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Lei do saneamento deixa lacunas, mas gera R$ 98 bi de obras

Lei do saneamento

Por: Taís Hirata

O novo marco legal do saneamento completa três anos, ne sábado (15), em meio a mudanças de regras, frustração quanto à atuação da ANA (Agência Nacional de Águas) e ainda sem uma solução para garantir a universalização nos municípios em situação mais precária, afirmam especialistas e empresas ouvidos pelo Valor.

Por outro lado, há avanços. O principal são os 28 leilões realizados desde 2020, que contrataram R$ 98 bilhões de investimentos, segundo a Abcon (Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto).

Passados três anos do novo marco, especialistas apontam frustração com ANA e falta de soluções para municípios mais precários

Hoje, uma das lacunas mais preocupantes é encontrar um caminho para os mais de mil municípios com contratos em situação irregular – que são aqueles com os piores indicadores de água e esgoto e, ao mesmo tempo, com o menor rendimento per capita, o que dificulta a atração de investimentos privados.

“A pergunta que fica é o que faremos com esse acervo de contratos irregulares, hoje ameaçados a ficar de fora da universalização. É necessário haver uma maior coordenação institucional entre União, Estados e prefeituras para construir soluções”, afirma Fernando Vernalha, sócio do Vernalha Pereira Advogados.

Até o momento, a saída proposta pelo novo marco legal é a regionalização dos serviços. Dessa forma, as cidades deficitárias poderiam se unir a outros municípios, e assim viabilizar subsídios cruzados. Porém, a formação desses blocos regionais, na prática, tem encontrado dificuldade para avançar no país.

Do lado das estatais, a solução proposta foi reincorporar os contratos às companhias estaduais, também para obter subsídios cruzados. Essa possibilidade chegou a ser autorizada pelos decretos federais publicados em abril, mas estes foram revogados pela nova regulamentação implementada nesta semana. Críticos do modelo apontaram que, nesse caminho, os contratos seriam regularizados, mas sem qualquer meta de universalização ou comprovação econômica pela estatal.

Procurados, o Ministério das Cidades e a Casa Civil não se manifestaram a respeito do tema.

Outro pilar do novo marco legal que pouco avançou foi a melhora na qualidade da regulação, segundo fontes do setor privado. Há uma frustração quanto ao papel da ANA, cuja atuação era vista como possibilidade de transformação para o mercado – o que, na prática, não se concretizou.

“Há três anos, a expectativa era encontrar um ambiente melhor do que o que se vê hoje. A ANA, mesmo no governo anterior, editou poucas normas de referência. Para o segmento de água e saneamento, uma só. Em três anos, não há diretrizes para os temas mais sensíveis ao setor, como regras de reajuste tarifário, metodologia para reequilíbrio econômico, término antecipado dos contratos, cálculo das indenizações devidas. Aquelas possíveis arbitragens regulatórias que se esperava também não ocorreram”, avalia Rafael Vanzella, sócio do Machado Meyer e professor da FGV Direito.

No âmbito subnacional, o que se tem observado é que a qualidade da regulação não melhorou, e muitas agências estão editando normas sem observar as recomendações da ANA, afirma Gustavo Magalhães, sócio do Madrona Fialho. “Esses três anos deixaram a desejar em termos de regulação. Todos esperavam que a ANA estaria mais próxima das agências reguladoras.”

Além disso, a percepção é que não há fiscalização, por parte dos órgãos reguladores, em relação aos planos de viabilidade econômico-financeira que comprovaram que as empresas teriam condições de fazer a universalização até 2033, diz Ewerton Henriques, sócio do Banco Fator.

Procurada, a ANA não se manifestou até o momento.

Apesar das frustrações, especialistas também apontam conquistas. A principal delas, na visão de atores ligados ao setor privado, são as novas concessões e PPPs (Parcerias Público Privadas), que deslancharam desde a aprovação da lei. Nos R$ 98 bilhões contratados nos leilões, estão incluídas obras em 17 Estados e 564 municípios, segundo a Abcon.

“Em três anos, os investimentos privados em água e esgoto deslancharam de forma muito significativa. Tivemos leilões importantes no Amapá, em Alagoas, no Rio de Janeiro, a privatização da Corsan [Companhia Riograndense de Saneamento]”, afirma Carlos Leiria Pinto, gerente-geral do IFC (International Finance Corporation, do Banco Mundial).

Lei do saneamento

A expectativa, segundo ele, é que as oportunidades de leilão continuem – provavelmente mais com concessões e PPPs do que via privatizações, diz.

Na sexta (14), será realizado o leilão da primeira PPP da Sanepar, que já estrutura outros dois projetos para delegar a operação de esgoto a um parceiro privado.

Na carteira do BNDES, que tem sido a principal fábrica de projetos do setor, estão em estudo cinco iniciativas, no Pará, na Paraíba, no município de Porto Alegre, em Rondônia e em Sergipe. Este último é visto como o mais avançado deles, com perspectiva de publicação entre o fim deste ano e 2024. O Rio Grande do Norte também está em conversas com o banco para novas PPPs, segundo o presidente da Caern (estatal do Estado), Roberto Linhares.

Apesar dos diversos projetos em análise, há dúvidas sobre o ritmo em que as licitações irão ocorrer, avalia Marcos Ganut, sócio-diretor da A&M (Alvarez & Marsal) Infra. “Tem muita coisa em estruturação, de tamanhos diferentes. O grande ponto é quando vão estar prontas as estruturações”, afirma.

Além das concessões, ele destaca que há forte expectativa em relação a duas privatizações: a da Sabesp, que o governo paulista planeja viabilizar até julho de 2024, e a da Copasa, que está em estágio menos maduro.

Na avaliação de Linhares, também vice-presidente da Aesbe (Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento), a publicação dos novos decretos de saneamento básico, na quinta (13), tendem a destravar projetos em estudo, que aguardavam uma definição sobre quais seriam as regras para regularização ou não de contratos.

“Esse impasse trava o avanço dos projetos. Já passou da hora de começarmos a trabalhar com mais afinco na universalização.”

Desde o início deste ano, quando o novo governo federal decidiu alterar a regulamentação do marco legal, o setor de saneamento vive meses de insegurança sobre como ficará a regulamentação do novo marco legal.

Em abril, a União havia soltado dois decretos, que trouxeram flexibilizações controversas. Os dois pontos mais polêmicos eram a possibilidade de as estatais firmarem contratos com blocos de municípios sem licitação e a autorização para que as companhias regularizassem contratos precários. Porém, houve forte reação negativa aos textos no Congresso Nacional, que editou um novo decreto legislativo revertendo as alterações.

Para evitar a aprovação desse texto alternativo, o governo federal chegou a um acordo para que as normas fiquem em um meio termo. Dessa forma, foram publicados dois novos decretos retirando os dois pontos mais controversos, mas mantendo outras flexibilizações. A versão final gerou queixas tanto do lado do setor privado quanto das companhias estaduais.

Apesar da resolução das discussões, hoje o governo federal e o Congresso buscam um acordo para a construção de um projeto de lei que poderá alterar o atual marco legal do saneamento.

Fonte: Valor.

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