Com eleições à vista, SP resiste a racionamento de água

Afrânio Sobrinho tem um dos empregos menos invejáveis do Brasil. Como chefe da companhia de água de Guarulhos, Sobrinho deve racionar o abastecimento do subúrbio industrial de 1,3 milhão de habitantes ao norte de São Paulo, castigado pela pior seca dos últimos 80 anos.

“Racionar é impopular”, disse o engenheiro de 53 anos, de voz pausada e afável.

“Mas é preciso pensar que é como lidar com dinheiro: não se pode viver para sempre de economias”, explica. “E nossas economias quase acabaram”, acrescentou.

O funcionário se refere à Cantareira, reservatório 100 quilômetros ao norte de São Paulo onde o nível de água caiu na semana passada ao recorde mínimo histórico de 7,8 por cento de sua capacidade.

Guarulhos, que não tem fontes alternativas de abastecimento, foi o primeiro município de São Paulo obrigado a baixar o consumo de água. Mas o espectro do racionamento ameaça a capital econômica e financeira do Brasil, ironicamente o país com as maiores reservas de água potável do planeta.

Mesmo assim, as autoridades resistem aos pedidos de ampliar o racionamento ao resto da vasta metrópole de 20 milhões de habitantes por medo do custo político no momento em que o Brasil se prepara para a Copa do Mundo entre junho e julho e as eleições de outubro.

A Sabesp, companhia de saneamento básico do Estado de São Paulo, investiu muito em campanhas de rádio e televisão, instando a população a tomar banhos mais curtos e não deixar correr água quando lava os pratos.

Também está bombeando as reservas barrentas do fundo da Cantareira, na esperança de manter a água fluindo até as eleições, que é quando começa a temporada de chuvas.

As autoridades do Estado insistem que não será necessário racionar a água em toda São Paulo, e que mesmo que não chova, há água suficiente até o fim de ano.

“O governo não está esperando por São Pedro”, disse o governador, Geraldo Alckmin (PSDB), na semana passada em uma cerimônia para começar a bombear as reservas de emergência. “Estamos trabalhando 24 horas por dia para garantir o abastecimento”, acrescentou.

Más há quem tema que a situação seja mais crítica do que os funcionários admitem e que a cidade possa ficar sem água antes do tempo se não chover.

“Como estamos nos aproximando de uma eleição, encarar estes temas de uma forma clara e transparente é obviamente um problema”, disse Mauricio Colin, diretor do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) de Guarulhos.

“Há um fundo político”, acrescenta. “Não se pode dizer que tudo está sob controle quando os níveis (da represa) estão abaixo de 9 por cento”.

Os problemas de água de São Paulo chegam em um momento ruim para o Brasil, que enfrenta uma desaceleração econômica, inflação elevada, custos de energia crescentes e infraestrutura ruim. Além disso, devido à forte dependência do país da energia hidrelétrica, a seca também cria o temor de apagões.

O Estado de São Paulo teve este ano o verão mais seco de que se tem registro. Partes da represa da Cantareira estão tão secas que parecem uma paisagem lunar.

E a crise da água poderia sair cara para o PSDB, que governa o Estado de São Paulo há quase duas décadas e é o principal rival do PT do prefeito Fernando Haddad e da presidenta Dilma Rousseff.

Centro econômico que concentra mais de 30 por cento do Produto Interno Bruto do Brasil, o Estado de São Paulo é um campo de batalha crucial na política nacional. Dilma e seus aliados – entre eles o pré-candidato do PT ao governo do Estado, Alexandre Padilha – têm tentado usar a crise da água para debilitar Alckmin e o PSDB, acusando-os de não investir o suficiente para diversificar as fontes de água de São Paulo.

Em Guarulhos, os moradores estão irritados por ter que racionar a água enquanto outras áreas mais ricas de São Paulo continuam com as torneiras abertas.

“Nossos políticos não têm vergonha”, queixa-se Milka Fagundes, uma cabeleireira que às vezes precisa recusar clientes por falta de água. “Dá vontade de chorar”, acrescenta.

Com ou sem chuvas, especialistas dizem que São Paulo deve reduzir drasticamente seu consumo.

“Uma vez que terminemos essa reserva, não sobra outra coisa além de rezar para que chova”, disse Benedito Braga, presidente do Conselho Mundial da Água. “Não podemos aumentar o abastecimento. A única solução é economizar tanta água quanto possível.”

Esgotar as reservas no fundo da represa da Cantareira poderia, além disso, deixar sem uma gota de água cerca de 5,5 milhões de pessoas que vivem nos arredores e afetar a produção industrial em uma região que tem empresas como a gigante das bebidas Ambev, a siderúrgica ArcelorMittal, Nivea, Sherwin Williams e Unilever.

Os especialistas dizem que houve advertências suficientes. Em dezembro, um grupo que monitora os níveis da Cantareira instou as autoridades de São Paulo a racionar água para evitar o que descreveu como “estresse hídrico”.

“Foram alertados, mas não se fez nada”, disse Francisco Lahóz, chefe do Consórcio PCJ, o grupo que estuda a situação na represa. “Deveriam ter tomado medidas mais drásticas, sem necessidade de esperar que chegássemos a este ponto.”

Fonte e Agradecimentos: Reuters Brasil
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