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Amyr Klink: ‘A água é muito barata. Aumenta para ver o que acontece’

A relação de Amyr Klink, 59, com a água sempre foi das mais próximas. Desde os 2 anos de idade, o paulistano passava os fins de semana em Paraty, município do litoral sul do Rio de Janeiro, juntamente com a família. Único explorador a carregar no currículo uma travessia solitária pelo Atlântico Sul a remo, façanha que acaba de completar 30 anos, Klink realizou 15 expedições à Antártida, que lhe permitiram fazer contato com cientistas que pesquisam o impacto das mudanças climáticas sobre o planeta — o que inclui escassez de água –, contribuindo para fazer dele um dos defensores das causas ambientais.

 

Essa experiência, aliada aos conhecimentos adquiridos na fabricação de seus barcos, que utilizam um sistema de controle do uso da água, fez com que o navegador refletisse sobre os problemas que envolvem esse recurso natural.

 

Em entrevista ao UOL, Amyr Klink apontou a sociedade e o poder público como culpados pela crise hídrica ter chegado a tal ponto — com o nível do Sistema Cantareira, que abastece um terço da Grande São Paulo, chegando a 8,9% de sua capacidade na última semana, passados quatro meses desde a inclusão do volume morto na oferta de água para a população. O navegador falou em “irresponsabilidade” e “incompetência” da atual gestão da Sabesp ante a crise hídrica vivida pelo Estado.

 

Klink também apontou algumas soluções para o problema, visualizadas por ele nos países que já visitou durante sua trajetória como navegador. E sugeriu algumas tecnologias usadas no sistema de controle do uso da água de seus barcos para contribuir no controle do desperdício de água nas residências.

Há 30 anos, o navegador Amyr Klink realizava uma proeza que o tornaria uma referência nacional e figura mundialmente conhecida: a travessia do oceano Atlântico Sul, da África ao Brasil, em um barco a remo. A data é lembrada por uma exposição com fotos do arquivo pessoal de Klink que ficará em cartaz até 2 de outubro, no Conjunto Nacional, região central de São Paulo. O UOL traz algumas dessas imagens, além de relatos do próprio navegador sobre as diferenças entre navegar há 30 anos e nos dias de hoje (Por Mirthyani Bezerra, do UOL em São Paulo). Foto: Arquivo Pessoal

 

Diante da atual falta de água vivenciada pelo Estado de São Paulo, o que poderia ser feito para amenizar a crise?

 

No caso de São Paulo, o primeiro problema a ser resolvido é o desperdício na distribuição de água. Para mim, o que faria a gente sentir na pele o problema é o preço. A água é muito barata. Aumenta 100 vezes o preço para você ver o que vai acontecer. Claro que o consumo sofreria uma diminuição, as pessoas começariam a se preocupar mais com o desperdício.

 

Em uma escala maior, tem a questão da atividade industrial e agrícola. O consumo de água é bastante desproporcional nessas atividades, se comparado ao consumo direto. E esse é um tipo de consumo que pouca gente questiona. O volume de água usado para produzir um quilo de carne ou uma maçã é incrivelmente superior ao de uma residência. São números espetaculares, o que torna o consumo direto humano insignificante.

 

Você produz o sistema de controle do uso da água de seus barcos. Como funciona?

 

Tem dois tipos de água: uma para uso geral, que dá para tomar banho, lavar a louça, e outra para consumo humano, ou seja, para beber. O simples fato de você separar as duas coisas já faz com que economize. O manuseio da água é feito por mini bombas mecânicas que são acionadas com pedal; no barco, você não tem um sistema de alimentação por gravidade — não dá para colocar uma caixa d’água. Como a embarcação se move, até com violência, nem sempre você tem as duas mãos disponíveis para acionar e fechar a torneira. Então a gente usa esse mecanismo do acionamento com o pé. É impressionante o que economiza de água.

 

Nós também “fabricamos” a água, o que tem um custo, já que você precisa ligar o gerador, que é movido a diesel. É o mesmo óleo diesel usado para o aquecimento em viagens à Antártida, derreter neve ou para acionar o motor do barco. O simples fato de saber que essa energia usada para “fazer água” é importante faz com que a gente a use de maneira eficiente. Além disso, temos um sistema a vácuo que usa 500 ml de água em vez dos 10 litros de uma descarga normal.

 

Durante sua trajetória como navegador você visitou muitos países, com diferentes realidades. Algum deles lhe chamou atenção sobre a forma com que trata o consumo da água?

 

Há um lugar em que a água é abundante, mas mesmo assim o consumo é bastante eficiente. São as Ilhas Faroé, um arquipélago no Atlântico Norte que pertence à Dinamarca. Apesar da relativa abundância — chove muito ao longo do ano –, o consumo da água é bastante consciente porque o recurso lá é caro. Por ser uma ilha, tudo tem de ser importado. Falando em ilha, do lado oposto está Cabo Verde, que não tem água e precisa dessalinizar a água do mar, o que faz com que os moradores tenham uma preocupação grande com o recurso.

 

Você acredita que essas soluções poderiam ser adaptadas para o Brasil e São Paulo, de maneira mais específica?

 

É claro que os governantes nunca adotariam uma medida como essa por razões políticas. O que me impressiona é que essa ignorância no uso parte de cima para baixo. Eu assisti recentemente a uma entrevista da Dilma Pena, presidente da Sabesp. Essa mulher é uma irresponsável. Ela falou “não existe no meu cenário a possibilidade de racionamento”. É como um motociclista falar que não existe no cenário do transporte em duas rodas a possibilidade de acidente, ou como eu falar que não existe no meu cenário, como construtor de barcos para clientes exigentes fora do Brasil, a possibilidade de naufrágio. Claro que existe.

 

Você imagina uma gestora que deve ter sido colocada lá por alguma razão política, que não bastasse a arrogância, ainda demonstra em público a mais pura incompetência ao afirmar essa e outras barbaridades. Temos outro problema também criminoso, como no caso da prefeita Luiza Erundina [que assumiu a administração em 1988], que licenciou um loteamento clandestino em área de mananciais.

 

Primeiro, a gente tem que encontrar uma maneira técnica de colocar gestores em funções importantes, como um órgão que cuide de saneamento. Se os gestores fossem competentes, eu teria orgulho em pagar mais pela água. Mas não é o caso hoje porque sei que esse acréscimo vai alimentar os partidos ou a ineficiência do governo.

 

O crescimento da cidade, em sua opinião, contribui para essa crise hídrica?

 

São Paulo tem um problema muito sério: a cidade está entrando em um estágio de concentração de pessoas crônico, não tem mais espaço físico. Está na hora de planejar a cidade para crescer qualitativamente.

 

O Brasil, infelizmente, é um país atrasado em termos de urbanismo. A gente não tem uma cultura de planejamento, de crescimento ordenado. As cidades projetadas no Brasil são raríssimas. Temos casos icônicos que mostram o nosso despreparo para planejar a cidade, como Brasília, uma cidade totalmente incongruente.

 

O senhor acha que a falta de educação ambiental também contribui para que os cidadãos, mesmo sabendo da escassez de água, continuem a lavar calçadas com a mangueira aberta, entre outras atitudes?

 

Eu acho que o governo tem uma parcela de responsabilidade nisso, mas como indivíduos nós também temos. Modificar uma cultura é um baita desafio. Se você parar para analisar, por exemplo, nem é só o brasileiro, mas o sul-americano que não sabe a ordem de procedência, por exemplo, em um cruzamento, os motoristas tendem a furar filas. Se você vai a um bairro rico de São Paulo, como Jardins, Moema, a grande maioria dos automóveis queima a faixa ao parar no semáforo.

 

Eu não sei te responder qual seria a melhor solução, só sei que seria demorada. É uma questão cabeluda, que envolve o trabalho na base, na escola e vai além, é um processo de reeducação. É mais difícil do que simplesmente educar, mas absolutamente necessário. A cultura da eficiência vai demorar a ser construída. Por isso é que precisamos começar já.

 

Outro lado

 

O UOL procurou a Sabesp para repercutir as declarações do navegador na última sexta-feira (19), enviou e-mails na segunda e terça-feira (20 e 21). Apenas nesta quinta (25), a Sabesp informou que não iria se pronunciar sobre o assunto.

 

Fonte: http://noticias.uol.com.br/

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