“O setor de saneamento enfrenta uma grave crise no mundo todo”

O Ex.presidente da Abar, Wanderlino Teixeira afirma que o setor de saneamento básico enfrenta uma crise estrutural em nível mundial. ´Ao mesmo tempo, muitos países ainda não dispõem de uma estrutura regulatória´, afirma.
Qual o grande desafio para os sistemas regulatórios em saneamento no mundo?

Inicialmente, é importante dizer que o setor de saneamento enfrenta uma grave crise no mundo todo. Primeiro, porque os orçamentos públicos têm destinado cada vez menos verbas para o saneamento. Em segundo lugar, a iniciativa privada não se interessa em investir em projetos de saneamento básico porque é um setor de pouca rentabilidade. Há outros, como o de telecomunicações ou mineração, muito mais vantajosos do ponto de vista econômico do que o saneamento. Portanto, o que vemos é que o setor enfrenta uma crise estrutural em nível mundial. Ao mesmo tempo, muitos países ainda não dispõem de uma estrutura regulatória. Na Europa há, nos Estados Unidos também e na América Latina alguns países, como o Brasil, têm. Onde existe um sistema regulatório houve uma evidente melhoria das condições de prestação do serviço de saneamento. Isso mostra a importância do saneamento básico no mundo inteiro.

De que forma essas agências regulatórias atuam neste sentido?

Primeiro, é preciso um marco regulatório que especifique claramente as regras do jogo no quadro de prestação dos serviços de saneamento. Essas regras são importantes para que os operadores, sejam estatais ou privados, possam desenvolver os trabalhos de captação, tratamento, transporte e distribuição da água. Da mesma forma, regras que normatizem as relações comerciais, as relações com os consumidores, os usuários. Isso tudo é muito importante. Tendo em vista este marco regulatório, a agência fiscaliza e, detectada qualquer inconformidade, multa a empresa de saneamento ou dá prazo para ela corrigir o problema, seja qual for.

E no Brasil, os desafios são os mesmos?

O Brasil está em situação média. Se você considerar os países capitalistas avançados, os países emergentes como o Brasil e os subdesenvolvidos da África, o nosso País está numa situação intermediária. Mas os nossos problemas são bastante graves ainda. No sentido da universalização dos serviços. O abastecimento de água potável atende, de certa forma, à população. Mas a questão do tratamento dos esgotos ainda é séria. O Brasil está numa situação difícil no que diz respeito ao tratamento dos efluentes, que contaminam o meio ambiente e os cursos d’água, o que é bastante grave.

O que senhor acredita que deveria ser prioridade: a implantação de sistemas de saneamento onde ainda não existe ou a melhoria da qualidade dos sistemas já existentes?

As duas coisas precisam ocorrer ao mesmo tempo. À medida em que se precisa fazer um esforço pela universalização da prestação dos serviços, já que não se pode deixar a população desguarnecida, é imprescindível também investir na qualidade dos sistemas. O saneamento básico é fundamental para a saúde. De cada real que você investe em saneamento, economiza quatro outros no sistema de saúde. Várias doenças têm transmissão hídrica. Por isso é importante que a agência reguladora seja efetiva em detectar e proibir serviços ineficazes em saneamento básico. Uma agência que não faz isso não está cumprindo o seu papel a contento.

Quais as principais implicações da falta de um sistema de saneamento ou de um sistema ineficaz para uma cidade?

Um sistema de saneamento ineficaz é quase como se não existisse. As conseqüências para a população são muito graves e vão além da saúde pública. A diarréia é uma das principais doenças de veiculação hídrica e que ainda causa a morte de milhares de crianças no Brasil todos os anos. A mortalidade infantil, em grande parte, é resultado da falta de saneamento básico. Ainda temos a dengue e a leptospirose, que, de certa forma, estão diretamente relacionais à falta de saneamento. São problemas que, aparentemente, ocorrem apenas nas periferias das cidades, mas que são um problema de todos. A inexistência de uma saneamento adequado leva o poder público a precisar investir mais em saúde, dinheiro que deixa de ir para outras áreas tão ou mais importantes quanto. Isso acaba influindo no orçamento dos Estados e municípios. Sem falar nas conseqüências para a economia. A falta de infra-estrutura, o que inclui o saneamento, pode atrapalhar a presença de investidores numa região. Com isso sai perdendo a população, que perde divisas e postos de emprego. Em resumo, sem saneamento básico, uma cidade pode deixar de crescer. Empresa nenhuma vai querer investir num local sem saneamento.

Onde estão os municípios mais problemáticos no Brasil?

As piores situações estão nas regiões Norte e Nordeste, tanto no que se refere à quantidade de municípios contemplados com sistemas de saneamento quanto à qualidade destes sistemas.

Existe algum modelo, no Brasil, a ser seguido?

A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), embora ainda enfrente problemas, é a Petrobras do saneamento no Brasil. Ela negocia até suas ações na bolsa de valores. É uma empresa considerada muito eficiente e faz um saneamento de qualidade, embora ainda existam problemas, principalmente quanto ao tratamento dos esgotos. Portanto, o trabalho realizado pela Sabesp poderia servir de modelo para o restante do Brasil. Se todos os Estados tivessem uma empresa do nível de competência da Sabesp, estaríamos em situação melhor.

O marco regulatório nacional — por meio da Lei No. 11.445/2007 — vem atendendo as expectativas?

A Lei Federal não é um marco regulatório propriamente dito. Ela é uma lei de diretrizes nacionais. Ela é bastante genérica, como deve ser uma lei de diretrizes, já que pela Constituição o governo federal só pode fazer normais gerais sobre o assunto. Cabe agora aos Estados fazerem normas detalhadas a partir do marco regulatório. E a Abar tem trabalhado no sentido de que cada Estado tenha o seu marco regulatório e possa fiscalizar e operar os próprios serviços de saneamento básico.

Em que frentes a Abar vem investindo para divulgar a importância da regulação para a garantia de uma boa oferta de serviços de saneamento?

Na Abar, de todas as nossas câmaras técnicas a mais ativa é a de saneamento. Isso graças ao trabalho de agências de regulação como a do Ceará, a Arce. É a nossa mais eficiente agência no sentido de divulgação de estudos, de normas e indicadores. É bastante efetiva e o Ceará está de parabéns por ter uma agência do porte da Arce.

A associação também realiza pesquisas?

Fazemos publicações. Agora mesmo estamos distribuindo no país um livro de 510 páginas sobre os procedimentos do saneamento básico. A publicação é voltada para os reguladores e operadores. Para fazer este livro, além de contar com o apoio de agências reguladoras do país inteiro, fizemos uma consulta pública que contou com a participação de várias empresas e profissionais de diversas áreas relacionadas ao tema saneamento.

FILIPE PALÁCIO
Repórter

FIQUE POR DENTRO
O que é e qual o papel da Associação?

A Abar representa 31 agências reguladoras brasileiras filiadas, entre federais, estaduais e municipais de diferentes setores (transporte terrestre e aquaviário, energia, saneamento, cinema, gás) e de diversos Estados. A Abar é uma associação de direito privado, criada em 1999, sem fins lucrativos e apartidária. Tem estado presente em eventos do mundo regulatório em diversos países (México, Costa Rica, Genebra, Chile, Portugal e Argentina). O presidente atual tem mandato de 2008 a dezembro de 2009.

SAIBA MAIS

Desafio

A melhoria dos sistemas regulatórios em saneamento é uma questão mundial para suprir outro desafio, o de universalização (generalizar o alcance das populações a suprimentos seguros de água de qualidade)

Equilíbrio

No Brasil, o setor de saneamento começou a ser regulado há menos de 20 anos, mas a atividade é cada vez mais intensa para harmonizar as forças atuantes no mercado. O desafio é equilibrar o tripé: concessionária, governo e consumidor

Fiscalização

É papel das agências buscar a universalização, a melhoria na qualidade do serviço, mais satisfação para o consumidor, uma fiscalização competente, tarifas equânimes e ainda mediar conflitos

Atividade

Saneamento envolve uma atividade econômica e lucro em um serviço que também é público e vital. Quando mal prestado, o serviço de gera conflitos e aumenta índices graves de doenças

Universalização

A Organização Mundial de Saúde (OMS) está consolidando uma rede internacional de reguladores de água da qual a Abar faz parte. Ela visa manter um olhar permanente sobre os padrões mundiais quanto à veiculação de doenças e universalização da água tratada

Lei 11.445/2007

Apesar do Marco Regulatório Nacional (Lei 11.445/2007), o Brasil ainda precisa de uma regulação forte no Saneamento, com normas claras

Fonte: Abar

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