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O novo pregão eletrônico e a administração pública

Por : Rodrigo de Pinho Bertoccelli, Fabricio Soler e Amanda Pauli De Rolt

09 de setembro de 2019

O governo federal deve apresentar novo decreto que altera o Decreto Federal 5.504/2005, que regulamenta o pregão eletrônico para aquisição de bens e serviços comuns. O novo texto propõe uma série de alterações, das quais merecem maior destaque a possibilidade de contratação de serviços de engenharia, a vinculação das transferências voluntárias ao uso desta modalidade licitatória, a remodelagem da etapa de lances e critérios de desempate.

A modalidade de licitação do pregão eletrônico conquistou a administração pública, em todas as esferas da Federação, por ser um procedimento ágil, eficaz e prático, quando comparado com outras modalidades. A sua preferência é inclusive reforçada pelo artigo 1º, § 1º do Decreto Federal nº 5.504/2005, o qual estabelece que, nas licitações para aquisição de bens e serviços comuns realizadas com recursos da União – repassados voluntariamente por meio de convênios, consórcios públicos e demais instrumentos congêneres -, será obrigatório o emprego da modalidade pregão, sendo preferencial a utilização de sua forma eletrônica.

A adoção do pregão eletrônico é, deste modo, uma tendência que vem se consolidando na administração pública. Muitas são as vantagens mencionadas na utilização desta modalidade: menor custo do procedimento licitatório para o poder público, celeridade, eficiência e aumento de competitividade. Afinal, a realização do processo licitatório por meio da internet, em tese, possibilita a participação de uma maior quantidade de interessados, não somente daqueles que possuem condições e se dispõem a comparecer nas sessões presenciais em órgãos contratantes.

Nesse contexto, o novo decreto propõe alterações que, claramente, pretendem aumentar a utilização do pregão eletrônico nos âmbitos federal, estadual e municipal. O seu artigo 1º, estabelece que “A modalidade de licitação pregão, na forma eletrônica, de acordo com o disposto no §1º do art. 2º da Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, destina-se à aquisição de bens e serviços comuns, inclusive os de engenharia, no âmbito da União, e submete-se ao regulamento estabelecido neste Decreto”. Sendo assim, diferente do Decreto Federal nº 5.504/2005 que em seu artigo 6º possui vedação expressa para contratações de obras de engenharia, incluiu-se no novo decreto a possibilidade de utilizar-se o pregão eletrônico para serviços comuns de engenharia.

Além disso, o artigo 1º, § 3º do texto do novo decreto torna obrigatória aos Estados, Distrito Federal e municípios a realização de pregão eletrônico para a contratação de bens e serviços “com a utilização de recursos da União oriundos de convênios, contratos de repasse ou de transferências fundo a fundo”. Isto posto, as transferências voluntárias da União aos estados, Distrito Federal e municípios são vinculadas ao uso desta modalidade licitatória.

Entretanto, apesar do pregão eletrônico ser uma modalidade licitatória mais célere, quando comparada às modalidades tradicionais da Lei Federal 8.666/1993 (Lei Geral de Licitações e Contratos), é preciso cautela na sua utilização pelo administrador público a fim de não se contratar a pior prestação de serviços de engenharia pelo melhor preço. Esta modalidade foi criada, portanto, para a contratação de serviços comuns e não técnicos ou especializados, justamente porque o critério de julgamento das propostas é o menor preço, o que ignora a análise da complexidade do objeto e a seleção de proposta que preza pela melhor qualidade técnica.

Contratações inadequadas, com o tratamento de serviços técnicos e complexos como comuns, justamente pela utilização do pregão eletrônico, já ocorrem, principalmente, no âmbito dos municípios. Em específico, podemos citar contratações para a prestação dos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos que, muitas vezes, é caracterizado como serviço comum e licitado, por conseguinte, mediante pregão eletrônico.

Nestes casos, o poder público ao licitar com base no preço e não privilegiar a capacidade técnica, contrata serviços inadequados ao objeto pretendido, prejudicando a população como um todo. É que a administração pública deve analisar qual a melhor modalidade licitatória a depender da complexidade do objeto licitado, para proceder com a contratação mais vantajosa e melhor atender ao interesse público. Em outras palavras, os serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos demandam planejamento logístico, controle e uma execução contratual que incorpore a gestão integrada dos resíduos sólidos, relacionada aos elementos ambientais, sociais, sanitários, políticos e econômicos que muitas vezes não podem ser medidos exclusivamente pelo menor preço. Nessa toada, a vinculação de transferências voluntárias e, principalmente, a inclusão de serviços de engenharia podem ocasionar o aumento do uso inadequado do pregão eletrônico. Ora, como delimitar o que seria considerado um objeto de serviço comum de engenharia ? Os agentes públicos e os órgãos de controle certamente encontrariam dificuldades para interpretar este conceito na prática. Este conceito, por ser dotado de certa amplitude, causaria divergência entre os atores, gerando alto grau de incertezas e insegurança jurídica nas contratações.

O pregão eletrônico é um procedimento muito eficiente, mas deve ser usado com cautela, para serviços considerados, realmente, serviços comuns. É importante ter em mente que serviços de engenharia são, por natureza, técnicos e complexos, ou seja, a sua contratação mediante pregão eletrônico seria, com a publicação do novo decreto, exceção. A administração pública possui o poder-dever de analisar qual a melhor modalidade licitatória destinada a cada objeto a ser contratado. Afinal, a finalidade das contratações é obter a proposta mais vantajosa frente ao interesse público, ou seja, serviços adequados, e não a mera utilização de um procedimento mais ágil.

Rodrigo de Pinho Bertoccelli e Fabricio Soler são sócios de Felsberg Advogados, responsáveis, respectivamente, pelos departamentos de Infraestrutura e PPP e Ambiente e Sustentabilidad. Amanda Pauli De Rolt é advogada associada ao escritório.

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