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Terra do já teve

Por: João Bosco Araújo
Faz muito tempo, diziam os antigos habitantes desta heroica Manaus que esta é a “cidade do já teve”. Tudo o que se cogitasse, Manaus já tivera e perdera, já não tinha mais.

Depois, começou-se a pensar que esse tempo tivesse passado e que a sucessão da nossa história, finalmente, invertera o seu movimento e que, assim, passaríamos a ter no futuro o que não tivéramos no passado, o que, afinal, constitui a ordem natural das coisas.

Esta contramão que regeu e, no meu humilde senso, continua a reger o fluxo dos acontecimentos manauenses, entretanto, não foi gratuita, mas fundamentada na própria realidade desta cidade que, para começar, tem que ser vista como um milagre ainda não explicado, que aconteceu como fenômeno bizarro, tanto pelo lugar onde ocorreu, quanto pelo tempo em que se deu. O mais importante é não esquecer que aqui começamos quase sempre pelo fim.

Tivemos luz elétrica intensa e abundante bem antes de quase todas as outras cidades do país. Os ingleses a trouxeram para nós, com uma tecnologia que, naquele momento, sequer conseguíamos compreender. Por essa mesma Companhia, a “Manáos Tramways and Light Co.”, de 1908, tivemos transporte coletivo, constituído pelos bondes que cortavam a cidade do norte ao sul e do leste ao oeste. Depois, tudo isso passou para o irrecuperável estado do “já teve”.

Passamos a viver na escuridão, apenas amenizada pelas lamparinas e pelos candeeiros, enquanto “progressistas” governadores derramavam asfalto sobre os calçamentos e sobre os trilhos dos bondes. Curioso saber que na maioria das cidades europeias os bondes persistem e apenas os veículos foram modernizados, o que, em São Francisco, por exemplo, nem isso aconteceu. Nosso porto, o querido “Roadway”, construído e administrado pela “Manáos Harbour”, comparado ao que já foi, também incorporou em si a inexorável decadência.

Na chamada Ponta do Ismael, a “Manáos Improvements Limited” construiu uma tomada de água com bombas tão poderosas e tão farto tratamento, que abasteceu a cidade até bem pouco tempo atrás. Também nos deu um eficiente sistema de esgotos, até hoje funcionando, mas agora insuficiente, com uma estação de tratamento de efluentes, também já tida e perdida, que operava no atual Teatro Chaminé, lá na rua Isabel.

Também já tivemos grande produção de borracha, de castanha, de sorva, de cacau, de coquirana, de cumaru, de peles, de pau-rosa, de copaíba, de andiroba, que exportávamos para a Europa e para a América do Norte e nos garantiram grande prosperidade e nos legaram alguns monumentos magníficos, que ainda hoje nos orgulham. Esses, ainda temos, mas as fontes que os geraram já não temos mais e só há bem pouco tempo voltaram a ter um sentido de existência e de função.

Há poucos dias vim a saber que o grupo Takeda decidiu fechar o Restaurante Roma. Não tinha a mesma sofisticação do restaurante da Helena, o Village, mas era um dos poucos a oferecer variedade e qualidade e não deve ter sido por insuficiente clientela, já que era perceptível sua abundante frequência.

Como aconteceu com outros, caso do saudoso Chapéu de Palha, o senhor Takeda deve ter tido a preocupação de preservar para Manaus o título do “já teve” e o pior é que consta que lá se instalará mais uma unidade de uma rede churrasqueira, específica para glutões. Quem sabe, também logo entre no rol do que já foi e não é mais.

Fonte: Em Tempo
Veja mais: http://www.emtempo.com.br/opiniao/artigos/13822-terra-do-j%C3%A1-teve.html

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