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O Estado deve ser público ou privado ?

Nesta última segunda-feira (17), a Revista Exame publicou uma matéria especial contendo um estudo sobre as contas estaduais de 23 dos 27 estados da federação junto com um ranking da gestão de contas públicas dos estados brasileiros, elaborado pela RC Consultores. O grande criticado, que aparece logo nos primeiros parágrafos da matéria, é o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), cujo estado aparece na 18ª posição do ranking.

Segundo a reportagem, um dos grande vilões por colocar o Rio Grande do Sul nessa posição desconfortável foi a opção do governo de Tarso Genro em criar uma estatal para gerir as estradas gaúchas e acabar com a cobrança de pedágios nas estradas estaduais. A matéria de Daniel Barros afirma que, embora tenha sido recebida com entusiasmo e buzinaço pela população de Farroupilha-RS, decisões como essa “custam dinheiro – muito dinheiro”. Por conta dela, o custo com pessoal foi elevado e o governo gaúcho desdenha as parcerias público privadas, tais como as concessões, para solucionar os problemas de investimento e endividamento do estado. Segundo a crítica elaborada pela reportagem: “Há 77 municípios sem acesso asfaltado, e o governo ainda estatiza as rodovias que já existem – quando poderia tentar o inverso, conceder serviços para atrair capital privado e gerar caixa para tocar novos projetos.”Para o autor da matéria especial da Exame, portanto, uma das soluções para que o Rio Grande do Sul saia de sua posição vexatória do tal ranking elaborado pela RC Consuloria especialmente para a revista, passaria pela concessão de serviços para o capital privado, jamais por iniciativas que buscam tornar o estado público, como disse o governador Tarso Genro em sua fala de abertura da rodovia estatizada. Uma pena que o autor não detalhou quais seriam os novos projetos nos quais o governo gaúcho deveria investir o “dinheiro do caixa” levantado com a economia que teria ao privatizar mais estradas. Imagino que seriam todos ligados à infraestrutura do estado, tal como reforma dos aeroportos e portos, melhoria da matriz energética, ou ainda, em projetos relacionados ao megaeventos de 2014, ou a eventos menores capazes de atrair turistas. Todos visando gerar ainda mais caixa para os próximos anos e mais lucro para a iniciativa privada ligada diretamente à essas áreas.

Além do governo do Rio Grande do Sul, a reportagem aproveita para criticar iniciativas do governo federal como a desoneração dos impostos (redução do IPI), o gasto com pessoal e, até mesmo, com a determinação de um piso nacional para os professores. Segundo a reportagem: “A situação fiscal dos estados é sinal de que a epidemia de descontrole das despesas não atinge só o governo central”, diz Paulo Rabello de Castro, sócio da RC [consultores]. “A doença está espalhada por toda a Federação. Para agravar o quadro, o governo federal fragiliza os estados com desonerações de tributos compartilhados e com leis como a que determina um piso nacional dos professores. que gerou encargos aos entes federativos”.

Desta forma, percebe-se que a revista e seu articulista entendem que, mesmo quando o governo atua para acabar com os pedágios, desonerar impostos para promover a produção, consumo e a circulação de mercadorias, aumentar o funcionalismo público, pagando melhores salários aos servidores e garantir um piso nacional para os professores, ele está agindo equivocadamente. Segundo a ótica deles, o importante seria manter a meta de superávits, garantir a cada ano taxas mais altas para investimento e gastar toda essa grana em parcerias-público-privadas e concessões de serviços a empresas privadas que pagam mal seus empregados, superfaturam suas obras e cobram uma fortuna aos usuários dos serviços que, além dos impostos, ainda devem dar lucro às concessionárias.

Mas e a população? A gestão pública não deveria priorizar justamente seu povo que paga os impostos? Ora, segundo a perspectiva adotada pela reportagem, parece que a população fica sempre em segundo plano. O importante mesmo é garantir a eficiência da máquina pública para que se tenha caixa para investir especialmente em infraestrutura – invariavelmente através de parcerias-público-privadas ou concessões de serviços – visando facilitar a circulação das mercadorias (não de pessoas) e seu transporte até os portos, garantindo, dessa maneira, maior arrecadação a cada ano. Há quem argumente que o governo deve fazer caixa para investir em saúde/educação/habitação/saneamento básico/segurança pública/programas sociais, mas o investimento prioritário para os defensores desse modelo deve ser a infraestrutura (estradas, portos, energia, etc). Sobrando recursos, aí sim pode-se investir (com parcimônia) no atendimento às demandas da população. Ainda assim, se possível for, através de empresas privadas. Deve-se crescer mais para continuar crescendo e seguir investindo no crescimento eterno, como se isso fosse possível. Lembrem-se, por exemplo, do prefeito Fernando Haddad (PT), em São Paulo, que dizia não ter dinheiro para segurar o preço das tarifas do transporte público em R$ 3,00 mas, nem bem a poeira das manifestações de junho/2013 tinham baixado, e anunciou investimento municipal na reforma do autódromo de Interlagos para a realização da Fórmula 1 e a renovação do contrato para a realização da Fórmula Indy na pista de rua do Anhembi.

Segundo essa perspectiva, a população só deveria ser beneficiada pela gestão pública indiretamente, uma vez que suas demandas não devem ser o objeto principal dos gestores (só nos comerciais e propagandas políticas). Cortar pedágios, desonerar impostos, pagar salários dignos ao funcionalismo público são medidas que devem ser evitadas, pois os recursos públicos devem ser geridos não visando o bem comum, mas sim segundo a lógica das corporações, isto é, visando prioritariamente a “obtenção de lucro” (no caso do aparelho de Estado, no aumento da arrecadação). Eis a razão pela qual o consultor da RC enxerga o aumento no gasto público com funcionalismo ou a lei que determina o piso salarial dos professores como sintomas que agravam o quadro de uma doença crônica espalhada por todo o Brasil. Tratam-se de custos e custos que devem ser minimizados.

Para a revista Exame (e boa parte de seu público), na escolha de como investir os recursos públicos optar pelo bem comum, isto é, por atender melhor a população e tornar o Estado público de fato, é um engano. Deve-se mesmo é optar por medidas que aumentem a arrecadação. Nesse cenário, criar empresas públicas, como aquela criada por Tarso Genro para gerir as estradas gaúchas, são vistas como onerosas e incapazes de prestar bons serviços à população, ainda que elas prestem um bom serviço e não cobrem a mais por quem circula pelas estradas. O que deve mesmo ser feito é sucumbir às pressões do poder econômico e conceder a gestão dos serviços públicos, até onde for possível, à iniciativa privada. Esta, por sua vez, cobrará, e caro, pelos serviços prestados à população que acabará pagando dobrado para a obtenção de um serviço que deveria ser público, gratuito e de qualidade.

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Transcrição da matéria publicada na Revista Exame (sem infográfico) realizada pela Linear Clipping.

Fonte e Agradecimentos: http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/131226/O-Estado-vai-ser-p%C3%BAblico-ou-vai-sucumbir-%C3%A0s-press%C3%B5es-do-poder-econ%C3%B4mico.htm

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