Um debate recorrente, ainda mais em tempos de escassez econômica e fortes limites orçamentários, trata do destino de recursos e atenções na área da medicina. Afinal, devemos focar a prevenção de doenças ou os avanços tecnológicos e científicos? Onde colocamos nossas poucas fichas?
Há nesta pergunta, acredito, uma falsa dicotomia, infelizmente bastante difundida. A versão de que o cobertor é curto e que, portanto, deve-se fazer a opção por uma linha em detrimento da outra.
Prevenção ou precisão? Alta ou baixa tecnologia? A experiência nos mostra que a medicina avança, de fato, quando ambas caminham juntas. O que no passado foi a vanguarda na área, hoje se tornou parte do dia a dia, com custos relativamente baixos.
O novo currículo da Faculdade de Medicina da USP, aliás, aposta tanto no fortalecimento da medicina preventiva e da atenção básica quanto na aproximação dos alunos com as técnicas mais modernas e especializadas.
Mesmo a alta complexidade vem demonstrando que pode chegar a muitos, independentemente da classe social. Prova disso é que neste ano o Incor, do Hospital das Clínicas da USP, superou a marca dos mil transplantes de coração e pulmão.
Ou ainda, no mês de setembro, o HC realizou o primeiro transplante de útero da América Latina, abrindo um novo universo de possibilidades para mulheres que queiram engravidar, mas tenham algum problema neste órgão. Como, diante desses fatos, abdicar dos investimentos na medicina de ponta?
Por outro lado, é notória e incontestável a importância da prevenção e da atenção básica à saúde. Evitar que as pessoas fiquem doentes -em casos em que isso é plenamente viável com educação, cuidados alimentares, saneamento básico e, por exemplo, estímulo a uma vida não sedentária- é fundamental.
Mesmo com menos dinheiro é possível garantir mais saúde para um conjunto muito maior de pessoas, evitando gastos com tratamentos caros que viriam com as doenças. Como, então, abdicar da prevenção?
Parece claro que a resposta está em equilibrar os recursos e compreender onde esses dois caminhos se encontram. Um exemplo que destaco são as pesquisas em medicina de precisão.
Com as informações provenientes do big data e o sequenciamento genético do ser humano, teremos a possibilidade, inédita na história, de afunilar o tratamento de cada paciente até o nível molecular de especificidade. Há quem diga, porém, que os altos custos dessas pesquisas dificultam essa alternativa.
Discordo dessa visão. É conhecido o desperdício que, por vezes, ocorre com medicamentos de alto custo, como no câncer, quando não há boa resposta em alguns pacientes em razão dos diferentes mecanismos moleculares envolvidos.
Há custo econômico, mas há também o custo em vidas. O tratamento equivocado também significa a perda de tempo até que se chegue ao tratamento correto. Por vezes, tarde demais.
Assim, apesar da enorme evolução na área da oncologia, precisamos seguir avançando.
A medicina de precisão representará, portanto, uma enorme oportunidade de economia de recursos em medicamentos e tempo de internação, que poderão, inclusive, ser aplicados na prevenção e atenção básica.
Ao mesmo tempo, garantirá ao paciente o melhor tratamento possível. Isso representa mais economia e, ao mesmo tempo, mais saúde. Representa precisão e prevenção. É como a medicina deve ser.
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo