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Epidemias, a conta do despreparo em saneamento

O dia 17 de novembro de 2015 ficará marcado como aquele no qual o Zika vírus e a doença de mesmo nome entraram definitivamente na lista das grandes preocupações nacionais. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) confirmou naquela data a presença do agente infeccioso no líquido amniótico de duas mulheres que tiveram bebês com microcefalia na Paraíba. O material foi examinado a partir da insistência da médica Adriana Melo, a primeira a desconfiar da relação entre o Zika e as más-formações. Haviam se passado então 26 dias a partir das primeiras notificações do aumento dos casos da moléstia ao Ministério da Saúde, em 22 de outubro.

Três meses depois, em 24 de fevereiro, a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) aprovaria um relatório de avaliação do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), política pública coordenada pelo governo federal e executada em cooperação com os estados, o Distrito Federal e os municípios. Na ocasião, o relator da proposta, senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), foi muito claro ao relacionar diretamente a epidemia de zika, observada já em abril de 2015, aos problemas de abastecimento regular de água potável, coleta e tratamento de esgotos, drenagem de águas pluviais e recolhimento e destinação de resíduos sólidos (lixo). O parlamentar mencionou ainda a insuficiência dos gastos com a saúde pública.

“Não tenho dúvida, [essas] são as reais causas de termos hoje uma epidemia do Aedes aegypti sem controle. O Aedes aegypti não é epidemia só do zika. É do zika, da chicungunha e da dengue. Já está comprovado que a mutação do mosquito possibilitou que um dos ambientes naturais favoráveis a ele fosse a ausência de saneamento básico”, afirmou o senador, que apresentou proposta de emenda à Constituição (PEC) incluindo esse serviço no rol dos direitos fundamentais previstos na Constituição.

A opinião de Randolfe é a mesma da senadora Simone Tebet (PMDB-MS). Ela se manifestara sobre o assunto na reunião anterior da CDR, quando da apresentação do relatório, que trata especificamente da gestão do plano, sob os pontos de vista da elaboração de programas e da comunicação entre o Plansab, o Plano Plurianual (PPA) e o Orçamento Geral da União.

“Estamos colhendo, infelizmente, frutos amargos. A falta de saneamento causa mortalidade infantil por conta de diarreia, doenças de pele. E a sociedade, como um todo, está sendo prejudicada por causa do Aedes aegypti”, analisou a senadora.

Diagnóstico
O que a avaliação a cargo de Randolfe desnuda é um plano montado em cima de diagnóstico correto da realidade, com ampla participação de atores do poder público e da sociedade, mas que contém equívocos de concepção, como o estabelecimento de metas rígidas e otimistas demais, agora frustradas pela crise econômica. Entre os erros de execução, é possível mencionar o excessivo fracionamento de programas e ações e a gestão orçamentária errática.

“Não podemos dourar a pílula. Não podemos ter planos que venham a causar a sensação de que não tem dever cumprido depois. Essa é uma questão complexa”, advertiu Simone Tebet.

De fato. Os erros do Plansab, em si, não explicam todo o contexto no qual o Aedes aegypti prolifera. Para melhor entender a adaptação do mosquito ao Brasil, é preciso ouvir, por exemplo, o rumor das multidões aglomeradas em loteamentos irregulares, virtuais cidadelas contra estratégias de saneamento, e pensar no aquecimento global e nas suas chuvas torrenciais.

Como lembrou o senador Donizeti Nogueira (PT-TO), na mesma reunião, o plano “pelo menos” aponta “um rumo”, o que, no entender dele, é preferível à falta de direção vivida anteriormente e aos magros orçamentos criticados quando da elaboração da Lei 11.445/2007, a matriz do Plansab, que é de 2013.

Em duas décadas a partir de 2014, programou-se aplicar R$ 508,4 bilhões de fontes federais (59%) e de governos estaduais e municipais, prestadores de serviços de saneamento, iniciativa privada e organismos internacionais (41%). O dinheiro, agora reduzido em pelo menos um terço, seria destinado a obras como canalização de esgotos (medidas estruturais) e melhoria da gestão e capacitação técnica (medidas estruturantes). Estas últimas são vistas como uma saudável novidade para evitar que os recursos se desperdicem pela falta de bons projetos e administração competente de obras, além do caráter clientelista de muitas iniciativas.

Num estudo de 2008, ano das primeiras discussões do plano, constatou-se, conforme explicita o relatório, a “existência de um entorno regulatório instável, com entidades que cumprem o trabalho de fiscalização ou regulação com fraca capacidade técnica e institucional e com a presença de metas contratuais que nem sempre estão claramente definidas e são difíceis de auditar”.

Qualidades
Mesmo admitindo-se um contexto mais amplo, o Plansab, como apontam os consultores do Senado e os especialistas convidados pela Casa para audiências públicas e sessões temáticas, deve ter sua responsabilidade muito bem definida, ainda que seja uma peça a ser preservada pelas suas inúmeras qualidades. A principal distorção do plano foi vinculá-lo a um cenário durante o qual o país cresceria à média de 4% ao ano, com inflação baixa, diminuição da dívida pública e aumento dos investimentos estatais, por exemplo.

O monitoramento dessas expectativas estava previsto, inclusive no dia a dia, mas a orientação era analisar em profundidade o comportamento desses múltiplos fatores junto com os resultados do PPA, de quatro em quatro anos. Deduz-se do Plansab que era mais importante a confiança na força indutora das projeções de um futuro exuberante do que verificar a séria histórica dos investimentos no setor e as disponibilidades orçamentárias a cada quadriênio e a cada ano.

Assim, como observa Randolfe Rodrigues, projetou-se, “de forma irrealista”, eliminar em 2023 os deficits em abastecimento de água potável. A destinação adequada de resíduos sólidos seria integral em 2033, ano em que o deficit no esgotamento sanitário (coleta e tratamento) não passaria de 7%.

O presidente da CDR, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), alertou: no ritmo atual de investimentos, dificilmente a meta será cumprida. “Evidentemente a falta de recursos sempre será o grande gargalo dessa discussão.”

Para Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, um dos maiores desafios do plano é investir R$ 300 bilhões somente em água e esgoto durante duas décadas quando o país consegue aplicar, em média, R$ 10 bilhões por ano no setor. E são gritantes as diferenças regionais: São Paulo é responsável por um terço do investimento; o Pará tem apenas 3,8% da população atendida com a coleta de esgoto.

Os números do primeiro ano de avaliação, constantes do relatório Diagnóstico AE2014, publicado pelo Ministério das Cidades, corroboram as expectativas de Alcolumbre. Houve crescimento apenas residual (0,2 ponto percentual) no índice de atendimento total com rede de abastecimento de água, comparado a 2013. O fornecimento chegou a 82,5% das necessidades ao final de 2014.

A coleta de esgotos teve um crescimento de 1,3 ponto percentual e está atualmente em 57,6% do que seria necessário no meio urbano. No total do país, o percentual atendido é de 49,8%. Em relação ao indicador médio nacional de tratamento dos esgotos gerados (decorrente do fornecimento regular de água), observou-se em 2014 aumento de 1,8 ponto percentual, quando comparado a 2013, dando continuidade à curva de crescimento do indicador, mas com atendimento de somente 40,8% das necessidades. O Diagnóstico AE2014 chama a atenção para o fato de que o volume de esgotos tratados saltou de 3,624 bilhões de metros cúbicos em 2013 para 3,764 bilhões em 2014, correspondendo a um incremento de 3,9% ou 140 milhões de metros cúbicos.
Quanto ao recolhimento e à destinação dos resíduos sólidos, dados compilados em 2015 pelo Ministério do Meio Ambiente mostram que, dos 5.570 municípios brasileiros, somente 2.215 (39,8%) dispõem rejeitos de maneira adequada em aterros sanitários. Esse número sugeriria um “fracasso” da política, conforme Randolfe Rodrigues. É que 100% dos municípios deveriam estar adequados em 2014. Os números fornecidos pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), em relatório de 2014, mostram que apenas 58,4% do lixo tinha destinação adequada em 2014, contra 58,3% em 2013 — um crescimento de 0,1 ponto percentual. Em 2014, cerca de 65% dos municípios registraram “alguma iniciativa” em matéria de seletividade da coleta.

Governo vê crescimento
Em debate no Senado, o representante do Ministério das Cidades, Ernani Ciríaco de Miranda, reconheceu a lenta maturação do Plansab. A meta de criação de planos municipais de saneamento, por exemplo, não foi cumprida em 2014. De qualquer forma, o ministério aponta uma distância brutal entre o que era aplicado em 2003 e o presente. De R$ 739 milhões,  os valores efetivamente gastos passaram a R$ 6,4 bilhões em 2010 e a R$ 11,4 bilhões em 2014. De ponta a ponta, uma diferença de 1.442%.

Fonte: Senado Federal – Revista em discussão

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