contratação pública, a recém-publicada lei de licitações e contratos administrativos[1] estabeleceu o novo regime jurídico das licitações e contratações da Administração, incluindo as disposições relativas às concessões e parcerias público privadas, cada vez mais comuns no setor de saneamento básico.

Avaliamos como promissoras as principais mudanças que deverão impactar as contratações de obras e serviços realizadas pelas empresas públicas e autarquias que atuam no setor. A obrigatoriedade da inversão de fases, a possibilidade de prazos de contratos por prazos mais extensos que os 5 anos anteriormente previstos, aliadas à permissão expressa de adoção de critérios de seleção que não o menor preço da velha Lei nº 8.666/93 reforçam nosso otimismo.

Primeiramente vale destacar a inclusão, na nova Lei, dos regimes de execução de fornecimento e prestação de serviços associados, e contratações integrada e semi-integrada – opções que integram o projeto e a entrega do objeto na mesma contratação. Essas alternativas assemelham-se aos regramentos utilizados para os chamados “contratos de performance”, que ganharam força no setor de saneamento básico para contratação de ações de redução de perdas e eficiência energética. Agora tais contratos passam a gozar da possibilidade de extensão de seus prazos, dos atuais 5 anos – adotados até então com base na Lei Federal nº 8.666/93, para um período de operação de 5 anos, acrescido do prazo necessário para execução inicial das obras. Essa extensão de prazo já seria possível para as contratações atuais feitas por estatais, em razão do disposto na Lei Federal nº 13.303/16, mas talvez em razão do receio de eventuais questionamentos, não evoluíram de maneira relevante até o momento.

Ainda, esta nova possibilidade, se considerada em casos específicos que demandam prazos maiores para amortização de investimentos de maior vulto também podem viabilizar a realização de projetos que eventualmente ficavam na prateleira por serem considerados pequenos para os padrões das Parcerias Público Privadas já tradicionais no setor.

Aliás, o espírito da nova Lei, bem como a previsão expressa de alternativas de contratação por maior percentual de economia gerada, maior retorno econômico ou mesmo a adoção de critérios de sustentabilidade para remuneração variável, devem reduzir o receio de procuradorias ou assessorias jurídicas que ainda mantinham ressalvas à alternativa de contratação baseada em remuneração de performance dos contratados.

Tais mudanças são especialmente relevantes para a área de redução de perdas de água, um dos principais campos para os contratos de performance, na qual ostentamos o índice médio de 39,2% (Brasil, SNIS, 2019); superando os 38% calculados para o ano anterior.


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Ainda na temática da contratação de obras e serviços dois aspectos merecem ser destacados: (i) a possibilidade de previsão, em edital, da contratação de seguros que permitam não apenas a indenização, em caso de inadimplemento do contratado, como também a assunção, pela seguradora, dos direitos e obrigações deste para conclusão dos trabalhos, o já famoso “step in right”, com ampliação das níveis de cobertura nos termos descritos na Lei – o que deverá reduzir o volume de obras interrompidas pelo caminho, e também (ii) a possibilidade de contratação por melhor retorno econômico, o que passa a permitir a seleção de alternativas que podem até mesmo apresentar um aumento do investimento inicial, mas que permitam uma redução de custos operacionais, reduzindo o valor total dispendido pelo poder público. Este último caso poderá ser bastante utilizado para a aquisição de bombas e motores, até então adquiridos pelo menor preço, e que agora podem levar em conta na contratação o potencial de redução de despesas de consumo de energia dos novos equipamentos.

Outra perspectiva positiva das mudanças nos critérios de contratação vem da possibilidade de privilegiar bens recicláveis, reciclados e biodegradáveis nas contratações, e mesmo de tutelar o ciclo de vida dos objetos licitados, o que deve promover o aumento do número de iniciativas de valorização dos resíduos e ações de economia circular, bem como contribuir com a redução da poluição difusa nos corpos hídricos.

Já no que tange à contratação de inovação pelo poder público, um dos grandes desafios para qualquer gestão, duas novas frentes foram abertas. No âmbito das contratações com empresas nascentes, as chamadas “startups”, foi previsto como procedimento auxiliar das licitações, a alternativa de PMI – Procedimento de Manifestação de Interesse, para contratação de estudos para oferta de soluções inovadoras para a administração, podendo ser restrito a empresas dessa categoria como forma de incentivar a adoção de alternativas menos convencionais.

Já para as concessões e PPPs, a novidade ficou por conta da criação de uma nova modalidade de licitação, o chamado diálogo competitivo. O desenvolvimento tecnológico, cada vez mais rápido, gera inovações e mudanças constantes nos produtos e demandas dos cidadãos. O contato mais próximo com o mercado ao longo do processo de escolha torna-se essencial para refinar o desenho final das soluções a serem contratadas pelo poder público. Nesse sentido, a nova lei acerta ao prever o instituto do diálogo competitivo, inspirado nas boas experiências europeias, que possibilita o desenvolvimento de uma ou mais alternativas capazes de atender às necessidades do setor público, fortalecendo os princípios da eficiência e economicidade.

Por fim, parece interessante que a nova legislação, editada no contexto da pandemia de Covid 19, e da necessária avaliação de seus impactos na sociedade, tenha dado destaque, à sua maneira, para a temática – tão em voga no momento, relacionada às perspectivas ambiental, social e de governança.

Se sob a perspectiva ambiental as novidades vieram com os critérios de sustentabilidade para definição de renumeração variável e preferência ao uso de bens recicláveis e reciclados.

Já sob a perspectiva social, além de referendar medidas já adotadas pelos órgãos públicos que impediam a contratação de empresas que utilizassem trabalho infantil ou análogo à escravidão, a nova lei apresenta importante incentivo para o avanço da equidade de gêneros no mercado de trabalho. A inclusão de critérios de desempate em licitações baseados no desenvolvimento de ações de equidade entre homens e mulheres pelas empresas se torna ainda mais relevante no contexto da pandemia do COVID-19, em que o percentual de mulheres empregadas atingiu o menor valor desde 1990, segundo dados do IPEA.

A necessidade é ainda mais latente no setor de construção civil e infraestrutura, que, de acordo com o Guia Exame de Mulheres na Liderança de 2017, as colaboradoras ocupam apenas 30,1% dos cargos de liderança, evidenciando o ambiente ainda muito pouco diverso.

O aspecto de governança também foi privilegiado ao conferir importância aos programas de integridade – que passam a ser obrigatórios em contratações de maior vulto e critério de desempate nas demais contratações. Até mesmo o conceito de “três linhas de defesa” foi lembrado pela nova legislação como mecanismo de gerenciamento de riscos na administração pública.

Em conclusão, ainda que seja um panorama preliminar, considerando a ausência de normas regulamentadoras da nova lei, o contexto demonstra avanços significativos que beneficiam gestão pública, e em particular o setor de saneamento, que poderá ter a adoção de critérios de eficiência e de sustentabilidade em seus contratos, impactando positivamente a prestação dos serviços públicos.

Fonte: Jota.


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