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Após nova lei, saneamento básico atrai investidores e projetos. Infraestrutura é crucial para tirar o Brasil do atraso

 

País já tem ao menos 77 blocos regionais para serem licitados. Último lote da Cedae deve ser leiloado em dezembro

RIO E BRASÍLIA – O Brasil entrou no mapa de investidores globais após a aprovação do novo marco legal do saneamento, há pouco mais de um ano. O setor desponta como uma nova fronteira de investimentos, com necessidade de aportes bilionários para corrigir um problema estrutural histórico, que deixa o país para trás em indicadores sociais e puxa para baixo a produtividade da economia.

São quase 35 milhões de pessoas sem acesso à água tratada, das quais 5,5 milhões vivem nas cem maiores cidades do país. Há ainda aproximadamente cem milhões de brasileiros sem coleta de esgoto. Quem vive em áreas sem estes serviços fica mais vulnerável a doenças, o que causa impacto negativo tanto no desempenho escolar quanto no mercado de trabalho.

Além disso, a falta de saneamento básico se torna um entrave adicional na tarefa de se proteger na pandemia, já que a higiene é ponto básico dessa estratégia. Acabar com a precariedade nas condições de moradia exigirá ação concentrada, que requer a participação de prefeituras, estados, governo federal, empresas e investidores.

“Os primeiros leilões, depois consolidados com as outorgas obtidas no Rio, estão levando estados e municípios antes indecisos a aderirem ao processo. Há diversas modelagens sendo feitas. Uma coisa vai puxando a outra”

ÉDISON CARLOS

Presidente do Instituto Trata Brasil (ITB)

Após a aprovação da nova lei, começa a avançar o processo de regionalização dos serviços, que permite reunir em blocos áreas mais vantajosas economicamente e outras menos rentáveis.

Exemplos de leilões bem-sucedidos acabam servindo de estímulo para prefeituras interessadas em melhorar a qualidade das condições de vida da população. Assim, mais municípios aderem aos modelos de concessão.

Um dos riscos no horizonte, porém, é o de judicialização da nova lei. Já existem tentativas de concessionárias estaduais e de partidos políticos de questionar o marco legal no Supremo Tribunal Federal (STF). Um dos principais pedidos é para que seja aceita a volta da prorrogação de contratos diretamente com prefeituras, sem licitação, o que contraria o espírito da nova lei, que busca fomentar a competição no setor em prol da melhor oferta de serviços. É necessário ainda concluir a regulamentação da lei, o que dará segurança jurídica a quem planeja investir no país.

O Brasil tem como meta alcançar a universalização de serviços até 2033, mas o caminho até lá ainda é longo. Um consenso é que, seja qual for a estratégia escolhida para tirar o país do atraso em infraestrutura, o governo não tem recursos suficientes para, sozinho, alcançar acesso à água tratada para 99% da população e coleta e tratamento de esgoto para 90%.

A chegada do setor privado já se traduz em mudanças como o combate ao desperdício de água, um problema que se torna ainda mais crítico diante da maior seca dos últimos 91 anos. Diante deste quadro, as próprias empresas já buscam soluções alternativas para evitar problemas no fornecimento ou um impacto maior em tarifas.

O interesse de investidores que têm foco na infraestrutura, setor com retorno a longo prazo, permite que o país invista em novas tecnologias, que garantem um modelo de negócios mais eficiente e rentável. Além disso, abre espaço para a busca por soluções que viabilizem a oferta de água e esgoto tratado em municípios menores ou mais isolados.

Cidades que passaram a contar com serviços de qualidade já mostram melhorias em habitação, qualidade de vida e meio ambiente, em um exemplo do que se pode esperar adiante caso o país consiga cumprir o desafio da universalização.

Regionalização impulsiona concessões

Pouco mais de um ano após a aprovação do novo marco regulatório do saneamento, o país conta com 131 blocos regionais organizados em 23 estados. Do total, 77 destes blocos estão em 14 unidades da federação que já contam com leis de regionalização de água e esgoto aprovadas. São a base da universalização destes serviços no país, que tem a meta de acontecer até 2033.

Na prática, os blocos são os gatilhos para atrair operadoras — privadas ou públicas, via licitação, em modelos de concessão ou parceria público-privada (PPP) — trazendo recursos ao setor. A carteira de investimentos e outorgas do BNDES em saneamento já chega a R$ 90 bilhões, considerando os 12 leilões que contam com a participação do banco. Estão incluídos neste número desde os certames de blocos da Cedae, o do Amapá, marcado para esta semana, e o da Paraíba, previsto para o fim do próximo ano.

Ao todo, serão necessários mais de R$ 750 bilhões para garantir a meta de ter 99% de cobertura de água e 90% de esgotamento sanitário no país até 2033, incluindo a manutenção da rede que já existe hoje. Um salto sobre o montante aportado no setor nos últimos anos, que alcançou R$ 15,6 bilhões em 2019.

Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, o setor público não conta com recursos suficientes para fazer a universalização, mantendo o déficit de saneamento como problema estrutural.

— O marco acelera o processo porque torna uma obrigação universalizar o saneamento, estabelece metas a serem cumpridas e a regionalização, com regras de referência para acessar recursos públicos federais. Os primeiros leilões, depois consolidados com as outorgas obtidas no Rio, estão levando estados e municípios antes indecisos a aderirem ao processo. Há diversas modelagens sendo feitas. Uma coisa vai puxando a outra — diz Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil (ITB).

Apetite privado

Ao tomar posse como secretário da gestão do governo do estado de São Paulo, no último dia 20, Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados, anunciou que pretende organizar a privatização da Sabesp — maior operadora de saneamento do país, companhia de capital misto e com ações em Bolsa no Brasil e nos EUA — e que isso é uma prioridade.

O marco legal exigiu dos estados a formação de unidades regionais de saneamento no prazo de um ano, reunindo blocos de municípios para tornar a universalização dos serviços economicamente viável, com base em um mecanismo de subsídio cruzado: um mesmo bloco reúne áreas mais vantajosas e outras menos. A adesão de cada município é voluntária.

Atualmente, as operadoras privadas respondem por serviços de saneamento em uma fatia de apenas 7% dos municípios do país, cobrindo 15% da população. Com os quatro grandes leilões realizados após a aprovação da nova lei — Casal (AL), Sanesul (MS), Cariacica (ES), Cedae (RJ) — essa fatia deve subir para 17% da população, com a perspectiva de chegar a pelo menos 40% até 2030, segundo estimativas da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon).

Até aqui, as grandes operadoras que atuam no país correm na frente. Grandes como a Aegea — que levou dois blocos da Cedae — e a Águas do Brasil afirmam que estão analisando todos os processos abertos no setor.

Percy Soares Neto, diretor executivo da Abcon, faz coro com Carlos sobre o efeito dominó dos leilões já realizados para atrair outros municípios. Ele destaca, contudo, que há desafios também nesse sentido.

— Há testes a serem vencidos. Minas Gerais saiu na frente e contratou o IFC (International Finance Corporation, braço de investimentos privados), do Banco Mundial, que está fazendo um trabalho robusto para a região do Jequitinhonha, de renda muito baixa e numa realidade de semiárido. O modelo (proposto pelo marco) tem de ser testado em diferentes realidades. O Amapá é outro teste, com modelo interessante de leilão, baseado em desconto na tarifa até um piso. Não é só outorga. Se forem sucesso, serão impulso a outros movimentos.

Desafios de modelos

O prazo apertado que os estados tiveram para montar a regionalização é um ponto crítico apontado por especialistas no processo. Outro é a forma como será feita a modelagem dos municípios menores, mais isolados e de baixo orçamento quando não estiverem incluídos em blocos regionais.

Carlos, do ITB, pondera que faz sentido focar em grandes concessões primeiro para acelerar a universalização, mas será preciso ter olhar pontual para os pequenos:

— Hoje, tudo é mega, bilhão. Mas grandes negócios não vão funcionar em todo o país, e o governo terá de induzir isso de alguma forma. A meta é universalizar, e o esforço não pode deixar os pequenos e mais vulneráveis para trás. Há empresas que fazem municípios de dez mil habitantes e são eficientes e lucrativas. É preciso usar modelagens diferentes, inovar — alerta ele.

O economista Cláudio Frischtak, da consultoria Inter.B, lista outros desafios:

— Haverá judicialização potencial, o cronograma de regionalização é apertado e fica o desafio de investir mais onde rende menos. Mas será uma legislação transformacional para o país.

Bloco 3 da Cedae: R$ 3 bi de arrecadação mínima.

O governo do Rio e o BNDES estruturam uma nova licitação para o bloco 3 do leilão da Cedae e preveem que será possível realizar o evento ainda neste ano. As modificações vieram após o certame realizado em abril não atrair interessados para um dos quatro blocos colocados em disputa. A licitação foi o cartão de visitas no novo marco legal do saneamento básico.

O leilão realizado no início do ano gerou uma arrecadação de R$ 22,6 bilhões, além de obrigações de investimentos que somam R$ 30 bilhões. Isso é necessário para universalizar os serviços até 2033.

Originalmente, o leilão do bloco 3 foi previsto para 22 bairros da Zona Oeste da capital e mais seis municípios (Piraí, Rio Claro, Itaguaí, Paracambi, Seropédica e Pinheiral).

Com o resultado da licitação, mais dez municípios aceitaram fazer parte do bloco e também terão seus serviços licitados. Segundo o governo do Rio, podem ocorrer novas adesões. Bloco mais barato (R$ 908 milhões) do leilão original, a concessão ficará mais cara com a entrada dos novos municípios. O valor mínimo até o momento é de cerca de R$ 3 bilhões.

— Logo após o leilão de concessão dos serviços de saneamento, realizado em abril, o governo do estado começou a trabalhar na modelagem da nova concessão do bloco 3, que deverá beneficiar cerca de 3 milhões de pessoas — disse o secretário da Casa Civil do governo do Rio, Nicola Miccione.

Os municípios de Angra dos Reis, Barra do Piraí, Bom Jardim, Carapebus, Carmo, Itaperuna, Macuco, Rio das Ostras, São Fidélis e São José de Ubá passaram a fazer parte do projeto.

— A expectativa é que este novo leilão seja realizado em dezembro. O governo fez contato com todas as cidades que não participaram do primeiro edital e reforçou o convite para participar do certame — afirmou o secretário.

Além de incluir novas cidades, o projeto que está sendo desenhado pelo governo do estado e pelo BNDES também prevê mudanças na estruturação econômica e financeira do edital para deixar a concessão mais atraente para os investidores. A atuação de milícias em alguns dos bairros da capital que estão no bloco também foi considerada um fator decisivo para que os grupos empresariais participantes do pregão não formalizassem interesse na concessão.

Procurado, o Ministério do Desenvolvimento Regional disse que tem apoiado estados e municípios na definição do modelo de prestação regionalizada do saneamento.

“Verificou-se, por meio dos leilões realizados, que essa é uma estratégia acertada para incentivar a entrada de investimentos privados, alavancar a ampliação do acesso e caminhar rumo à universalização”, afirmou o ministério.

Fonte: O GLOBO

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