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Menos de 2% dos Esgotos na Bacia que Abastece o Grande Rio são Tratados

Com dificuldade, o barco vai irrompendo a aglomeração de gigogas, revelando uma parte da lagoa que recebe um aporte direto de um dos rios vindos da Baixada Fluminense.

 

A cor da água aqui é escura, o mau cheiro toma conta do ar, manchas de óleo e pequenos detritos são visíveis na superfície da água. O cenário na captação que abastece a Estação de Tratamento de Água (ETA) Guandu, em Nova Iguaçu, reflete os descaminhos do flagelo da falta de saneamento básico. Menos de 2% dos esgotos gerados na bacia hidrográfica do Guandu, nos municípios da Baixada, são tratados, o que impõe altos custos à Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). ((o))eco apurou que a Cedae poderia economizar até R$ 100 milhões por ano caso houvesse saneamento básico no ponto da tomada d’água da ETA Guandu. Isso representa 15% do que a companhia gasta em produtos químicos no mesmo período.

 

Para entender a dinâmica da água que chega às torneiras de 9,5 milhões de moradores do Grande Rio, ((o))eco fez uma viagem pela lagoa de captação da ETA Guandu. À primeira vista, não haviam sinais evidentes de todo o esgoto que chegava até a lagoa de captação na manhã do dia 16 de março. Chegamos lá pela primeira vez às 6h, quando o sol começava a iluminar a água e toda a baixa vegetação do entorno. Diversas espécies de aves nadavam ou sobrevoavam de perto a superfície do lago artificial formado pelas águas do Guandu. Um gavião caramujeiro passou baixo à nossa frente. Tudo isso mudou, no entanto, tão logo chegamos à desembocadura do Rio dos Poços, um curso hídrico que nasce em Paracambi e deságua moribundo, como se pedisse socorro, no Guandu.

 

“Em agosto do ano passado, eu e mais oito pescadores daqui viemos tentar tapar esse esgoto que já estava prejudicando a lagoa há tempos,” disse Vitor Ambrozioni, que nos conduzia pelo passeio. O esgoto em questão era o rio em si. “Tentamos usar sacos de farinha de trigo, umas estacas… mas com as nossas mãos não deu”.

 

Rio dos Poços

 

Vitor, 36 anos, é um pescador do bairro de Lagoinha, em Nova Iguaçu, e havia gentilmente se voluntariado para nos mostrar a região em seu pequeno barco de pesca. Esse é o mesmo lugar onde houve a proliferação de cianobactérias que gerou a crise da água “com cheiro e gosto de terra” do início do ano. Um problema que, de acordo com Décio Tubbs, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ) e ex-diretor do Comitê Guandu-RJ, já era uma tragédia recorrente:

 

“Desses eventos de proliferação de algas, este deve ser o terceiro ou quarto. Isso tudo é recorrente, não é novidade nenhuma. A novidade agora é que este último episódio foi um pouco mais grave, e chegou a afetar a Zona Sul e outros bairros do Rio”.

 

O Rio dos Poços é apenas parte do problema. Vindo do norte da lagoa, ele eventualmente se encontra com o Rio Queimados — outro rio extremamente poluído — antes de desaguar no local. Na margem leste da lagoa desemboca também o Ipiranga, o terceiro pequeno curso d’água que abastece a local. Ao se encontrarem com Rio Guandu, esses rios de pequena vazão — cada um verte um pouco mais de 1 m3 de água por segundo — são motivo constante de preocupação para os operadores da estação de tratamento de água.

 

A influência desses rios parece insignificante perto da vazão de mais de 40 m3 por segundo da ETA, mas segundo Paulo Carneiro, pesquisador do Laboratório de Sistemas Avançados de Gestão da Produção (Sage/Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador da versão mais recente do Plano Estadual de Recursos Hídricos, eles encontram em uma situação tão precária que põem em risco a qualidade da água que chega aos copos de todos os cidadãos.

 

“As bacias que captam água dos rios Poços, Ipiranga e Queimados não tratam 1% da produção de esgoto”, diz Paulo. “Aquilo é esgoto in natura lançado na rede fluvial”.

 

Maior estação do mundo tem 65 anos

 

Concluída em 1955, a ETA Guandu é um impressionante feito de engenharia. Ela é a estação de tratamento que trata o maior volume de água no mundo, aproximadamente 45 mil litros de água por segundo. Desde o gradeamento que marca o início do processo de tratamento, até seus desarenadores, floculadores e seus gigantescos decantadores, a água — maculada por todo este esgoto vindo da Baixada Fluminense — passa por uma verdadeira alquimia em escala industrial. Mas toda essa bruta sofisticação vem a um custo alto.

 

A ETA utiliza, diariamente, cerca de 260 toneladas de produtos químicos. Graças às bombas usadas para passar à água através de elevatórias, o complexo utiliza cerca de 46.000 MWh de energia: o suficiente para abastecer uma cidade de 160 mil habitantes. Apenas com o uso de coagulantes, são gastos cerca de R$ 15 milhões de reais por ano. O custo total de operação (tratamento e energia) chega a quase R$ 700 milhões em 365 dias. Ainda que este intrincado processo seja capaz de transformar esgoto em água potável durante a maior parte do tempo, sua versão atual está se tornando defasada. Neste ano, os técnicos da Cedae foram forçados a despejar carvão ativado na caixa de entrada da estação, a fim de neutralizar os efeitos da geosmina. Como ((o))eco mostrou com exclusividade na primeira reportagem desta série, a Fiocruz detectou a presença de cianobactérias potencialmente tóxicas no manancial da ETA.

 

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Casos de geosmina

 

“Não é a primeira vez que questões como a da geosmina ocorrem”, lamenta Paulo Carneiro. “E isso é uma evidência de que um sistema convencional não responde ao tratamento de uma água que já não tem mais condições aceitáveis de captação para potabilidade.”

 

Este não é um problema que começou a ocupar as mentes de pesquisadores e técnicos recentemente. Muito pelo contrário. Soluções para sanar a questão vem sido propostas há décadas. “No final da década de 70 surgiu uma primeira proposta de fazer um desvio bypass dos rios que chegam nessa lagoa,” acrescenta Paulo, “jogando essa água para depois da tomada d’água da ETA.”

 

Muitos especialistas, como o ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) Jerson Kelman, consideram a criação desse desvio indispensável (leia a entrevista completa com Jerson ao fim desta reportagem). Ainda assim, essa manobra é tida como um paliativo, uma solução temporária que pode ajudar até que o verdadeiro problema que assola Guandu e ameaça a qualidade da água da Grande Rio seja atacado.

 

Solução

 

“A solução é simples”, afirma Décio. “É sanear a bacia. Não vai se chegar a lugar nenhum se este saneamento não for feito. Toda essa discussão vem de muito tempo atrás. A própria Cedae quando fez o seu Plano Diretor para Região Metropolitana lá em 1995 já estava ciente dos problemas. Os próprios técnicos da Cedae alertavam a respeito do problema de saneamento.”

 

A solução definitiva para os problemas locais de poluição, no entanto, demanda uma quantidade razoável de tempo e capital para ser implementada. Após dois anos de intensivo estudo, o Comitê Guandu-RJ elaborou o Plano Estratégico de Recursos Hídricos, que traz um protocolo para a recuperação de toda a bacia — que engloba 12 municípios. O projeto, a ser executado ao longo de 25 anos, custaria cerca de R$ 2 bilhões — R$ 1,4 bilhão dos quais destinados à questão do esgotamento. Pode parecer muito, mas o custo de ignorar estes problemas por mais quatro décadas é a saúde das águas e da população de quase toda a Região Metropolitana.

 

Para Décio, a raiz do problema são anos de negligência política. “Os planos de recursos hídricos da Bacia do Guandu, o plano estadual de recursos hídricos, os planos de saneamento… estão todos prontos. Eles dizem o que precisa ser feito. A Cedae tem esses planos construídos para a maior parte da Bacia do Guandu. Só falta a vontade política para implementar. O custo dessas obras são imensas, e elas demoram anos. Mas é a única água que a gente tem”.

No dia 10 de março de 2020, ((o))eco entrou em contato com a Cedae pedindo autorização para entrar na ETA Guandu para conversar com técnicos e especialistas e fazer imagens do processo de tratamento da água. No entanto, não obtivemos resposta. As fotos desta reportagem foram feitas com o auxílio de drone.

 

Fonte: O eco.

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