Desestatização da Sabesp
Por: Julio Bittencourt/Valor
O governo de São Paulo se dispôs a vender até 32% das ações da Sabesp, reduzindo o percentual sob seu controle de 50% para 18%. Numa primeira fase do processo de bookbuilding, 15% das ações da empresa foram destinadas para um sócio estratégico.
Na etapa inicial de cadastramento de interessados, apareceram três proponentes. Porém, apenas a Equatorial apresentou proposta final e as garantias financeiras exigidas.
Na segunda fase do processo de bookbuilding, o governo ofereceu até 17% das ações da empresa aos investidores institucionais, ao varejo e aos funcionários. Com a liquidação da operação, a Sabesp deixará de ser uma empresa estatal, embora o governo continue sendo o principal acionista, com remanescentes 18% do capital.
O governo de São Paulo tem manifestado que, mais do que fazer caixa, a venda tem o objetivo de aumentar a produtividade da companhia e o ritmo de investimentos para mais rapidamente alcançar a universalização. O que está alinhado com a Lei 7.853/2023, que prevê a antecipação das metas de universalização para dezembro de 2029, quatro anos mais cedo que o previsto na legislação nacional.
Nunca houve tanto investimento em prazo tão curto, até porque o mercado privado de saneamento no Brasil ainda é restrito. Para vencer tamanho desafio, o governo de São Paulo decidiu buscar um sócio estratégico que agregasse capital e expertise de gestão. E para garantir alinhamento, o Executivo estadual criou condicionantes para a futura atuação de seu sócio.
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Desestatização da Sabesp
Há uma cláusula, chamada de “poison pill”, de proteção contra eventual tentativa de assunção do controle por parte do sócio estratégico, o que poderia atentar contra interesses dos acionistas minoritários. Na direção oposta, a cláusula dificulta a reestatização. É, portanto, uma regra estabilizadora para o futuro relacionamento entre governo e o sócio estratégico, presente em diversas companhias sem controle definido.
Outra cláusula, chamada de “non compete”, impede que a Sabesp possa ser manietada pelo acionista de referência para tornar-se pouco competitiva em futuros leilões, o que poderia beneficiar o acionista de referência, mas reduziria o valor da Sabesp e prejudicaria os acionistas minoritários. Ou seja, é uma regra que assegura à Sabesp desestatizada um papel relevante no mercado de prestação de serviços de saneamento. O que é muito bom porque quanto maior for a competição, mais rapidamente chegaremos à universalização em todo o país, com custos moderados.
Não faltaram críticas a essas cláusulas e ao processo de desestatização como um todo. Houve quem reclamasse da “privatização da água”, confundindo a modificação da composição acionária com a transferência de domínio da água, do público para privado. Obviamente trata-se de um equívoco: os rios onde a Sabesp capta água para tratar e distribuir para a população continuam sob domínio público, como determina a Constituição.
Houve também ataques contra a presidente do Conselho de Administração da Sabesp. Antes da decisão sobre a desestatização, ela também atuava no Conselho da Equatorial. Quando o governo de São Paulo tomou a decisão, ela se desvinculou da Equatorial, onde ganhava mais, para evitar conflito de interesses. Apesar do comportamento correto, ainda houve críticas formuladas por quem não compreende que há quem prefira ganhar menos para realizar o socialmente mais relevante.
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Preço
O grosso das críticas se concentraram na candidatura única à posição de sócio estratégico e que a Equatorial pagou R$ 67 por ação, quando na Bolsa a ação estava sendo negociada a R$ 74. A comparação com o preço da ação na Bolsa não faz sentido porque quem compra na Bolsa pode vender a qualquer momento, ao contrário do sócio estratégico, que tem um período de carência de 5 anos durante o qual não pode vender as ações. Além disso, o sócio estratégico assume o compromisso de que o ritmo de investimento da Sabesp desestatizada será muitíssimo maior do que o atual, que já é elevado. Por outro lado, adquire direitos de governança que o acionista comum não tem e, quase certamente, não ambiciona ter.
A ação estava sendo negociada a R$ 74 quando a oferta da Equatorial foi feita porque os acionistas já há algum tempo têm apostado que o futuro sócio estratégico ajudará a Sabesp a criar uma riqueza que nunca seria criada se a companhia permanecesse presa às regras imobilizadoras da administração pública. A valorização da ação em dois anos foi de cerca de 70%, enquanto a inflação não chegou a 10%.
Depois do anúncio de que a Equatorial será o sócio estratégico, o volume de interesse de compra a R$ 67 (mesmo preço pago pela Equatorial) no bookbuilding foi mais de 10 vezes o volume de ações ofertado. O que sugere a pergunta: por que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) impôs o mesmo preço a produtos diferentes? Afinal, as ações em posse da Equatorial, com cláusula de lockup, terão atributos distintos das ações dos demais acionistas.
Como mais vale um pássaro na mão do que dois voando, muitos investidores preferiram não se acotovelar no bookbuilding e optaram por pagar um preço bem mais elevado na Bolsa. A percepção positiva dos investidores sobre o futuro da Sabesp nessa nova fase é o que explica o grande interesse pelas ações. Ou seja, há muito valor em “andar em boa companhia”.
Setor
A Equatorial tem boa chance de ser de fato essa “boa companhia” devido ao seu bem-sucedido histórico no setor elétrico. Na direção oposta, há quem duvide porque as características técnicas e regulatórias dos dois serviços públicos – saneamento e eletricidade – são muito diferentes.
Se a Sabesp fosse uma empresa tecnicamente claudicante, essa dúvida faria sentido. Ao contrário, a Sabesp tem profissionais com excelente qualificação técnica. Não é aí que a Equatorial pode ajudar. Por outro lado, a Sabesp estatal atuava num ambiente engessado, com poucos incentivos para o empreendedorismo. A Sabesp desestatizada terá que transitar culturalmente para atuar sob regras da administração privada, com ênfase na meritocracia e produtividade. Assim, poderá melhor atender à população e remunerar o investimento dos acionistas. Certamente a participação da Equatorial na governança da Sabesp ajudará na transição.
Claro, o futuro é incerto. Porém é razoável supor que a decisão de “andar em boa companhia” será vantajosa para o governo, cuja carteira de 18% de ações remanescentes também será valorizada, para os funcionários, que poderão alcançar maior projeção profissional, e para os acionistas, que acreditaram no futuro da empresa.
Fonte: Valor.