saneamento basico

Valoração dos benefícios dos serviços de saneamento: abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos embasamento teórico, casos de aplicação e análise crítica

Resumo

O presente trabalho é resultado de um amplo levantamento bibliográfico que envolveu consultas a livros, teses, periódicos, anais de eventos e sítios eletrônicos, apresentando estudos que valoram benefícios do tratamento de água, coleta e tratamento de esgoto, utilizando métodos da função da produção, de mercado para bens complementares e de valoração contingente, com foco nos trabalhos que comparam tais benefícios com o custo de prover estes serviços (análise custo-benefício – ACB), com sucinta descrição de como o problema foi considerado. Os trabalhos apresentam casos de valoração que representam cada um dos diferentes tipos de benefícios provenientes dos serviços de saneamento. Nessa apresentação buscou-se mostrar brevemente (i) o tipo de serviço; (ii) cobertura espacial (país, região, município) (iii) cobertura temporal; (iv) base de dados; (v) estimativa dos valores de benefícios; (vi) análise custo-benefício. À medida que os casos foram apresentados, buscou-se discutir sua relação com o embasamento teórico e as grandezas dos valores discutidos, bem como sua importância relativa. Apesar da importância dos benefícios advindos da melhoria dos serviços de saneamento, a literatura é escassa com relação à valoração monetária destes. A valoração de tais benefícios e sua análise comparativa com os custos de investimento são ferramentas de grande valor para a orientação de Políticas Públicas e seus programas e planos decorrentes, de forma a melhor alocar recursos para maximizar o bem-estar da população.

Introdução

A economia é um sistema complexo que organiza a produção de bens e serviços, bem como sua distribuição entre as pessoas. Como tal, está intrinsecamente ligada ao sistema natural (atmosfera, geosfera, hidrosfera e biosfera) e ao sistema social (leis, costumes, tradições, organizações e redes de comunicação). Nesse sentido, todos os fenômenos naturais ou sociais estão diretamente ou indiretamente ligados ao sistema econômico. Uma economia coordena produção, consumo, poupança e investimento, dados a escassez de recursos, as limitações tecnológicas, as necessidades e os desejos dos cidadãos e o sistema de propriedade. Um estudo econômico, portanto, pode ser compreendido como um estudo para escolhas em uma situação de escassez ambiental. Sem escassez, não há razão para escolhas, e dada a escassez, cada escolha implica em um custo. A sociedade que faz boas escolhas aumenta a possibilidade de proporcionar novas futuras escolhas a seus cidadãos (Randall, 1987).

Desse modo, não há mais como conceber qualquer mecanismo de gestão que prescinda de um conhecimento profundo da dinâmica dos processos econômicos em que o recurso ambiental se insere, nem como utilizar os recursos financeiros disponíveis da forma mais eficiente possível, sem identificar que conjunto de intervenções resultará em maior bem-estar social (Debeux, 1998). Assim, entende-se a valoração como um processo pelo qual se dimensiona o valor social dos bens e serviços afetados por um determinado projeto. Ainda segundo Debeux (1998), as falhas de mercado podem levar à alocação equivocada de recursos na economia, particularmente às externalidades – não computação de custos pelo sistema de preços – quando se trata de questões que envolvem recursos ambientais e custos sociais. Portanto, a essência do processo de valoração econômica é achar a medida da disposição a pagar dos consumidores em circunstâncias onde o mercado falha em revelar tal informação (Pearce et al, 1994). Este trabalho apresenta diversos exemplos em que o custo da implantação de sistemas de saneamento é comparado a um custo existente, como por exemplo, gastos com saúde, este último, portanto, refere-se a um custo pelo qual já há disposição a pagar. O valor dos serviços de saneamento é expresso monetariamente para que, por intermédio de um padrão comum, possam ser comparados ganhos e perdas de bem-estar quando há alteração na disponibilidade da oferta destes mesmos serviços.

Segundo OECD (2011), o acesso à água e ao saneamento contribuiu para importantes melhorias nas condições de vida, com correspondentes reduções em mortalidade e morbidade, o que pode ser historicamente observado nos países desenvolvidos e constatado atualmente no mundo em desenvolvimento. O provimento de acesso à água é frequentemente percebido como a função mais relevante dos serviços de água e saneamento e considerado como a área em que a maioria dos benefícios se materializa. O acesso à água e aos serviços de saneamento é o foco dos Objetivos do Milênio (UN – Nações Unidas): “Reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população sem acesso sustentável à água potável segura e ao saneamento básico”. O acúmulo de evidências tem demonstrado que a melhoria de acesso à água potável segura e às instalações de saneamento, associadas à melhoria do comportamento higiênico, resulta em significativo impacto positivo na saúde. Além do mais, o acesso aos serviços supracitados confere muitos benefícios adicionais, que variam desde os facilmente identificáveis e quantificáveis, como economia de tempo de coleta de água, até os intangíveis e de difícil mensuração, como conveniência e bem-estar. Em termos financeiros, estima-se que os benefícios não relacionados à saúde são mais significativos que os benefícios referentes à saúde. Isto deve-se, em parte, ao fato de que a mensuração do impacto da água, do saneamento e das intervenções em saúde é difícil e altamente específica para cada local. A OMC (Organização Mundial do Comércio) estima que os benefícios econômicos totais provenientes da consecução das Metas do Milênio para a maioria dos países subdesenvolvidos chegam a US$ 35 bilhões, dos quais 90% devem-se à dispensa da necessidade de viajar longas distâncias e permanecer em filas para obter água ou defecar (Hutton e Haller, 2004).

No Brasil, os dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento) indicam que 57% dos brasileiros ainda não têm esgoto coletado e 19% da população não conta com abastecimento de água; no que se refere à população urbana, estes números são, respectivamente, 49,4% e 5,3%. Extrapolando esses dados para as cidades não contempladas pelo SNIS, constata-se que apenas 77,4% da população brasileira tem acesso aos serviços de abastecimento de água e apenas 39,6% tem acesso aos serviços de esgotamento sanitário. Dessa forma, estima-se um déficit em esgotamento sanitário para aproximadamente 114 milhões de habitantes e em abastecimento de água para 43 milhões. O Instituto Trata Brasil faz anualmente um levantamento sobre a situação das 81 cidades do país com mais de 300 mil habitantes e estabelece um ranking com as melhores e piores posições, considerando um conjunto de indicadores selecionados. Os índices de atendimento no abastecimento de água e na coleta de esgoto da população desses municípios são superiores à média observada pelo conjunto abrangido pelo SNIS, atingindo 94% e 64% de atendimento respectivamente. Em média, 72% do esgoto coletado é tratado, entretanto, há grandes disparidades entre as cidades consideradas. Com base nos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), estima-se que seriam necessários R$ 49,8 bilhões de investimento para combater o déficit de 23,6 milhões de novas ligações de esgoto, sem levar em conta a manutenção da rede; considerando-se o déficit do SNIS, de 39,9 milhões de moradias, o investimento necessário seria de R$ 84,1 bilhões (FGV, 2010). As estatísticas do IBGE são distintas das do SNIS. Isso se dá porque o dado colhido pelo IBGE refere-se a uma declaração do entrevistado sobre o que ele acredita ser o seu sistema de esgotamento sanitário. No caso do SNIS, as informações são fornecidas pelos responsáveis pelo saneamento nos municípios, que apontam o número exato de ligações de residências à rede geral de coleta de esgoto – o que implica maior precisão e detalhamento técnico. Porém, a base do SNIS, por ser recente, não permite uma perspectiva histórica mais longa.

Embora o acesso à água e ao saneamento tragam benefícios significativos, o lançamento de esgotos sem tratamento no meio ambiente pode afetar os usuários à jusante e causar danos ambientais. A coleta e o tratamento de esgotos e águas pluviais é pré-requisito para garantir a disponibilidade em longo prazo da água em qualidade adequada para o uso humano e para as demandas ambientais. Apesar da sua importância, os investimentos em tratamento de efluentes são frequentemente inferiores aos níveis requeridos para garantir benefícios sustentáveis. Quando comparados aos serviços de abastecimento de água e coleta de esgotos, os benefícios do tratamento de efluentes sanitários são menos óbvios aos indivíduos e mais difíceis de mensurar em termos monetários (Wolff, 2003). O consenso quanto à necessidade pelo crescente tratamento de efluentes urbanos, bem como quanto à disposição adequada de seus resíduos, tem se desenvolvido mais lentamente, provavelmente devido aos relativamente altos custos referentes a estas intervenções (Rodriguez, 2009 e Jouravlev, 2004). Os benefícios do tratamento de efluentes ainda são insuficientemente documentados, resultando em baixa prioridade e baixos investimentos em sua infraestrutura.

A escolha do estudo da valoração dos benefícios dos serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos neste trabalho deve-se ao fato de que isolar os respectivos impactos de cada um desses serviços é um trabalho muito difícil, pois as relações entre os serviços e seus impactos estão profundamente interligadas.

Autores: Lissa Maria Nocko; Ronaldo Seroa da Motta e Renatah da Fonseca Correia.baixe-aqui

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