saneamento basico

Nossos desafios atuais

Neste artigo falarei um pouco sobre os desafios ambientais atuais, abordando a questão a partir do comportamento humano. Irei apresentar alguns aspectos da finalidade da vida humana e sua relação com a natureza segundo a filosofia clássica.

Os desafios atuais em relação a preservação e equilíbrio da natureza e das cidades são muitos: os rios estão poluídos; as florestas e a biodiversidade em geral diminuem a cada dia; a qualidade do ar foi afetada, principalmente nos núcleos urbanos e industriais; o lixo tem chegado às praias desertas; a contaminação da água e dos alimentos por micro-poluentes tem afetado a saúde das pessoas, principalmente a das crianças; o clima parece estar mudando e tornando mais frequentes as tempestades e com elas as inundações… E o saneamento tem seu papel nisso tudo… pois não estamos conseguindo garantir o planejamento, a limpeza e a purificação das cidades naquilo que tange a nossa responsabilidade.

desafios

Vamos procurar refletir sobre as possíveis causas desses problemas? Proponho abordarmos esta questão com um pouco mais de atenção, profundidade e sinceridade. Vamos lá? Talvez possamos recolher algo de útil com isso!

Alguns dizem que a humanidade perdeu a sua relação original com a natureza… Eu complementaria dizendo que, antes disso, nós perdemos o contato conosco… Gostaria de fazer menção a uma ideia implícita no aforismo grego: “Conhece-te a ti mesmo, dessa forma conhecerás os deuses e o Universo”. Em outras palavras: Encontre-se primeiro, depois terás condições de resgatar a sua relação com a natureza.

Dizem as antigas civilizações que o sentido da vida humana é a sua evolução. Que tipo de evolução? A da consciência, do entendimento sobre a vida e sobre si mesmo, seu papel neste grande e misterioso universo. É partir dessa busca que o ser humano deveria guiar tudo o que faz.

Na mitologia greco-romana, por exemplo, o mito de Hércules retratou este caminho denominado de “a saga humana”. Hércules enfrentou diversas provas para conquistar seu desenvolvimento e a batalha terminou assim:
“A joia da imortalidade é sua. Com esses doze trabalhos, superaste o humano e ganhaste o divino. No firmamento estrelado, seu nome será inscrito, como um símbolo para que os lutadores, filhos dos homens, saibam do seu destino imortal” . (BAILEY, 1983).

Outro texto que retrata a saga humana vem da tradição indu e foi denominado Bagavad Gita. Este livro está inserido no Mahabharata, um dos maiores épicos da Índia, junto com o Ramaiana.

Este texto ilustra, de forma inspiradora, a guerra de Arjuna contra os kuravas, representando a “guerra interior” e trás ensinamentos sobre como conquistar Hastinapura, que representa o que é mais elevado no ser humano.

 Desta forma, cada um de nós teríamos que nos dedicar a encontrar o herói que está dentro de nós, capaz de vencer nossos defeitos, egoísmos e limitações, para nos tornarmos pessoas melhores, mais éticas e dignas. Esta é a mensagem desses textos.

E sendo mais éticos e dignos na vida cotidiana, você concorda comigo que haveria mais chance de superarmos nossos desafios coletivos em relação ao meio ambiente e o saneamento das cidades? Parece que sim… Parece que seria mais natural para todos nós vermos a natureza como parte de nós mesmos e a nossa necessidade de vivermos em cidades limpas e harmônicas.

Talvez a nossa forma de viver tenha se tornado muito superficial, de tal modo que ela não está nos levando a desenvolver esse processo heroico de descobertas e superações, que exigiria um pouco mais de profundidade e contato com a nossa vida interior.

A educação está voltada ao mercado de trabalho desde muito cedo. Isto não seria ruim, se também garantíssemos que nossas crianças estivessem sendo conduzidas ao encontro de sua vida interior. Mas ocorre que a vida tem seguido, em geral, sem muita reflexão e com pouca autenticidade e profundidade… E assim vamos sendo guiados “ao acaso das correntes”.

Mas os movimentos em prol do Desenvolvimento Sustentável estão aí nos alertando que precisamos mudar. Para citar alguns, temos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)  das Nações Unidas, a política de universalização do saneamento e as políticas ambientais governamentais. Eles nos exigirão que façamos um movimento não somente fora, mas para dentro de nós mesmos também, pois o ser humano não mudará seu comportamento somente por uma imposição externa, ele precisará compreender, por ele mesmo, a sua necessidade de mudar.

Mas esse movimento não será artificial ou inédito para a humanidade! Se buscarmos na história, assim como foi escrito nos mitos de Hércules e de Arjuna, ao contrário, será um movimento já vivido por diversas civilizações ao longo da história, amparado pelo que é natural para o ser humano.

No pensamento grego, por exemplo, ficaram registradas as recorrentes associações entre a natureza e os deuses. Esse povo possuía uma relação sensível e sagrada com a natureza: picos de montanhas foram associados a Zeus, nascentes as Ninfas, cavernas a Pan, lugares ermos e espaços de transição a Ártemis, os campos agrícolas a Deméter e o mar a Poseidon. Protegidos e regulados, quaisquer sacrilégios contra esses lugares consagrados implicavam severas punições, pois rompiam com a ordem cósmica estabelecida. O respeito à paisagem, ao meio ambiente, significava o respeito às divindades e à comunidade política (SILVIA, 2016).

Zeus, Ninfas, Pan, Artemis, Demeter e Poseidon eram divindades gregas. Essa ligação entre os deuses e os elementos da natureza demonstra o respeito que os gregos tinham ao meio ambiente. A ordem cósmica, por sua vez, era a forma de eles falarem sobre a sustentabilidade… A comunidade política ou cidade, para os gregos, era merecedora de respeito equivalente àquele cultivado aos deuses.

Para os gregos, os deuses eram a forma de eles se relacionarem com as “virtudes celestiais” ou “forças da natureza”. Os deuses faziam a ponte entre essas virtudes e a compreensão humana. Por exemplo: Zeus era o líder do panteão grego, deus luminoso do céu, regia a atmosfera (chuvas, ventos e raios) e reinava sobre o Olimpo (BRANDÃO, 1986). Por meio do conhecimento dos atributos deste deus, compreendiam e qualificavam os picos das montanhas.

Bem, neste artigo quero deixá-los refletindo um pouco sobre a saga heróica do ser humano e sua relação com os nossos desafios atuais para a sustentabilidade. Mais do que uma visão legalista, as antigas civilizações apresentam uma cultura de entendimento capaz de permitir uma inserção mais harmônica do ser humano no ambiente que ocupa. No próximo artigo, continuaremos a falar do assunto, até breve!

Professora Luciane Dusi Pereira
Engenheira Sanitarista e Ambiental – Msc

Referências:

BAILEY, Alice A. Los Trabajos de Hercules: uma interpretación astrológica. Madrid: Luis Cárcamo, 1983. Tradução livre espanhol – português: Rosangela Pereira.

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes, 1986. 356 p. (V.1). Disponível em: <https://bibliotecaonlinedahisfj.files.wordpress.com/2015/03/mitologia-grega-vol-1-junito-de-souza-brandc3a3o.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2019.

MACHADO, Verônica. Bhagavad Gita: as lições que mudaram a minha vida. 2017. Disponível em: <https://medium.com/revista-subjetiva/bhagavad-gita-as-li%C3%A7%C3%B5es-que-mudaram-minha-vida-badb0e032039>. Acesso em: 12 mar. 2019.

MORAES, Desentupidora. A importância de jogar o lixo no lixo. 2017. Disponível em: <https://www.desentupidoramoraes.com.br/importancia-de-jogar-o-lixo-no-lixo/>. Acesso em: 07 mar. 2019.

MUNDOS, Mira. No topo da montanha do mar. 2017. Disponível em: <https://miramundos.com/2017/07/12/no-topo-da-montanha-do-mar/>. Acesso em: 27 fev. 2019.

MUSEUM, The J. Paul Getty. Statue of Hercules. 2019. Disponível em: <http://www.getty.edu/art/collection/objects/6549/unknown-maker-statue-of-hercules-lansdowne-herakles-roman-about-ad-125/>. Acesso em: 26 fev. 2019.

SANTOS, Vanessa Sardinha dos. “14 de agosto — Dia de Combate à Poluição“; Brasil Escola. Disponível em <https://brasilescola.uol.com.br/datas-comemorativas/dia-combate-poluicao.htm>. Acesso em 26 de fevereiro de 2019.

SILVA, Sued Ferreira da. A natureza da paisagem entre os gregos. Poder e Manipulação. Brasília, p. 175-182. mar. 2016. Disponível em: <file:///Users/luciane/Downloads/11606-Texto%20do%20artigo-20971-1-10-20180815.pdf>. Acesso em: 26 fev. 2019.

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