Em tempos de seca e de represas em situação crítica, quando qualquer gota de água é importante, o olhar clínico do motorista Marinho Araújo Souza, 59, ganha ainda mais importância.
No dia a dia, a tarefa dele é levar pra cima e pra baixo o superintendente da unidade da Sabesp da zona leste de SP.
Mas, quando não está dirigindo para o chefe, pega o carro da empresa de água para cumprir uma outra missão.
Ziguezagueando por bairros da capital, ou pelas ruas dos municípios vizinhos de Poá, Itaquaquecetuba e Suzano, Marinho passa a ser um caçador de vazamentos.
Apesar da dupla função, que exerce desde 2005, não recebe nada a mais por isso. Mesmo assim, segundo afirma, se sente realizado ao ajudar a economizar água.
Em uma semana normal de trabalho, Marinho costuma sair umas três vezes por dia para ver os vazamentos.
Em média, encontra de cinco a dez problemas por saída. Tudo na base do "olhômetro".
Na manhã de terça (14), acompanhado pela Folha, não deu outra. Em menos de uma hora de percurso, encostou o carro da empresa diante do meio-fio de uma ladeira, onde escorre um filete de água. “Estive aqui, mas parece que o problema voltou”, sentencia o “caçador”.
No asfalto, ao lado da saliência de onde mina a água, a marcação característica de Marinho quando encontra um problema como esse: ML. Sigla que significa [Unidade] Metropolitana Leste.
O motorista anota o endereço para passar para as equipes de manutenção da empresa. Se o vazamento for muito grande, o que muitas vezes ocorre, ele aciona os técnicos na hora, via celular.
O vazamento pode não ser de água da Sabesp, mas de um lençol freático – só a investigação vai dizer isso.
DESPERDÍCIO
Em um dia de caça, Marinho também costuma panfletar a favor da importância da economia de água.
Ao ver um morador lavando a frente de casa com uma mangueira, ele logo estaciona o carro para conversar.
“Estava apenas dando água para as plantas e aproveitei para lavar o quintal, que está muito sujo”, afirma Ricardo Martins, 34.
“Tenho consciência ambiental e sei que precisa economizar água”, completa Martins, funcionário da Eletropaulo que sofre diariamente com o racionamento imposto pela gestão de Geraldo Alckmin (PSDB) para reduzir a entrega de água em SP.
Há quase um ano, diz ele, falta água todos os dias na casa dele, na zona leste.
“É das 9h às 21h agora, mas já foi pior”, diz Martins, que tem uma caixa-d’água de mil litros em casa, o que é suficiente, segundo ele, para passar o período seco. Ele mora com a mulher e dois filhos.
Mesmo sabendo que seu trabalho é apenas uma pequena contribuição, Marinho contribui com uma mudança cultural sobre o uso da água.
O que tem um peso grande, segundo ele. “Depois do início da crise, os vazamentos diminuíram. As pessoas estão mais preocupadas e elas logo avisam do problema.”
Fonte: Folha de S. Paulo
Crédito da Foto: Luiz Carlos Murauskas/Folhapress