saneamento basico

O caso do Distrito de Riacho Grande

Quem diria, eu participei sem saber, da solução de um problema de engenharia sanitária único no mundo e sem exemplo no passado de toda a humanidade. O caso do Distrito de Riacho Grande, S.Bernardo do Campo , SP

Dezembro de 2012
Autoria de Manoel Henrique Campos Botelho
Email [email protected]

O caso
Atenção : Esta é uma crônica, mas baseada em fatos reais.
Estamos no segundo trecho dos anos 60. Eu era um jovem engenheiro e trabalhava na firma Planidro que reunia grandes nomes da engenharia sanitária. Foi me dado para projetar um leito de secagem de lodo de uma estação de tratamento de esgotos ( valo de oxidação ) para o distrito Riacho Grande de S. Bernardo do Campo, SP. O meu trabalho era o mínimo. Num papel tamanho A4 mostrar o leito de secagem do lodo do tratamento, com dimensões largura e comprimento, altura e especificação da areia e dos tubos de drenagem. Por dever de oficio fui no fim da semana visitar o local da obra.

Nenhum problema e o local do leito estava disponível. Fiz o pequeno projeto e quando fui entregar ao meu chefe Eng. Max Lothar Hess e ele o encaminhou ao Prof. Azevedo Netto que era o nosso contato com a prefeitura. Ao ver meu desenho o Prof. Azevedo com o tom grandiloquente de sempre avisou-me:
– Jovem engenheiro . Você acaba de dar uma contribuição a um caso único no mundo e nunca dantes experimentado.

Não estranhei o tom da observação e sim o fato em si ou seja o caso único no mundo e nunca dantes experimentado. Para entender a história e julgar o fato precisamos contar como nasceu Riacho Grande, hoje um distrito de S.Bernardo do Campo e junto da Via Anchieta e tudo banhado pelas águas então só ligeiramente poluída da Represa Billings.
Nasce Riacho Grande
Era nos anos sessenta e tanto .O Estado de S.Paulo não tinha pedágio em nenhuma de suas estradas, sejam as estaduais sejam as federais. O governo decidiu fazer uma experiência na sua mais famosa e movimentada estrada , A famosa Via Anchieta. Decidiu –se implantar um posto singelo de pedágio nessa estrada, no sentido indo para Santos depois de cruzar, por ponte, o Reservatório Billings e do outro lado da bela estação de captação de água da Sabesp ( leia-se então DAE ). Projeto belíssimo do arquiteto Fabio Penteado que até hoje se destaca pela sua beleza plástica .

O pedágio foi implantado e funcionava 24 h por dia mas o problema era que não havia nada nas redondezas. Só mato ou resquícios da Mata Atlântica. Face a essa falta de infraestrutura os funcionários do DER ( Dep. Estradas de Rodagem ) e que eram os responsáveis pelo posto traziam de casa alimentos e a famosa garrafa térmica de café para enfrentar o frio da madrugada solitária. Assim era.

Só que nas imediações morava uma família simples de sitiantes e eles começaram a fornecer café fresco, empadinhas, coxinhas tudo feito na hora. Virou mania e os sitiantes deixaram de cuidar do sítio cuidando exclusivamente da alimentação do pessoal do pedágio.

Como o negócio era bom os sitiantes convidaram parentes para morar junto à casa deles e aproveitar as fomes não saciadas dos funcionários do DER. Como o local era ( e é ) muito bonito; um funcionário do DER também se mudou para lá construindo uma casa rústica, como é a regra.

A distancia dessa casa ao pedágio era da ordem de uns trezentos metros. Foi um sucesso e mais gente começou a morar lá e trabalhar no pedágio. Em dias quentes dos fins de semana os moradores começaram a se banhar na represa. Ai um dos funcionários do DER que adorava pescar fez uma construção simples para vender material de pesca pois a fama do local crescia e seus moradores também.

Depois do assunto comida para os empregados do pedágio e depois do inicio de transformação do lugar em um local de pesca descobriu-se que o local era muito bonito , era perto de S.Paulo e a represa servia como lazer contemplativo e até banhos.
O problema sanitário

O lugarejo começou a explodir. Ai surgiu um problema. Com o crescimento do burgo faltava rede de água e rede de esgotos e todo o esgoto e que saia das fossas ia implacavelmente para o Reservatório Billings e em frente á captação de água da SABESP e que atendia o ABC como seu único manancial.

As autoridades sanitárias agiram energicamente. Foi construída a rede de esgotos do lugarejo e para não jogar o esgoto coletado junto à captação de água para abastecimento do ABC decidiu-se construir uma estação de tratamento de esgotos e consultado o especialista Eng. Max Lothar Hess construiu-se no local um valo de oxidação, primeiro no estado de S.Paulo e o pionerismo no Rio de Janeiro coube ao Eng. Constantino de Arruda Pessoa .

Uma coisa era rígida . O local não teria rede de água, cuidado para inibir o crescimento da população pois até corrida de lanchas estava acontecendo no local. Providencias foram tomadas junto à Prefeitura de S.Bernardo do Campo para frear a ocupação ilegal e altamente prejudicial à própria cidade de S. Bernardo face ao assunto esgotos ( na época não se falava no assunto lixo ).

Alguém acha que com a falta de rede de água e a pressão da prefeitura para impedir a ocupação incorreta de Riacho Grande adiantou alguma coisa ? A beleza do local e a facilidade de acesso fizeram explodir Riacho Grande.

Eu tinha o orgulho de ter projetado o minúsculo leito de secagem de lodo do valo. Foi então que eu ouvi a frase rocambolesca do Professor Azevedo Netto.

– Você participou de caso único no mundo e em todos os tempos, jovem engenheiro.
O professor não explicava qual era o caso e isso fazia parte de sua técnica didática de ir soltando os assuntos por etapas mas todas muito saborosas e inesquecíveis. Então perguntei:
– Mestre dos mestres ( ele adorava ser chamado assim ) explique a este pobre mortal o caso único e em todos os tempos que eu participei sem saber .
O mestre sorriu e explicou:
– Riacho Grande nasce com um fato inacreditável aos olhos do mundo e mais ainda aos olhos brasileiros. É o único lugarejo do mundo que tem rede de esgoto, tratamento secundário do lodo, secagem do lodo em um leito de secagem e por incrível que pareça não tem rede de água…
Pensei bem e concordei com ele. Infelizmente com o mestre Azevedo não dá mais para conviver e aprender mas de vez em quando volto à Riacho Grande, principalmente em dias de vento forte e esses ventos soando forte nas árvores parecem falar algo como:
– Caso único no mundo e em todos os tempos…
Caro leitor. Visite o extremamente prazeroso distrito chamado de Riacho Grande á direita de quem vai para Santos e depois de ultrapassar a ponte que corta o Reservatório Billings e aproveite para ver a obra plástica do Arq. Fabio Penteado… O que a gente leva da vida é a vida que a gente leva…
E lembremos o adágio : você que passa e não olha e quando olha não vê…

O grande mestre Azevedo Netto nos ensinava a olhar e valorizar o que é simples mas belo e importante…

Manoel Henrique Campos Botelho
E-mail: [email protected]
Realiza palestras por todo o Brasil.
Reprodução livre desta crônica

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