saneamento basico

Saneamento perde investimento e usa só 50% dos recursos

A crise fiscal dos Estados, o ajuste nas contas do governo federal e a recessão têm feito desacelerar os investimentos em saneamento no país.

No ano passado, apenas metade dos recursos do FGTS e do orçamento geral da União previstos para a área, um total de R$ 6,5 bilhões, foram de fato utilizados pelo setor, candidato a inaugurar os projetos de concessão capitaneados pelo Programa de Parceria de Investimentos (PPI).

Nesta semana, a diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) propôs um modelo para a companhia do Rio de Janeiro, a Cedae, e afirmou que a instituição vai oferecer financiamento em condições “excepcionais”, com taxas de juros menores e prazos maiores, para projetos de saneamento. O banco tem participação expressiva no custeio do setor ¬ no ano passado, os desembolsos com a rubrica de água, lixo e esgoto chegaram a R$ 1,2 bilhão ¬ mas o FGTS continua sendo a principal fonte.

O fundo repassou R$ 5,1 bilhões aos agentes financeiros, à Caixa, principalmente, dos quais apenas R$ 2,65 bilhões foram emprestados. Em 2014, 84,2% dos R$ 7,5 bilhões previstos foram realizados; em 2013, o percentual chegou a 89,3% dos R$ 5,2 bilhões. Tanto o setor público quanto privado reduziram os investimentos. Em 2014, 96,8% das verbas do FGTS programadas para as empresas privadas foram tomadas, 71,7% entre as públicas ¬ percentuais que caíram para 50,6% e 49,6%, nessa ordem, em 2015.

Desde 2012, o prazo para contratação das operações de crédito do fundo de garantia para obras inseridas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) vale até o mês de junho do ano orçamentário seguinte, conforme o Ministério das Cidades, que supervisiona os recursos. Assim, o balanço de 2015 leva em conta a movimentação até junho deste ano. O cenário já havia sido mostrado pelo Valor em reportagem de janeiro, com os números preliminares. Os relatórios do programa mostram ainda que, entre janeiro e dezembro do ano passado, R$ 675,1 milhões do orçamento da União ¬ recursos concedidos a fundo perdido, sem necessidade de ressarcimento ¬ foram empenhados para despesas com saneamento, 50,8% da dotação da rubrica para o ano, R$ 1,32 bilhão.

O desempenho é reflexo direto do contingenciamento de gastos do governo federal em 2015, avalia Ilana Ferreira, especialista em políticas e indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O percentual, contudo, é menor que os 63,5% observados em toda a área de “cidades”, que inclui, além do saneamento, o programa Minha Casa, Minha Vida e investimentos na área de mobilidade urbana. “Isso é resultado das escolhas que o ajuste fiscal obriga a fazer”, observa Ilana.

Tavares, presidente da Compesa, propõe criação de fundo garantidor para facilitar acesso a recursos privados O desequilíbrio nas contas dos Estados e as dificuldades financeiras das empresas públicas prestadoras de serviço explicam, em parte, porque metade dos recursos do FGTS ficaram parados. Entre as 27 empresas estaduais de saneamento responsáveis por 75% da população atendida no país, apenas 10 têm hoje condições financeiras e operacionais de tomar empréstimos do fundo, de acordo com dados da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB).

Em nota ao Valor, a pasta das Cidades ressaltou, nesse sentido, que a “efetivação da contratação não depende apenas da disponibilidade de recursos, mas também da capacidade das empresas públicas e privadas prestadoras de serviços de saneamento e dos entes subnacionais para acessarem os recursos”. “A crise fiscal muda as prioridades. Muitos projetos acabam sendo interrompidos, não avançam para as fases seguintes e o desembolso não acontece”, acrescenta Gesner Oliveira, presidente da Sabesp entre 2007 e 2010, hoje à frente da GO Associados.

Ao componente conjuntural, o presidente da ABDIB, Venilton Tadini, acrescenta os problemas crônicos de gestão das empresas públicas, especialmente nas cidades menores. “Os municípios precisam de apoio estadual e federal para fazer bons projetos e atrair capital privado”, ele avalia. O “Panorama do Saneamento Básico no Brasil”, de 2011, que serviu como base para a elaboração do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), já diagnosticava a “enorme fragilidade na gestão dos serviços” providos pelos órgãos municipais, lembra o coordenador do estudo, o pesquisador da Fiocruz Minas Léo Heller. Os entes têm baixa capacidade para solicitar recursos, para fazer bons projetos e para se articular com municípios vizinhos. “O problema é muito mais sistêmico do que pontual”.

O diagnóstico feito por Heller, que é também relator da ONU sobre água e saneamento, previa a necessidade, além de medidas estruturais, para as quais os recursos públicos têm se voltado, ações estruturantes ¬ melhoria da qualificação de técnicos e gestores, revisão da cobrança tarifária, muitas vezes regressiva, redução de perdas do sistema ¬, que acabaram negligenciadas pelas políticas que sucederam a aprovação do Plansab.

A gestão ineficiente e a falta de bons projetos, exemplifica, culminam em distorções como a construção de estações de tratamento que nunca receberam esgoto. “Quando se começou a discutir, em 2007 [ano da sanção da lei que previa o Plansab], muita gente achava que o saneamento não caminhava porque não havia recursos”, comenta o presidente¬-executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos. Além dos problemas estruturais, ele acrescenta, desafios de ordem mais prática também dificultam a concretização dos investimentos.

O tempo médio para a liberação dos recursos do FGTS, por exemplo, é de 22 meses. Também falta celeridade na liberação das licenças ambientais e apoio de muitas prefeituras para realizar tarefas como interromper temporariamente o trânsito ou remover famílias de áreas de risco. Universalizar o saneamento exigiria R$ 304 bilhões em investimentos, segundo cálculo do Trata Brasil Ilana, da CNI, acrescenta que muitas companhias, com dificuldade para manter um fluxo de caixa saudável, dificilmente conseguem cumprir os requisitos para tomar empréstimos do FGTS, que acabam sendo acessados sempre pelas mesmas companhias. “Há, sim, recursos. Mas eles são acessíveis ao setor?”, questiona.

Para contornar essas dificuldades, a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) vem lançando mão de outros instrumentos há cerca de três anos, como as debêntures de infraestrutura incentivadas pelo BNDES e a estruturação de Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FDICs). No ano passado, a companhia emitiu R$ 100 milhões em debêntures, desta vez não incentivadas. Os recursos começaram a entrar no caixa neste ano. “Nós sabemos que não são todas as empresas que conseguem acessar esse tipo de alternativa”, reconhece Roberto Tavares, presidente da Compesa e da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe).

Tavares critica a burocracia exigida pelo FGTS, que considera excessiva, e propõe a criação de um fundo garantidor para o setor, para que as companhias hoje menos estruturadas também tenham condições de acessar recursos privados para realizar investimentos. O Trata Brasil calcula que são necessários R$ 304 bilhões em investimentos para promover a universalização do saneamento. “Os avanços hoje são pequenos e bastante concentrados onde o serviço já é bom”, ressalta Carlos. No ritmo atual, serão necessários 40 anos para que os serviços cheguem a todas as famílias do país.

Fonte: Grandes Construções

Últimas Notícias:
Embrapa Saneamento Rural

Balanço Social da Embrapa destaca ações em saneamento básico rural

As ações desenvolvidas pela Embrapa Instrumentação (São Carlos – SP) e parceiros em saneamento básico rural estão entre os nove casos de sucesso do Balanço Social da Embrapa 2023, que será apresentado na quinta-feira (25), a partir das 10 horas, em Brasília, na solenidade em comemoração aos 51 anos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.

Leia mais »