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Risco de racionamento aumenta devido ao nível crítico dos reservatórios

Brasília – O governo depositou na época de chuvas todas as esperanças para descartar a necessidade de um racionamento de energia elétrica, temeroso do ônus político da adoção dessa medida, veementemente descartada durante a campanha eleitoral. Mas abril está quase terminando e com o fim do mês acaba também o chamado período úmido, com os níveis dos principais reservatórios do país ainda críticos. Nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, responsáveis por mais de 70% da geração de energia hidrelétrica, as barragens estão com menos de 32% da capacidade, volume que será facilmente utilizado durante o período seco, que se estende de maio a outubro.

Apesar de o governo apostar todas suas fichas em São Pedro, choveu abaixo das médias históricas durante todo o período úmido. Em janeiro e fevereiro, os índices ficaram em 38,04% e 59,08%, respectivamente, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Em março houve uma ligeira melhora, mas, mesmo assim, choveu apenas 78,22% da média histórica para o mês. Para alguns especialistas, isso significa que há possibilidade real de as reservas chegarem a novembro com menos de 10% de água, percentual mínimo para garantir a confiabilidade do sistema. Isso empurrou para o fim do ano ou para 2016 o fantasma do racionamento.

Outros analistas do setor elétrico, no entanto, são mais pessimistas e asseguram que o país já está vivendo um racionamento, ainda que velado e homeopático, com a indução à redução do consumo pela fraqueza da atividade econômica ou pelo tarifaço na conta de luz. A inflação da energia elétrica bateu 60,4% em 12 meses fechados em março ante um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 8,13% no período, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Revisão Nos três primeiros meses do ano, o consumo de eletricidade no Brasil caiu em relação ao mesmo período do ano passado, o que não acontecia desde 2009, ano da crise mundial. O próprio ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, anunciou a queda de 1,8% no consumo no primeiro trimestre de 2015 na comparação com igual período do passado. A freada foi tão forte que até a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), para quem o setor elétrico não enfrenta problema algum, revisou a projeção do consumo de energia no país, passando de previsão de alta de 3% para queda de 0,5% em 2015.
Na avaliação do gerente de regulação da Safira Energia, Fábio Cuberos, o governo e o ONS vão tentar empurrar ao máximo a adoção de medidas extremas, como racionamento. “Mas o país não está livre. Os reservatórios estão em estado crítico, com apenas 30% da capacidade, o índice mais baixo da história para o período. Nunca foi assim”, diz. Cuberos acredita que passar o ano com as reservas tão baixas não vai deixar margem para erro. “Se o período seco foi muito seco, existe o risco de termos apagões pontuais, os chamados apaguinhos, durante o ano. Isso porque o governo está tentando empurrar o problema para 2016, contando que o próximo período úmido seja bom. Só que se não for, o problema será muito maior no ano que vem”, alerta.

O presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), Reginaldo Medeiros, lembra que o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) reduziu o risco de deficit nos reservatórios de 7,3% para 6,1% em março e para 4,9% em abril nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. “O risco está menor, em compensação a um custo muito mais alto. As térmicas estão ligadas a 100% e vão permanecer assim, operando no limite. Vamos ter que rezar por um período hidrológico favorável no fim do ano”, destaca.

Medeiros revela que o consumo no mercado livre, que atende sobretudo às indústrias, vem caindo bastante. “Em 2014, a queda foi de 4,5%, enquanto o mercado regulado (das distribuidoras de energia) teve aumento de 4,8%. Além de atender o setor industrial, o mercado livre, responsável por 25% do consumo nacional, reage mais rapidamente aos preços altos. Este ano, o cenário vai ser de queda geral porque as tarifas para os consumidores residenciais vão subir até 65%”, estima o presidente da Abraceel.

Redução do consumo dá alívio momentâneo

Brasília – Na indústria, a queda no consumo se arrasta desde 2012. Contudo, nas residências e no comércio, a demanda, que vinha crescendo, caiu pela primeira vez desde abril de 2008. “O governo quer evitar de todas as formas o racionamento. Está promovendo leilão para energia de ponta (com a chamada de consumidores que têm geradores próprios a colocarem energia no Sistema Interligado Nacional) e importando energia da Argentina e da Bolívia”, lista Nivaldo de Castro, professor do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Mais pessimistas do que os outros especialistas, Péricles Pinheiro, assessor em Desenvolvimento de Negócios de Energia, e Rafael Herzberg, sócio da Interact Consultoria em Energia, acreditam que o país já está vivendo um racionamento. “É um problema só de semântica. O governo não gosta de usar essa palavra porque é prejudicial para a imagem, mas, na prática, já estamos reduzindo o consumo de energia”, afirma Herzberg. “O governo não admite, mas o Brasil já está racionando energia desde 2012, quando a indústria, em recessão, passou a consumir cada vez menos. Estamos vivendo um racionamento homeopático”, compartilha Pinheiro.

Para Herzberg, falta governança no setor elétrico. “No último racionamento, em 2001, havia um parâmetro. Hoje, quem manda é o Executivo. O volume de água nos reservatórios é muito preocupante, mas ninguém sabe mais qual é o limite porque não há clareza para determinar qual o nível será o gatilho para determinar o racionamento. O governo vai evitar até o último momento por motivos políticos”, lamenta.

A convocação de grupos geradores por parte do governo, que está submetendo uma portaria a apreciação para determinar valores a serem pagos por megawatts/hora (MWh) para quem tem equipamento de geração própria, é um sintoma de desorganização, na opinião do consultor da Interact.

“Não há um fio lógico nas medidas do governo. Hoje, quem tem gerador não usa porque as tarifas de ponta são desalinhadas. Como agora o governo está apavorado com a situação, criou ainda mais uma distorção. Quer pagar R$ 1.420 por MWh para geradores a diesel. É um preço altíssimo, sintoma da desoganização do setor”, lastima Herzberg, para quem o preço da não decretação do racionamento está sendo cobrado com uma redução compulsória do PIB. “O que é muito mais grave”, critica.

Bandeiras Para o especialista Péricles Pinheiro, o início do sistema de bandeiras tarifárias, que eleva o preço da tarifa conforme as condições de geração de energia, também é uma forma de promover o racionamento. Quanto mais energia termelétrica é usada, maior o custo. Durante todo o ano, a bandeira tem sido vermelha, com acréscimo de R$ 5,50 a cada 100 quilowatts consumidos.

“O que há é uma forma velada de racionalizar a energia. Setores inteiros da economia sumiram. Várias hidrovias estão paradas. O turismo em torno dos reservatórios zerou. O PIB despencou e o consumo caiu. Há cada vez mais estímulo para usar lâmpadas de LED, por exemplo, porque gastam menos. É um racionamento homeopático”, sentencia Péricles.

 

 
Fonte: Em.com.br

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