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No dia mundial da água, alerta é para a poluição dos oceanos

Na sala de coordenação do Curso Técnico de Meio Ambiente do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), em Florianópolis, o pesquisador Walter Martin Widmer abre frascos de vidro como se dentro houvesse uma carta do tempo, processada há décadas. Mas nelas, estão mensagens do passado em formato de fragmentos de plástico – são, na verdade, restos de lixo marinho encontrados no litoral de Santa Catarina. Entre cordas, linhas e ferro oxidado, as pequenas partículas de plástico, do tamanho de um grão de arroz e reunidas em um punhado, são as que mais impressionam e preocupam. O plástico deteriorado pelo choque contra rochedos e movimentos das ondas cruza oceanos, intoxica animais e se acumula pelas praias.

Desde 1993, a data 22 de março é reconhecida como Dia Mundial da Água para buscar soluções para a gestão desse recurso natural. Além da proteção das fontes de água potável, os oceanos também entraram na pauta de ambientalistas e organizações a partir do constante aumento da quantidade de lixo marinho acumulado e em alto mar. Estima-se que 260 mil toneladas de plástico flutuam em alto mar, concentradas em cinco grandes “ilhas” de detritos nos oceanos. Material que a longo prazo pode gerar problemas diretos a humanidade e que já apresenta consequências ao meio ambiente.

— A praia e o litoral como um todo são apenas os lugares em que podemos observar, mas os mares e oceanos estão repletos de lixo plástico — afirma Widmer.

O doutor em Ciências e pesquisador em gestão costeira e lixo marinho explica que essa quantidade de detritos no mar é resultado de uma prosperidade econômica e tecnológica vivida desde o fim da Segunda Guerra Mundial sem a adequada consciência e estrutura social para dar o destino correto a esses resíduos.

— É inegável a utilidade do plástico para a sociedade, mas grande parte desse lixo está nos oceanos por má gestão dos resíduos sólidos nas zonas urbanas.

Segundo estudo da pesquisadora Jenna Jambeck, da Universidade da Geórgia (EUA), publicado na Science Magazine em 2015, cerca de 80% do lixo marinho é proveniente dos continentes. Com base em dados de produção, consumo, população e gestão o estudo ainda aponta que a quantidade total de plástico despejada nos oceanos em 2010, proveniente dos 192 países costeiros, variou entre 4,8 milhões e 12,7 milhões de toneladas – uma média de 8 milhões de toneladas.

Mas segundo o grupo de pesquisa Race of Water, que dá uma volta ao mundo mapeando o lixo oceânico, esses números são ainda mais preocupantes. Levantamentos apontam que até 10% do plásticos produzido anualmente termina por poluir os oceanos.

O projeto Race of Water também mapeia as cinco grandes “ilhas” oceânicas de lixo. A maior delas, no norte do Oceano Pacífico, foi descoberta por Charles Moore, hoje presidente da Fundação Algalita – Pesquisa e Educação Marinha. Essas concentrações de lixo ocorrem pela formação das correntes marítimas que circulam os sete mares, locais que para Moore se tornaram um “sopa plástica”, repleta de pequenas partículas que facilmente podem ser confundidas por alimento até mesmo para os menores peixes da cadeia alimentar:

— Não há como qualquer pescador garantir que o seu peixe é orgânico se ele foi criado no mar — alertou Moore em palestra para o TED.com.

Ainda na sala de estudos de Widmer, os frascos sobre a mesa parecem se multiplicar em proporções oceânicas à medida que se tem melhor compreensão da dimensão da poluição. Para resumir, o pesquisador aponta para o frasco de pellets (grânulos plásticos), matéria-prima para produção dos produtos, depois para uma caneta e, por fim, para o frasco de pequenos plásticos deteriorados do mesmo tamanho que os pellets que serviram para a confecção da caneta.

— Se a caneta cair na rua, chover e os córregos a levarem para o mar, é assim que ela volta — simplifica.

Animais são as vítimas do descaso humano

O ciclo estaria completo, mas nessa teia há mais personagens envolvidos, como a fauna marinha. A ingestão de resíduos sólidos, principalmente plástico, fica atrás apenas da pesca ilegal como causa de morte de tartarugas marinhas, segundo Daniel Rogério, biólogo e técnico do Projeto Tamar em Florianópolis. A base do Tamar na Barra da Lagoa tem foco de trabalho na recuperação de animais doentes ou capturados e na educação ambiental. Assim como na sala do curso Técnico em Meio Ambiente do IFSC, onde Widmer faz suas pesquisas, no Tamar também estão expostos frascos de vidro com plásticos. Mas esses foram retirados do estômago de tartarugas mortas.

— De 10 tartarugas que analisamos em necropsia, nove apresentam restos de plástico dentro do organismo. Algumas delas até 3 mil pequenos pedaços de plástico no estômago. Na maioria das vezes elas se sentem saciadas e morrem desnutridas — destaca Rogério.

O lixo marinho também prejudica diretamente aves marinhas e o problema é mapeado pelo projeto Projeto Albatroz no Brasil, que tem uma base de extensão em Itajaí. Há relatos de aves que morreram com anéis plásticos presos ao bico e de filhotes que morrem por terem sido alimentados com plástico pelos pais.

— Estima-se que em 2050, 99% das espécies de aves marinhas terão ingerido plástico – destaca a coordenadora geral do Projeto Albatroz no Brasil, Tatiana Neves.

Lixo que viaja o mundo e volta às praias

Mas os problemas seguem além do mar e, assim como o lixo que sai do continente, eles voltam. Mesmo praias desertas ou com projetos de conscientização ambiental recebem nas areias e nos costões a sujeira que viaja pelo mar. Em reportagem sobre as praias de Governador Celso Ramos, em janeiro de 2016, a equipe do Diário Catarinense encontrou resíduos sólidos junto às ondas na Praia de Ilhéus, que recebe poucas pessoas durante o ano. É lixo deixado em outros lugares que contamina todos os litorais.

Pensando em reduzir essas consequências, um grupo de pessoas criou há seis anos o Projeto Route em Santa Catarina. O grupo realiza limpeza de costões, ilhas e praias no Estado sempre trabalhando a conscientização dos usuários. Com seis integrantes fixos mais voluntários o grupo costuma encher sacos de lixo com latinhas, plástico, isopor.

— Na praia da Joaquina já encontrei latinha com mais de 20 anos e embalagens com escritos em grego – conta Simão Filippe, um dos fundadores do projeto.

Com base nas informações e ação do projeto, Márcio Gerba, também fundador do Route, grava o documentário Uma Gota.doc, que reúne pesquisadores e ações de conscientização sobre a poluição dos oceanos — entre eles integrantes do do Projeto Tamar, Race of Water e o próprio Charles Moore, do Angalita.

A conscientização e o desenvolvimento de adequadas políticas públicas de manejo dos resíduos sólidos são os trabalhos que podem levar a reduzir a poluição dos oceanos. Moore e outros pesquisadores também apostam na redução do consumo de materiais que geram lixo reciclável como base para a melhora ambiental dos mares. Mas Walter Martin Widmer acredita que, infelizmente, apenas quando esses problemas refletirem em maiores prejuízos financeiros ou diretamente na saúde humana haverá mudanças significativas.

— O problema é que as pessoas ainda não perceberam que a poluição reflete em gastos públicos como limpeza e saúde, diminuição do prestígio turístico, que já são aspectos econômicos. Mas leva tempo para desenvolvermos essa consciência coletiva — contextualiza Widmer.

Fonte: DC
Foto: Ricardo Wolffenbüttel / Agencia RBS

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