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Avaliação do potencial de uso agrícola de lodo de reator anaeróbio da ETE de Pirapora – MG

Resumo

A expansão dos serviços de coleta e tratamento de esgoto doméstico tende a promover incremento na geração do lodo de esgoto. O aproveitamento agrícola do lodo, além de representar uma forma de destinação final, possibilita a reciclagem dos nutrientes presentes neste subproduto. O objetivo do presente estudo consiste em avaliar o potencial do lodo gerado no reator UASB da ETE de Pirapora (MG) para atender a demanda por nutrientes das atividades agrícolas, pecuária e de silvicultura no município.

Para a consecução do trabalho, realizou-se a caracterização dos principais parâmetros qualitativos (pH, teor de água, sólidos fixos e voláteis, carbono orgânico total, nitrogênio total Kjeldahl, Fósforo total, Coliformes totais e E. coli) e quantitativos (cenário atual da ETE e de final de plano). Realizou-se, ainda, por meio de sistema de informação geográfica (SIG), a avaliação do uso e ocupação do solo e da demanda por nutrientes associadas às atividades agrossilvipastoris, no referido município.

Tal avaliação foi realizada em três áreas circunscritas nos raios de 5, 10 e 20 km a partir da ETE. Comparando-se a demanda e a oferta de nutrientes presentes no lodo, verificou-se que no raio de 5 km há uma demanda associada às pastagens superior à oferta do lodo. Nos raios de 10 e 20 km, além das pastagens, observou-se também a demanda da silvicultura. Os valores obtidos para parâmetros qualitativos avaliados situaram-se, de forma geral, dentro das faixas reportadas na literatura. Na condição final de plano, estima-se um incremento na oferta de nitrogênio e fósforo de 278 e 240%, respectivamente, em relação à condição de operação atual. Como conclusão, observou-se boas perspectivas de aproveitamento agrícola do lodo no município de Pirapora. Ademais, constatou-se a viabilidade de utilização de geotecnologias e dados espaciais como forma de subsidiar o gerenciamento de lodo e planejamento por parte do responsável pelo sistema de esgotamento sanitário.

Introdução

Os recursos hídricos, outrora considerados bens naturais infindáveis e gratuitos, têm figurado, cada vez mais, como um fator limitante ao desenvolvimento das atividades humanas, seja pela redução na sua disponibilidade ou degradação da sua qualidade. Neste sentido, é imprescindível atentar-se à qualidade da água não apenas antes como também após seu uso, de forma a se evitar o aporte de poluentes ao meio ambiente. De forma geral, visando a evitar tal poluição, são empregadas diferentes técnicas de tratamento de efluentes gerados nessas atividades, as quais podem variar em função da qualidade a ser alcançada, tipo de efluente, entre outros. No caso de efluente ou esgoto sanitário, realiza-se o tratamento em estações de tratamento de esgoto (ETEs), que podem dispor de variadas técnicas para tal. À medida em que o tratamento é realizado há geração de subprodutos nas fases líquida, gasosa e sólida. Segundo Andreoli, von Sperling e Fernandes (2014), a fração sólida pode compreender o material gradeado, areia, escuma e lodo, sendo este último o subproduto predominante. Ainda segundo estes autores, as características quanti e qualitativas do lodo são função do tipo de esgoto bruto e sistema de tratamento empregado.

O gerenciamento do lodo assume papel de destaque no processo de tratamento de esgoto, pois, se por um lado o volume gerado é pequeno se comparado ao do efluente tratado (proporção entre 1 a 2%), por outro, o custo relacionado a este subproduto pode variar entre 20 a 60% dos custos operacionais totais de uma ETE (SPINOSA et al., 2011; ANDREOLI; VON SPERLING; FERNANDES, 2014). A geração de lodo é função do sistema de tratamento, sendo observada ampla faixa de variação, desde 8 até 90 g de lodo desidratado por habitante por dia (FYTILI; ZABANIOTOU, 2006; ANDREOLI; VON SPERLING; FERNANDES, 2014).

Dentre as formas de destinação final deste subproduto, pode-se elencar aproveitamento agrícola, landfarming, recuperação de áreas degradas, incineração, aterro, descarga oceânica, processos termais (pirólise, gaseificação, oxidação úmida, combustão, co-processamento), uso na construção civil como agregado, entre outros. Vale destacar, que cada método possui suas vantagens e desvantagens e a seleção do mais adequado pode ser norteada a partir de alguns parâmetros, tais como: disponibilidade de área, composição do lodo (presença de contaminantes, teor de matéria orgânica, nutrientes e outros), possibilidade de uso como insumo em processos produtivos e respectivas formas de tratamento associadas, tecnologias disponíveis na região, custos e desempenho operacionais, impactos ambientais e sociais e legislações afins.

Segundo Andreoli, von Sperling e Fernandes (2014), no Brasil, o gerenciamento do lodo tem sido negligenciado, mesmo com a tendência de crescente geração de lodo, com o advento de novas ETEs e incremento na coleta e tratamento de esgotos. Estes autores mencionam, ainda, diferentes perspectivas de disposição do lodo no Brasil. Enquanto em Curitiba e Brasília o lodo é tratado sob a ótica de subproduto, sendo disposto em áreas agrícolas, em São Paulo destina-se predominantemente à aterros.

Já no cenário internacional, observam-se situações variadas. Na União Europeia, no ano de 2006, 37% do lodo produzido era utilizado na agricultura, 11% incinerado, 12 % aproveitado em reflorestamento e recuperação de áreas degradadas e, finalmente, 40% foi destinado a aterros, sendo observada gradual redução desta forma de destinação (FYTILI; ZABANIOTOU, 2006). Nos EUA, cerca de 49% do lodo gerado em 2004 foi aplicado em áreas agrícolas, silvicultura ou áreas degradas, enquanto 45% foi disposto (aterro, landfarming ou incinerado) e 6% foi destinado de outras formas (NEBRA, 2007). Na China, observou-se, no ano de 2010, as seguintes formas de disposição final do lodo: 45% para uso agrícola, 3,5% incineração, 34,5% aterro e 17% outros (CHEN et al., 2012).

O aproveitamento agrícola do lodo apresenta diversos efeitos benéficos. Dentre os benefícios relacionados à melhoria na qualidade do solo, a maior parte está associada à adição de matéria orgânica, podendo-se mencionar: aumento na superfície específica da fração sólida, estruturação e estabilização dos agregados, retenção de água, melhoria da consistência, aumento na fertilidade, alteração favorável no pH, neutralização de elementos químicos tóxicos, adição de micronutrientes e melhoria na biota do solo (MATOS, 2014). Outras vantagens associadas à essa prática são: maior parcelamento da adubação, evitando-se perdas e atendendo às necessidades das plantas nas diferentes etapas de desenvolvimento da cultura; e economia de insumos, com consequente economia de recursos financeiros (BASTOS, 2003). Porém, alguns riscos associados ao uso agrícola do lodo têm sido reportados, principalmente devido ao conteúdo de metais pesados, ao aspecto sanitário, à estabilidade, ao conteúdo de nitrogênio e à interação do lodo com o meio ambiente (ANDREOLI; VON SPERLING; FERNANDES, 2014).

No Brasil, tal regulação cabe ao Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, que, por meio da resolução 375 de 2006, estabelece critérios e procedimentos para tal uso. Dentre as restrições preconizadas na resolução estão aquelas relacionadas à qualidade e quantidade do lodo aplicado, ao tipo de cultura, ao local de aplicação e tipo de solo (BRASIL, 2006). No que tange especificamente às restrições locacionais, existem diversos parâmetros que devem ser considerados, o que pode tornar a seleção de áreas aptas um desafio aos gestores, quando da disposição do lodo em áreas agrícolas. Assim, destaca-se o potencial de utilização de Sistemas de Informação Geográfica (SIG), por meio dos quais é possível avaliar a adequação de uma área em relação à diversos parâmetros. O entrecruzamento entre os dados permite a geração de mapas de aptidão do solo à aplicação do lodo, importante instrumento de zoneamento de áreas para esta finalidade, cuja aplicabilidade pode ser verificada tanto em escala regional como municipal (SOUZA et al., 2008; URBAN; ISAAC, 2016).

Como estudo de caso, e tendo em vista a necessidade de se dispor adequadamente o lodo gerado em ETEs e a possibilidade de uso agrícola do mesmo, no presente trabalho objetivou-se avaliar o potencial do lodo gerado no reator UASB da ETE de Pirapora (MG) para atender a demanda por nutrientes das atividades agrícolas, pecuária e de silvicultura, no município. Os tópicos abordados incluem caracterização química, física e biológica do lodo anaeróbio e quantitativos gerados, além da caracterização da demanda de nitrogênio e fósforo das atividades agrossilvipastoris. Ademais, cumpre-se ressaltar a importância do setor agrossilvipastoril no município em estudo. Segundo levantamento de uso e ocupação do solo (IBGE, 2016), 4% da área total do município constitui ocupação urbana, 75% pastagens (natural e plantada), 3,8% silvicultura, 7% área agrícola e 10% corpos d’água.

Autores: Lucas de Almeida Chamhum Silva; Andrés Felipe Torres Franco; Renata Leandro Rodrigues Bortolini; Cesar Rossas Mota Filho e Antonio Teixeira de Matos.

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