saneamento basico

Investimentos em infraestrutura ajudarão a economia brasileira a melhorar o desempenho em 2014

Os investimentos em infraestrutura, decorrentes dos recentes leilões de concessões, vão ajudar a economia brasileira a conseguir em 2014 um desempenho um pouco melhor do que em 2013, já que o fôlego do consumo será cada vez menor para tirar o Produto Interno Bruto (PIB) das baixas taxas de crescimento dos últimos anos e as indústrias permanecem sem competitividade para enfrentar a concorrência e ampliar a capacidade de produção. E a expansão dos gastos públicos está limitada pela situação desfavorável das contas do governo. A avaliação é do professor da Fundação Getulio Vargas, ex-presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e sócio da consultoria GO Associados, Gesner Oliveira.

‘Quando a gente olha para 2014, observamos que é o investimento que pode acelerar a economia. O consumo continuará crescendo, porém a uma taxa menor. Pelo lado das exportações, o PIB também não vai avançar. A Europa está estagnada, a China desacelera e a recuperação dos Estados Unidos é lenta. As importações continuarão pressionando muito a indústria nacional, pela falta de competitividade das nossas fábricas. O gasto público já está exagerado e não sabemos se o superávit primário das contas do governo vai melhorar. Então, um empurrão no PIB vai ter que ser pelo investimento’, afirma ao DCI o economista que atuou na equipe econômica do governo FHC.

Governo e setor privado estão, hoje, mais atentos à infraestrutura, segundo Gesner. ‘O Brasil se desacostumou a fazer grandes projetos e só fazia puxadinho. Ainda tem muito puxadinho, mas começamos a pensar grande, a pensar a demanda daqui a 20, 30 anos’, ressalta.

No entanto, ele defende que, a exemplo da preservação do tripé da política econômica implantada no governo tucano – a austeridade fiscal, o câmbio flutuante e a responsabilidade fiscal -, também é preciso ter um tripé para infraestrutura. ‘Planejamento público e privado, boa regulação e gestão constituem o tripé da infraestrutura que ainda falta ao País’, enfatiza.

Para Gesner, vários ajustes necessários na política macroeconômica atual ficarão mesmo para 2015, para o governo eleito nas urnas em outubro próximo. ‘Existe uma pressão inflacionária bem forte’, avisa.

A seguir, a entrevista.

DCI: 2014 será melhor que 2013?
Gesner Oliveira: A economia cresce bem abaixo do esperado. Estimávamos 2,6% de avanço do PIB para 2013, reduzimos para 2,2% e, em 2014, deve ficar pouco abaixo de 3%. A isso se junta uma inflação em níveis desconfortáveis há alguns anos. A meta de 4,5% é alta, e a banda, relativamente larga, de mais 2% e menos 2%. Há sentimento de frustração, na medida em que a economia desacelera e a preocupação inflacionária é constante. Cerca de 6% de inflação significa a média de evolução de preços livres, às vezes chega a 8% ou 9%. Existe uma pressão inflacionária e pela reindexação da economia. Mas os preços administrados estão baixos e revelam a necessidade de descomprimir esses preços em algum momento, à frente. O que vai gerar choques inflacionários inevitáveis.

DCI: Além dos combustíveis, quais os preços nesta situação?
GO: As tarifas de ônibus e tantas outras de utilidade pública terão de ser revisadas. Elas vinham sendo reajustadas conforme cronogramas obrigatórios, mas as manifestações de junho travaram esses aumentos em todas as esferas de governo. Não defendo reajustes acentuados, mas em alguns casos, não reajustar gera desajustes que terão de ser corrigidos no futuro. Podemos esperar para 2014 uma inflação represada que terá de ser descomprimida em algum momento. É melhor não manter esse represamento durante muito tempo, sob pena de um choque inflacionário muito forte, um desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos. O baixo investimento também é fonte de frustração. É um problema histórico do Brasil, cuja taxa de investimento está entre 18% e 19% do PIB, bem aquém do necessário para a economia deslanchar.

DCI: Ou mudar o motor do crescimento, do consumo para o investimento.
GO: Exato, do consumo para o investimento. Em 2014, os investimentos chegarão a 20% do PIB, mas teríamos que aumentar para 25% essa taxa para que a economia cresça 5% ao ano. Comparado a outros emergentes, o Brasil está abaixo de Rússia, China, Índia. O mais preocupante é o comportamento dos investimentos em infraestrutura, aqueles aportes de capital para a infraestrutura. Aqui o problema é mais grave ainda. Estudo da McKinsey & Company [consultoria empresarial americana] mostra que nas últimas duas décadas investimos 2,2% do PIB em infraestrutura, ou seja, em rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, não incluindo petróleo e gás. Isso de uma taxa total de investimentos que em 2014 vai ser de cerca de 20% do PIB. A Índia investiu nas últimas duas décadas em infraestrutura, na média, 4,7% do PIB. É mais do que o dobro do Brasil. Na China, foi de 8,5%, e a média mundial foi de 3,8%.

DCI: Estamos inclusive aquém do que investimos no passado.
GO: Nos anos 1970, o Brasil chegou a investir quase 5% do PIB em infraestrutura. A Tailândia investe 15% do PIB, o Vietnã, 9,9%. Isso chama a atenção sobre como o Brasil está muito parado nessa área. Enquanto a capacidade ficou estagnada, a demanda interna cresceu por várias razões, inclusive algumas boas, como o aumento de renda e maior integração regional. Hoje existem muito mais empresas operando em escala nacional, no entanto, as rodovias, ferrovias e portos não acompanharam essa evolução. Há excesso de demanda em praticamente todos os serviços de infraestrutura. Em outros países com renda per capita compatível à nossa, ao redor de US$ 13 mil, não há tanta negligência em relação a um serviço tão essencial quanto o saneamento básico, por exemplo, ainda inexistente para 50% da população.

DCI: Esta realidade começa a ser modificada?
GO: A boa notícia é que, embora tenha sido tardio, o programa de concessões começou a andar. No caso dos aeroportos, os resultados são bons. A competição foi muito acirrada nos leilões: tivemos ágios elevados, de 374%, no caso de Guarulhos, até de 673%, em Brasília. As quantias arrecadadas também foram expressivas. Nos aeroportos, nos próximos anos veremos melhora e investimentos sendo realizados. Infelizmente, as obras não ficarão totalmente prontas antes da Copa, mas a coisa está andando. Nos portos, novos leilões vão ocorrer em 2014, além dos já realizados. Em aeroportos está andando, em portos está andando, em rodovias também. Ferrovias ainda é um problema porque não há muita segurança em relação ao modelo das concessões. Essa é uma questão que talvez o governo vá precisar trabalhar melhor para arrancar, mas de qualquer maneira há movimento. No saneamento, crescem as parcerias público-privadas e os recursos por parte do setor privado nesses projetos. Tem havido um avanço significativo relativamente ao passado.

DCI: Esses investimentos darão um gás para a economia?
GO: Quando a gente olha para 2014, observamos que o que pode acelerar é o investimento. O consumo continuará crescendo, mas menos. Há desaceleração das vendas do varejo e do crédito. Pelo lado do consumo, o PIB não vai avançar; pelo lado das exportações, também não porque a Europa está estagnada, a China desacelera e a recuperação dos Estados Unidos é lenta. As importações continuarão pressionando a indústria nacional, pela falta de competitividade. O gasto público já está exagerado e não sabemos se o superávit primário das contas do governo vai melhorar. Então, um empurrão no PIB vai ter que ser pelo investimento. E dois setores são importantes para isso: a construção civil e a indústria. Como a indústria anda lentamente, o investimento industrial não avançará muito, até porque a demanda não está muito forte. Resta a construção, que depende muito do programa de concessões. A grande esperança para a economia não desacelerar tanto daqui para frente reside no programa de concessões.

DCI: Qual o impacto no PIB?
GO: Esse programa vai ajudar e o Brasil vai crescer próximo a 3% em 2014. Os mais pessimistas acham que não vai acelerar e que, portanto, a economia andará em torno de 1%, 1,5%. Eu sou mais otimista. Existe um bom potencial para o programa de concessões andar. De novo, não na velocidade e intensidade que gostaríamos, mas ele vai, de fato, trazer uma contribuição para o crescimento no próximo ano. Dá para melhorar os modelos para as várias áreas de infraestrutura. O governo já assimilou que não é possível a intervenção artificial sobre as taxas de retorno dos capitais privados. Ficou claro que é preciso planejar os leilões e a modelagem ficou melhor. Junto com isso, o próprio setor privado está hoje mais capacitado para a infraestrutura. Empresas e instituições financeiras têm atentado para a infraestrutura. O Brasil passou tanto tempo negligente nesta área e nos desacostumamos a pensar grande. O Brasil só fazia puxadinho. Ainda tem muito puxadinho, mas a gente está começando a pensar a demanda daqui a 20, 30 anos, no financiamento de longo prazo, a desenvolver um mercado de debêntures.

DCI: As soluções estão dadas?
GO: Não, e os problemas são inúmeros. Não quero ser ufanista e dizer que a capa da The Economist [revista britânica] de 2009 é que estava certa, que ninguém segura o Brasil. Mas também a capa mais recente da mesma revista [mostrando o Cristo Redentor caindo] é muito pessimista. Temos um país que é um mercado relativamente grande para padrões internacionais, que por razões diversas, teve uma estagnação da capacidade de infraestrutura e a demanda cresceu muito. Mas tudo isso também significa uma excelente oportunidade de negócios. Com o mínimo de marco regulatório, de segurança jurídica, o Brasil tem todas as condições de dar um salto na infraestrutura, e as empresas privadas brasileiras são muito pujantes, ao contrário de outras economias emergentes. Com participação do setor financeiro, fundos de private equity e operadores internacionais, pode haver uma grande mudança no País. A retirada dos estímulos do Tesouro norte-americano à economia, a grande bomba a ser desligada, gera incerteza, mas tudo indica que isso será feito com cuidado.

DCI: Como acelerar esses investimentos?
GO: Assim como precisamos preservar o tripé da política econômica – austeridade fiscal, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal -, precisamos de um tripé para infraestrutura: resgate do planejamento, tanto privado quanto estatal; boa regulação e uma boa gestão.

DCI: Corremos risco de perder o grau de investimento?
GO: Existe ameaça de um downgrade por conta da complicada questão fiscal. A política macroeconômica foi negligente na parte fiscal, com falta de esforço de contenção de gastos e tentativa de disfarçar o mau desempenho dos resultados. É hora de dar provas inequívocas de que será gerado caixa suficiente para honrar o pagamento dos juros da dívida pública. A presidente Dilma sinalizou estar afinada com isso quando procurou os congressistas para um pacto contra as propostas em tramitação que elevam os gastos.

DCI: Em ano de eleição não é mais difícil conter gastos?
GO: Sim, mas um eventual downgrade ou barbeiragem na economia internacional geraria desconfiança e forte depreciação do real, com impacto na inflação, elevando o custo eleitoral para o governo em relação a uma postura firme de contenção de despesas. Precisamos de política econômica cautelosa nesse momento. Economia desacelerada e inflação desconfortável já são ruins. Se houver depreciação forte, em função de uma crise de confiança gerada por evento internacional ou por barbeiragem interna, teríamos o pior cenário, com desequilíbrio acentuado. Temos desajustes, a gente está andando de uma forma desajustada. Se houver um choque externo ou um descuido interno grande, do desajuste passaremos à crise.

DCI: Ajustes só em 2015?
GO: Não esperaria grandes ajustes de gastos ou de receitas em ano eleitoral, nem fortes ajustes de tarifas, dos preços da gasolina, além do necessário para sobreviver. Ajustes inadiáveis de gastos e de preços administrados ficarão para o governo que assumir em 2015. Assim como ajustes no relacionamento do Tesouro Nacional com o setor de energia elétrica, cujas contas foram comprimidas. O financiamento de longo prazo do BNDES, que requer aportes grandes do Tesouro, também terá de ser equacionado.

Fonte: Trata Brasil
Veja mais: http://www.tratabrasil.org.br/o-brasil-so-fazia-puxadinho

Últimas Notícias: