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Regulação do hidrogênio verde entra em pauta

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Apontado como a melhor solução para descarbonizar setores poluentes, como o siderúrgico, de fertilizantes e o de transporte pesado, o uso do hidrogênio como fonte de energia vem ganhando importância mundial — e no Brasil começa a chamar atenção dos legisladores. Apresentado ao Senado Federal no fim de março, o projeto de lei 725/22, de autoria do senador Jean Paul Prates (PT/RN), insere o chamado hidrogênio verde na matriz energética brasileira e estabelece a necessidade de adicioná-lo aos gasodutos.

Projeto de lei apresentado no Senado insere H2 na matriz energética brasileira

O assunto é relevante e o potencial brasileiro para a produção de hidrogênio verde é considerado elevado, dada a vantagem que o País dispõe para a produção de energia proveniente de fontes limpas, como a eólica e a solar. “A descarbonização através do uso de hidrogênio verde poderá fazer com o que o Brasil seja uma potência não só na produção de hidrogênio/amônia verde, mas também de aço, fertilizantes, cimento e outros produtos verdes”, afirma o advogado Thiago Luiz Silva, associado do Vieira Rezende Advogados.

De acordo com ele, já existe, no Brasil, uma regulamentação para toda a cadeia do hidrogênio verde, embora ela não tenha sido desenvolvida especificamente para essa indústria. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) regulam partes do tema, por exemplo. O PL 725/22, entretanto, atribui unicamente à Agência Nacional do Petróleo (ANP) a competência de regulamentação. Silva considera que a alteração não faz sentido, uma vez que a ANP acabaria por normatizar atividades que fogem do seu escopo.

“Considero duas regulamentações como mais urgentes: estabelecer os critérios para que o hidrogênio possa ser considerado verde e comercializado como tal, bem como a criação de políticas de fomento à demanda e contratos de offtake”, afirma. Esses contratos garantiriam a demanda para o hidrogênio produzido.

Na entrevista abaixo, Silva detalha aspectos relevantes da regulamentação sobre o hidrogênio de baixo carbono e indica quais pontos do projeto de lei precisam ser aprofundados.

Com relação às normas relacionadas ao hidrogênio verde, em qual estágio o Brasil está? Esse mercado já tem algum tipo de regulamentação? O que falta ser feito?

Thiago Luiz Silva: Fora o PL 725/22, a única norma no Brasil que trata especificamente sobre hidrogênio verde é o Programa Nacional do Hidrogênio, de julho de 2021.

Importante entender que hidrogênio verde é uma dentre várias formas de hidrogênio de baixo carbono. Todas as formas de hidrogênio de baixo carbono são igualmente importantes para atingir os objetivos do Programa Nacional do Hidrogênio e as metas de descarbonização assumidas pelo Brasil. O uso do termo hidrogênio de baixo carbono tem sido aquele preferencialmente usado no mundo, para não priorizar uma dentre as diversas rotas de geração de hidrogênio com baixa ou nenhuma emissão de carbono.

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Sobre a indústria do hidrogênio verde ser um mercado regulamentado, precisamos separar tanto o elo da cadeia do hidrogênio a que estamos nos referindo (produção, armazenamento, transporte, utilização como insumo industrial), quanto o tipo de regulamentação que estamos discutindo.

Já existe regulamentação para toda a cadeia do hidrogênio verde, embora tal regulação não tenha sido feita especificamente para essa indústria. Por exemplo, na produção do hidrogênio verde, temos dois insumos principais, que são a água e a energia elétrica de fontes renováveis. A captação e o uso de água em processos industriais já são regulados pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), enquanto a produção e o uso de energia elétrica de fontes renováveis já são regulados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Uma vez produzido o hidrogênio verde, ele se assemelha ao hidrogênio gerado de qualquer outra forma, sendo o uso da molécula como insumo industrial também já regulado em diversas normas técnicas, ambientais, de segurança, dentre outras, que tratam o uso do hidrogênio como insumo ou como produto final em processos industriais. Minha opinião é de que não há necessidade de nova regulamentação para permitir que o hidrogênio seja produzido ou utilizado.

No entanto, para que a indústria do hidrogênio verde ou de baixo carbono floresça, regulamentações de fomento devem ser criadas. Existem algumas linhas de política de fomento sendo discutidas globalmente, com particular destaque para aquelas abordadas pela Agência Internacional de Energia Renovável (Irena), no estudo Green hydrogen supply: A guide to policy making.

Considero duas regulamentações como mais urgentes: estabelecer os critérios para que o hidrogênio possa ser considerado verde e comercializado como tal, bem como a criação de políticas de fomento à demanda e a contratos de offtake.

Sobre esses contratos, diversos participantes da indústria de energia brasileira estão se movimentando para produzir hidrogênio de baixo carbono ou subprodutos (amônia, metanol), porém sem que essa produção tenha um destinatário. O problema disso é que, uma vez produzido, o que será feito com esse hidrogênio/subproduto? Caso não tenha uma destinação em um contrato de offtake, o produto gerado será mais um problema do produtor. Contratos desse tipo permitiriam que esses players pudessem ter a garantia de venda dos seus produtos, bem como contar com fontes de receita externa às entidades participantes em tais projetos, viabilizando-os ainda mais.

Sobre os critérios para que o hidrogênio possa ser considerado verde/baixo carbono, entendo que devem ser observados os padrões em discussão internacionalmente: para gerar hidrogênio verde, poderá ser usada energia da rede na eletrólise? Caso positivo, quais requisitos devem ser observados? Na Europa, discutem-se requisitos como a pequena distância da fonte geradora renovável, emissão de certificados de origem etc. Qual padrão será usado para essa certificação do hidrogênio? Esse padrão permitirá que o hidrogênio verde seja comercializado no exterior sem necessidade de certificação adicional?

Sobre políticas de fomento, vejo com bons olhos a obrigação que o PL 725/22 traz de injeção de H2 nos gasodutos de transporte. Porém, algumas questões não ficaram claras no projeto de lei. Quais os motivos para os percentuais ali indicados, se tecnicamente existe um relativo consenso que injetar até 15-20% de H2 não traria impacto operacional? Quem vai ser obrigado a adquirir esse H2 e injetar na rede? Os comercializadores de gás natural? O transportador, que atualmente só pode adquirir (comercializar) gás para uso do sistema? Vale lembrar que é uma conta alta a ser paga. Quem vai arcar com esse custo? Essas e diversas outras questões precisam ser respondidas.

A qual agência caberia regular esse mercado?

Thiago Luiz Silva: Como já exposto na primeira resposta, entendo que a regulamentação para produção, armazenamento, transporte e uso do hidrogênio verde já existe e é uma regulamentação difusa entre várias agências reguladoras e entidades técnicas (ABNT, Inmetro etc.). Na minha opinião, essa regulamentação difusa deverá ser mantida para novas regulamentações. No caso da injeção de hidrogênio nos gasodutos de transporte, naturalmente caberia à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) regular e estabelecer os critérios técnicos. Caso os estados brasileiros decidam adotar medida similar nos gasodutos de distribuição, caberá às respectivas agências estaduais.

Por isso, discordo da decisão do PL 725/22 de atribuir unicamente à ANP a competência de regular o hidrogênio. Isso não faz sentido, pois partes do escopo já estão perfeitamente reguladas por duas outras agências reguladoras de acordo com suas competências específicas.

Quais são os principais pontos do PL 725/22?

Thiago Luiz Silva: Os principais pontos do PL 725/22 são:

  1. Estabelecer, como objetivo das políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia, a inserção do hidrogênio como vetor energético para a transição para uma economia de baixo carbono e a consolidação da produção nacional do hidrogênio em bases competitivas e sustentáveis;
  2. Criar a definição legal dos termos “hidrogênio” e “hidrogênio sustentável”;
  3. Atribuir à ANP a competência de regular, autorizar e fiscalizar a atividade da cadeia do hidrogênio, inclusive sua produção, importação, exportação, armazenagem, estocagem, padrões para uso e injeção nos pontos de entrega ou pontos de saída;
  4. Estabelecer a obrigação de adição de hidrogênio no ponto de entrega ou ponto de saída nos gasodutos de transporte, progressivamente, nos percentuais de 5% a partir de janeiro de 2032 e 10%, a partir de janeiro de 2050.

Com relação ao terceiro item, como discutido, caso a produção de hidrogênio verde passe a ser regulada pela ANP, esta estaria regulando atividades que fogem do seu escopo natural de competências (matérias sob competência da ANA e da Aneel).

Qual é o potencial que o hidrogênio verde pode ter no Brasil?

Thiago Luiz Silva: Essa resposta foge um pouco do escopo jurídico-regulatório. Porém, o Brasil tem significativa capacidade de geração de energia renovável eólica e fotovoltaica. A produção de hidrogênio verde ou amônia verde no Brasil é muito promissora. Caso essa promessa se concretize, vejo com muito otimismo a “eletrificação indireta” dos processos industriais brasileiros, especialmente nos segmentos chamados hard-to-abate (siderúrgica, cimento, refino, fertilizantes), ou seja, cuja diminuição da pegada de carbono é mais desafiadora. Essa descarbonização através do uso de hidrogênio verde poderá fazer com o que o Brasil seja uma potência não só na produção de hidrogênio/amônia verde, mas também de aço, fertilizantes, cimento e outros produtos verdes.

Fonte: LM.

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