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Situação degradante do lixão reflete inoperância do Poder Público em Cuiabá

Inaugurado em 1997 com a proposta de revolucionar o serviço de coleta e destino do lixo produzido em Cuiabá, o aterro sanitário voltou a ter o status de “lixão”. No local, cerca de 150 pessoas trabalham dia e noite catando material reciclável. O Circuito Mato Grosso encontrou inclusive crianças morando há uma semana em um barraco improvisado. As condições de trabalho no lixão são degradantes. Os catadores, no entanto, se dizem satisfeitos porque faturam um bom dinheiro, o suficiente para o sustento da família. Eles também comemoram o fato de conseguirem catar alimentos que são despejados dos caminhões de coleta. A Prefeitura de Cuiabá tem conhecimento desta situação e a promessa é de que todos serão retirados de lá até o dia 31 de dezembro.

Aterro é operado sem licença desde 2008
A Prefeitura de Cuiabá opera o aterro sanitário sem licença desde 2008. O último pedido de renovação foi apresentado em março deste ano, mas foi indeferido pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) por falta de adequação a padrões acordados em Termo de Ajustamento de Conta (TAC) em 2013.

Conforme a Sema, o município não conseguiu se encaixar em determinações para manutenção correta de resíduos sólidos, como o dreno de chorume, plano de desativação das lagoas de tratamento e de acúmulo de chorume. O pedido foi indeferido em maio deste ano.

O problema já tinha sido identificado pela prefeitura em 2013, ano em que o prefeito Mauro Mendes anunciou início de estudo para construção de um novo aterro sanitário. A proposta era a montagem de consórcio com outros municípios próximos a capital (Várzea Grande, Nossa Senhora do Livramento e Santo Antônio do Leverger, por exemplo) para a criação em conjunto de aterro. À época o problema foi caracterizado como urgente por causa de prejuízos ambientais e sociais.

Ainda conforme a Sema, um novo pedido para a liberação de licença ambiental foi protocolado em setembro deste ano, acompanhado de estudo EIA/Rima pela necessidade de construção de um novo aterro e locais alternativos para instalação. Este processo ainda está em análise pela equipe técnica de secretaria e deve começar a ser debatido em audiência pública em dezembro.

Duas audiências estão agendadas para o dia 6 de dezembro com participação de especialistas na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e na Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT).

Prefeitura quer retirar catadores até 31 de dezembro
O secretário de Serviços Urbanos de Cuiabá (SMSU), José Roberto Stopa, diz que a prefeitura cumpriu vários pontos estabelecidos em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Estado (MPE) em 2013. Dentre eles retirada de catadores do aterro sanitário e construção de uma nova célula para tratamento de lixo.

Os catadores devem deixar o local até o dia 31 dezembro para serem absorvidos por cooperativas cadastradas pela prefeitura. A partir de dezembro, há programação para elas receberem entre R$ 26 mil e R$ 45 mil para assistência aos cerca de cem trabalhadores na área.

“Daqui uns vinte dias, a prefeitura começará a liberar recurso mensal para as cooperativas fazerem assistência aos catadores que frequentam o aterro sanitário. Eles deverão ser integrados por elas porque o Ministério Público proibiu a continuidade no local.”

A oscilação atual do número pessoas que recolhem resíduos no aterro sanitário pode ser derivada de fraca fiscalização de atividades no local. Desde 2013, o número quase dobrou. O MPE diz que à época havia registro 70 trabalhadores, e já chegou a 150 pessoas, conforme os catadores.

Construção de novo aterro fica para 2017
Já a construção de uma nova célula é uma ação paliativa até a reconstrução do aterro, dentro de padrões ambientais. O secretário Stopa afirma estar em fase de conclusão a elaboração de uma parceria público-privada (PPP) para o gerenciamento do aterro, mas, não a tempo para início das atividades ainda neste ano. “Acredito que, considerando a liberação da licença ambiental pela Sema, até o fim do primeiro semestre do próximo ano [2017] será possível a empresa começar a trabalhar”.

A prefeitura divulgou em agosto passado a conclusão de estudo sobre a instalação de um novo aterro sanitário. Três áreas para futura construção são apresentadas, seguindo “critérios de distância de centro urbanos ou núcleos habitacionais, aeroportos, vilas públicas, zoneamento, corpos de água”.

A primeira está localizada na Estrada da Guia, na altura do km 24 e tem 9 hectares; a segunda, na Rodovia BR 364 – Presidente Juscelino Kubitschek, próximo ao km 382 e em área de 341 hectares. Para a terceira, abriu-se a possibilidade de construção na Estrada Balneário Letícia, s/nº, Quilombo, próximo à Lagoa Bonita, Garimpo do Mineiro, com 63 hectares.

O crescimento do volume de lixo produzido na capital é principal ponto para a adequação de um novo terreno. No fim da década de 1990, a quantidade diária estava em 500 toneladas. Nos dez anos seguintes, passou para 520; hoje está em 600 e até 2036 a previsão é que esteja em 770 toneladas/dia, conforme estimativa da SMSU.

Catador manda recado para Emanuel Pinheiro
“Hoje chega a ter mais de 150 pessoas diariamente aqui no aterro, famílias que dependem da catação. A gente não está aqui porque quer, mas por necessidade. É um trabalho digno e honesto. Melhor estar aqui do que estar na rua roubando. Sou militante do movimento nacional dos catadores. Sei que é proibido, mas estou aqui porque preciso. Estou aqui com a galera.

Se tiver que sair que saia todo mundo. Mas, sair com a segurança do município, que cumpra o TAC, que cumpra o dever não só de vir tirar, mas também de amparar cada catador que aqui está. A reciclagem está aumentando tanto no Brasil que hoje é um assunto que está mais comentado. É um material que está tendo muito e estamos aqui buscando nossa sobrevivência. Chegou inclusive uma família de Rondonópolis na semana passada que veio buscar a sobrevivência no lixão de Cuiabá.

Agora no momento eu quero dar um recado para Emanuel, nós apoiamos ele, e aí como é que vai ficar? Ele tem um documento modelo em nível nacional em mãos e agora está na hora de ele ajudar. Há comentário de que em dezembro vão tirar a gente daqui, mas antes você tem que vir aqui. A gente deu o voto de confiança e estamos esperando o senhor aqui e cumprir o que você falou no debate, que vai trabalhar junto com as cooperativas e associações de catadores.

Você pode ter certeza que as cooperativas que já existem querem nos receber, mas não tem estrutura e questão logística. Primeiro, arrume as cooperativas que já existem dentro de Cuiabá e depois pense em como será a retirada da gente daqui. Mas, por enquanto a gente não pode ficar em casa. É isso, conte com a agente, meu nome é Tiago e você deve lembrar muito bem de mim.” Tiago Silva, catador desde os seis anos – está hoje com 33 – e membro do movimento nacional dos catadores.

“Falta de planejamento é a principal falha”

A falta da preparação técnica para monitorar os serviços de resíduos é apontada como fator catastrófico pelo professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), engenheiro sanitarista e ambiental, Paulo Modesto. Segundo ele, o desconhecimento sobre os efeitos de tratamento inadequado já gera impactos ambientais, que podem custar muito para a recuperação. Cita uma análise realizada pela universidade que aponta contaminação da água a 60 metros abaixo do solo.

“A prefeitura tem um estudo com resultado ruim, que mostra que a contaminação não ultrapassa hoje mediação de 20 metros nas águas de lençóis freáticos. Mas, na análise que fizemos foi detectada poluição em três níveis: 15, 45 e 60 metros”, diz.

Apesar de, por enquanto, não identificar efeitos da poluição no cotidiano, o engenheiro afirma que mais cedo ou mais tarde surgirão reflexos da contaminação. “O aterro sanitário fica próximo ao Lipa, que está próximo ao local onde é feita a captação de água que fornece abastecimento para Cuiabá; com a contaminação na profundidade, em algum momento aparecerá os efeitos na torneira”, explica.

O engenheiro pontua que a situação do aterro em Cuiabá se deve ao “abandono” há sete anos, da manutenção dos serviços. A manutenção apropriada do local, diz ele, foi interrompida em 2010; desde então, acumulou-se cerca de 1,2 milhão de toneladas de resíduos domésticos e de construção civil, que para serem biologicamente destruídos (considerando apenas os resíduos orgânicos) levarão um tempo médio de vinte anos. Mas, isso se houver tratamento adequado.

“Em 1997 começou a se fazer manutenção adequada dos resíduos em Cuiabá e em 2004 havia um local apropriado para isso, com piscinas para tratamento de chorume, seleção de resíduos. Mas em 2010, voltamos a ter um lixão porque foi suspensa a manutenção. Hoje, o lixo está encoberto e a prefeitura acha que está tudo bem. Não está.”

Ele faz o cálculo de 1,2 milhão de toneladas de lixo acumulado a partir de números da prefeitura de produção de 520 toneladas por dia, levando em conta apenas o que fora produzido entre 2010 e 2015. Considerados os dez meses já passados deste ano, o volume ultrapassa dois milhões de toneladas.

“É uma questão de prioridade, que gera o planejamento. O município precisa decidir como quer lidar com a questão da produção de resíduos. Não adianta a prefeitura só passar os serviços para a terceirização; ela tem que delegar o que deve ser feito. E há muito tempo que não temos mais esse interesse. Costuma-se pensar que o que está fora da vista não é problema”, comenta.

Cuiabá tem 140 bolsões de lixo na área urbana

Estudo realizado por três estudantes da UFMT aponta 140 bolsões e 114 pontos irregulares de acumulação de lixo em Cuiabá. Foram compiladas informações no começo deste semestre em 137 bairros – 37 na zona sul, 50 na zona leste e 50 na zona demarcada como norte/oeste. Os dados são do estudo sobre valorização de resíduos sólidos em ambiente urbano, realizado pelos universitários Ederson Santos Duarte, Gabriela Ribeiro Bezerra e Leonardo Ribeiro Pimentel, sob a coordenação do professor Paulo Modesto.

“A sujeira está distribuída de forma bem ‘democrática’. Há maior volume em áreas de periferia, mas a diferença não é muito grande. No centro da cidade, por exemplo, há grande volume de sujeira”, diz o professor Modesto.

Segundo ele, a quantidade de lixo nos “bolsões” varia, mas sempre com grande quantidade de lixo de construção predial, superando os resíduos domiciliares e outros tipos de empreendimentos. Para o professor, a quantidade de lixo espalhado pela cidade aparece de dois contextos relacionados. A má-educação da população e o desleixo de órgãos públicos no gerenciamento de coletas. A primeira passa pelas cenas rotineiras de lixos lançados para fora de carros particulares e ônibus.

“A prefeitura reclama que as pessoas não têm educação é isso é verdade – fácil ver pessoas pegar panfleto no semáforo para jogar fora vinte, trinta metros depois. Mas os órgãos públicos precisam pensar que é necessária uma política pública para a destinação de resíduos. É precária a estrutura de cestos pela cidade. Onde tem, não tem o suficiente, ou estão todos desestruturados.”

Ela usa como representação a quantidade de lixo que permanece nas ruas após as coletas. Conforme a prefeitura, 93% de todo lixo produzido em Cuiabá são coletados; considerando a quantidade, hoje de 600 toneladas por dia, os 7% não recolhidos somam 42 toneladas. Segundo o professor, isso representa 80% do que a maioria dos outros municípios em Mato Grosso produz ao dia.

Fonte: Circuito Mato Grosso

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